Entendendo que o ser humano está situado historicamente e que a existência é fruto deste tempo particular, para entender o sujeito, se faz necessário conhecer esta história, esta realidade. Assim, pensar a temática da educação – do educando, dos educadores – no atual contexto histórico, exige de nós um entendimento deste chão, marcado por mudanças profundas no campo econômico, político, social, ideológico, religioso; mudanças que são “produtoras” de novos processos de subjetivação, como também de sofrimento psíquico. Mudanças, rupturas e crises sempre aconteceram, aliás, a crise é o motor da história. Assim, cada sujeito é filho de seu tempo.
Embora experienciemos um alargamento das fronteiras, ou melhor, um rompimento das muralhas que dividiam povos, nações, estados, criando uma unidade universal ou uma aldeia global; por outro lado, verificamos que tal unidade é paradoxal: ela nos arroja em um redemoinho de perpétua desintegração e renovação, de luta e contradição, da ambiguidade e da angústia. Ser moderno é ser parte de um universo em que, como disse Karl Marx, “tudo o que é sólido desmancha no ar.”
Como sabemos, nosso tempo se caracteriza pela fragmentação dos sentidos, pela multiplicidade de direções indicando caminhos e pluralidade de conhecimento. Se antes tínhamos tantas certezas, hoje é exatamente o que não temos. Em função do processo de quebra ou rompimento da tradição ou das estruturas tidas como fortalezas como família, Estado e outros, precisamos nos guiar neste momento de travessia, pois estamos exatamente no “olho do furacão”. Ou seja, estamos testemunhando o nascimento de uma nova época. Por ser novo, é muito comum a crise, a dúvida, o fechamento, os comportamentos fundamentalistas, o laxismo, o relativismo… Neste sentido, não podemos esquecer que temos uma história, uma cultura.
O que construímos são lentes que nos auxiliam na leitura do momento presente a fim de evitarmos discursos nostálgicos ou catastróficos. Não podemos esquecer que nossas raízes estão embasadas em uma ética e em valores como justiça, solidariedade, respeito e acolhida – que são princípios que perpassam qualquer sociedade ou cultura.
O fenômeno da globalização colocou-nos diante de diversas culturas, costumes, religiões… Educar, neste contexto, implica em pensar o mundo como um espaço plural. Pluralidades de religiões, de raças, de expressões da sexualidade… O mundo é plural. Este é o chão em que pisamos. O desafio da educação consiste em educar as crianças, adolescentes, jovens (e, às vezes, os pais também) para a diversidade, o diferente, o plural. E a saída que temos passa pela Ética. Reconhecer o outro como semelhante e acolhê-lo na sua singularidade. Esta dimensão de acolhimento e reconhecimento aponta para aquele que é diferente, estrangeiro. Diferença esta vivida, na maioria das vezes, de forma conflitiva, no anseio de eliminar, reduzir o outro ao mesmo. Não é o que vimos na Escola Raul Brasil, em Suzano, SP? Não foi o que assistimos atônicos em Al Noor, em Christchurch, Nova Zelândia? O outro precisa ser igual a mim, caso contrário, que seja eliminado.
Os sentimentos de angústia e desamparo, cada dia mais gritante, é uma experiência que atinge a todos, crianças e adultos, e não se encontram recursos que possam amparar e proteger. O sentimento de confiança, o mais elementar, encontra-se sem chão, e as necessidades básicas do indivíduo não podem mais ser satisfeitas. A desconfiança, o medo, passam a imperar nas relações de objeto, e paulatinamente se reveste de uma agressividade resultante de aspectos destrutivos inconscientes e da falta de esperança.
Poderíamos perguntar se este mal-estar, caracterizado pela incontinência da agressividade e erotização excessiva das relações humanas resultante de uma organização social, política, econômica, que tem promovido um empobrecimento brutal e visível da capacidade de simbolização, seria um cumprimento da profecia freudiana, tão bem descrito em O Mal-Estar da Civilização? Embora saibamos que Freud nunca idealizou a cultura, aliás, sinalizou-nos que a civilização está alicerçada sobre força da coerção pulsional e sobre uma ilusão que leva os homens em mascarar os sacrifícios impostos pela civilização. Assim, somos perguntados acerca da razão de nossas ações. E o apelo volta-se para o desejo: O que queremos? O que desejamos? O que faremos?