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O que é Escola, afinal?

Matéria publicada na edição 111 | Setembro 2015- ver na edição online

Há um ano, aproximadamente, fui convidado para falar a pais de alunos de uma grande escola particular de São Paulo. Entre os assuntos que destaquei naquela tarde, o fortalecimento da instituição escola foi talvez o mais importante – o que não significa que tenha sido o mais atraente para os presentes. Havia pais, gestores e professores, o que fez com que as preferências variassem bastante. Entre a preocupação com a disciplina, o interesse dos alunos pelas aulas e as notas ao final de cada bimestre, o denominador comum parecia ser a busca da satisfação daqueles que participavam do cotidiano da escola. Pais querendo que seus filhos fossem “felizes” e, obviamente, tivessem boas notas – e isto representava, para a grande maioria, obter o mínimo para que não fossem reprovados nem convocados para as recuperações. Coordenadores querendo que, tanto alunos quanto famílias, pudessem sentir-se atendidos nas suas demandas – quase rigorosa coincidência com os sonhos dos pais, não fosse a tão problemática indisciplina. Os professores, na sua maioria, queriam “poder dar as suas aulas da melhor maneira possível” – e, aqui, leia-se: ter alunos interessados, participativos e disciplinados. E, tendo feito um questionário prévio junto aos protagonistas da escola, escolhi minha fala a partir daí. Ao final, fechei a palestra com o quase apelo para que gestores, famílias e alunos tivessem consciência de que só uma escola fortalecida poderá proporcionar trajetórias acadêmicas satisfatórias e capazes de engendrar bons profissionais e bons cidadãos. Mas, por que acredito nisto?

Acontece que – e tentei justamente argumentar neste sentido – as escolas não são pizzarias! E, ao falar desta forma, fiz com que olhares entre curiosos e desconfiados brotassem de muitas partes. Afinal, que história seria aquela? O que pode ter a ver a instituição escola com a instituição pizzaria?

Certamente, todos os leitores já estiveram tanto numa escola quanto numa pizzaria. E, apesar de os produtos serem diferentes – e não se discuta aqui qual deles seja o preferido da grande massa -, existem semelhanças. Ambas são empresas – vale salientar que, no caso citado, eu estava numa escola particular. Tanto uma quanto outra possui, portanto, clientes. A escola, assim como a pizzaria, apresenta sua carta mostrando o que vende, e a submete à apreciação do cliente. E, o mais importante, as duas querem manter os seus clientes e fazer com que a propagandeiem satisfatoriamente. Porém, aí, penso eu, reside a grande diferença entre uma e outra.

Imaginemos que eu seja o feliz proprietário de uma grande pizzaria da cidade. Certamente, terei algumas pizzas mais famosas que as outras e, provavelmente, algum diferencial em relação às demais casas do ramo. E, sem dúvida, meus clientes – tanto os tradicionais, quanto os novos – me procurarão, via de regra, por conta daquilo que me trouxe fama. Porém, não é menos verdadeiro que, caso um cliente ilustre me procure, numa noite dessas, pedindo para que substitua o recheio tradicional das bordas de uma certa pizza, por outro – isso, em razão da preferência de toda sua imensa família pelo sabor alternativo -, é claro que não me custará nada atende-lo. Melhor que isto, terei clientes fiéis para muitos anos. Não mancharei meu nome! Pelo contrário, abrirei novas frentes e, possivelmente, algumas semanas depois, receberei outra família me pedindo justamente aquela nova borda. E se tudo seguir nesse ritmo, pode até ser que eu coloque mais um item no meu cardápio. Resumo da ópera: o cliente tem sempre razão, e tem razão o vendedor que o satisfaz plenamente. Mas, e a escola? Será que valem as mesmas observações? Vejamos.

Inicialmente, é importante destacar que a palavra escola, na sua raiz latina –schola –tem a ver, entre outras coisas, com um “ambiente público, um circo ou uma arena”. Então, é justo que a associemos a esta “casa ampla e aberta” onde as pessoas se dirigem para ensinar e aprender. Entretanto, a mesma ancestralidade latina nos aponta o termo com o sentido de “tese”, “posicionamento”, “escola literária” ou, simplesmente, “algum tema específico do qual se deseja tratar”. Existe, ainda, a raiz grega – skholê -, a qual nos remete, também entre outros significados, a “estudo” e“ocupação de um homem livre do trabalho servil”. Por estas vertentes, argumentei na ocasião que, possivelmente, possamos sempre distinguir a pizzaria da escola pelo fato desta não se limitar apenas a ambiente voltado ao público. Escola tem mais que isso. Escola pode ser, sim, um modo de pensar, um posicionamento, uma visão de mundo e uma proposta de futuro. Também um local, é verdade. Mas, não qualquer local. Escola pode ser um fulcro, na sociedade, de onde partam ideais transformadores, posicionamentos éticos que poderão fazer diferença, seres mais livres e questionadores.

Em nosso idioma, dizia eu aos interlocutores daquela tarde, é possível percebermos esta distinção. Escola, no próprio Português, pode ser, sim, um prédio. Mas, é também, “conjunto de pessoas que segue um sistema de pensamento, uma doutrina, um princípio estético”; “conjunto de princípios”; ”grupo de seguidores de uma causa”. Então, o que acontece, aqui, quando se tentam oferecer “bordas alternativas” para clientes importantes? Pode ser que as ideologias enfraqueçam, as causas se banalizem, os princípios se destruam … O que pode acontecer com a escola se a mesma customizar seus serviços? Restará apenas o prédio? E o que será do produto pelo qual se paga, direta ou indiretamente? Aliás, qual é mesmo este produto? Será que todos têm a mesma opinião sobre qual seja o bem produzido (e vendido) nas escolas? Pode ser que todos digam conhecimento, formação. . . Mas, será que o diploma não faz parte destacada deste rol? E se fizer mesmo, não mudará a lógica? Afinal, diploma é um documento, um papel. Tão materializado e tangível quanto queijo catupiry.

Quem deve lutar para que a instituição escola se fortaleça? Apenas os gestores? Os professores? Que papel têm as famílias e seus filhos, os alunos, nessa dinâmica? Quando se flexibilizam punições a quem desrespeitou as regras – e, por conseguinte, seus colegas e autoridades -, a escola se fortalece? Quando se mudam as regras para que certos clientes não procurem outras instituições, quanto de força a escola ganha?  Quanto mais fortalecida fica a instituição quando o professor tem sua autoridade questionada perante as afirmações de pais que querem apenas inocentar seu filho ou dar a ele, com a melhor das intenções, mais “força”? A quais alunos e famílias interessa a escola que customiza serviços? A quem interessa a instituição que, respeitando a imensa maioria, não corre atrás da ovelha desgarrada, mas a faz correr atrás do grupo? E, pensando no gestor, não seria uma estratégia mais inteligente, fazer valer o nome, o posicionamento ou as ideias que, um dia, fizeram nascer sua instituição? Será que não valeria a pena, às vezes, perder para ganhar? Será que é impossível educar as famílias para que, no dia da formatura de seu filho, sintam que não estão recebendo apenas um papel, mas um prêmio conquistado com obstinação e luta?

Ao final do meu encontro, muitas pessoas vieram falar comigo. Muitos pais e gente da escola. Não houve um que discordasse de tudo que havia falado. Fiquei até mais tempo que o combinado. À saída, notei ainda muitos pais conversando com gestores e professores. De longe, tentei inferir sobre o que discutiam. Mas, após elucubrações de todos os tipos, preferi pensar que estavam todos, ali, fazendo história. A seu tempo, e a seu modo, fortaleciam as diferentes escolas que percebiam, do prédio aos princípios, indestrutíveis. E agradeci ao porteiro, que, gentilmente, fez de tudo para que eu não tivesse nenhuma dificuldade em encontrar o portão principal.

 
Prof. João Luiz Muzinatti é Mestre em História da Ciência. Engenheiro, é também professor de Matemática, Filosofia e Ciências em nível de graduação, pós-graduação, e Ensino Fundamental e Médio.
Atua ainda como diretor do ABC Dislexia (com atendimento a alunos, consultoria, cursos e palestras em Educação), além de consultor do MEC (Ministério da Educação) em Filosofia para a TV Escola – programas “Acervo” e “Sala de Professor”. Foi diretor do Colégio Santa Maria, em São Paulo; coordenador pedagógico do Colégio Franciscano Pio XII (também em SP); e diretor do Espaço Ágora – Terapêutico e Educacional.
Trabalhou como engenheiro daFlender Latin American – consultor no Chile, e escreveu e lançou o livro de poesias “Inventário de mim” (Ed. Scortecci) .
Mais informaçõesjoao@abcdislexia.com.br ; www.abcdislexia.com.br 

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