“Hoje eu consigo ver que havia sinais (de que o filho tinha problemas). Ele havia sido preso, tinha problemas na escola. Mas eu não percebi que essas coisas eram sinais de um problema mental. Por isso eu escrevi esse livro, para mostrar que quando as crianças demonstram irritação, talvez não seja o caso de dar broncas. Talvez seja um sinal de que elas estão doentes.” Sue Klebold
Atualmente estou lendo um livro que sugiro a leitura: O Acerto de Contas de Uma Mãe [1], de Sue Klebold, mãe de Dylan Klebold, um dos assassinos da Escola de Columbine [2]. No dia 20 de abril de 1999, Sue Klebold recebeu a pior notícia de sua vida: a Escola de Ensino Médio de Columbine estava sofrendo um ataque. Dois adolescentes armados abriram fogo contra os outros alunos e funcionários do lugar, matando 13 pessoas e ferindo outras 24. O filho de Sue, Dylan, estava na escola nesse momento. Ele era um dos atiradores.
O livro é imperdível e nos ajuda a interrogar sobre o filho ideal e o aluno ideal que criamos em nosso imaginário e do qual não queremos nos separar. Ao longo do livro, Sue se pergunta: Como o jovem promissor que ela criou com tanta dedicação, pôde ser responsável por tamanho horror? E como, convivendo com ele diariamente, ela não percebeu que havia algo errado? Houve sinais sutis que ela não captou? O que ela poderia ter feito diferente? Essas respostas ela não encontrou, mas de forma brilhante e corajosa, essa mãe começa a analisar cada detalhe da vida de sua família, refazendo todos os momentos vividos.
Em um dos seus retrospectos, ela se se depara com a seguinte questão:
“Um erro ou um obstáculo que a maioria tiraria de letra pode arrasar um garoto ou garota com padrões irreais ou inatingíveis. Acredito que o perfeccionismo inato de Dylan e nossa incapacidade de ajudá-lo a administrar suas expectativas irreais para si mesmo contribuíram para alimentar o sentimento de alienação no fim de sua vida”.
Recomendo a leitura do livro, que nos provoca a descer nos porões das nossas famílias, bem como nos sinais que passam desapercebidos em nossas escolas. Quantas vezes, nós, professores, estamos ocupados com o conteúdo a ser ministrado, com as avaliações a serem corrigidas, com o planejamento atrasado… e acabamos nos esquecendo do essencial, o Sujeito que é o nosso maior currículo. Porque nós, educadores, prestamos mais atenção aos alunos “barulhentos” e “inquietos”? Porque os quietinhos não nos incomodam e quase sempre passam desapercebidos? Com certeza, não teremos essas respostas, mas sugiro que elas nos levem a refletir sobre nossos adolescentes e sua trajetória nem sempre fácil diante de um mundo que roda rapidamente.
Certa vez, o saudoso Rubem Alves escreveu que umas das primeiras lições que ele aprendeu com a psicanálise foi: “Se você quiser descobri segredos, preste atenção nas coisas pequenas, aquelas coisas que ninguém nota. É nelas que se revelam os segredos”.
Concordo plenamente com ele, os segredos estão onde o “silêncio” se guarda, estão nos detalhes, nas palavras “não pronunciadas”, estão naqueles alunos que não se fazem notar. Os segredos estão em todos os cantos. Ali, onde a palavra não entra em movimento, onde não há tempo para se olhar e nem escutar. Os segredos podem ser guardados ou compartilhados, depende de cada um e depende do segredo. O segredo sempre me lembra o silêncio, ainda não sei bem o motivo, talvez porque eu tenha sido uma aluna “barulhenta”, e por isso sempre encontrei uma forma de me fazer ser vista, olhada e escutada, foi no barulho que encontrei uma forma de sair da invisibilidade.
Apesar de todo meu barulho, aprendi a escutar os silenciosos, o meu barulho. E quando me tornei professora, foram eles, os “silenciosos”, os “tímidos”, os “bonzinhos” que me chamavam a atenção. Através do meu silêncio interior entendi que o sofrimento psíquico se dá de várias maneiras.
Foi junto ao silêncio que terminei em lágrimas o emocionante e tocante livro de Sue Klebold e entendi mais uma vez que o real é inominável, que o real é algo que nos escapa de qualquer nomeação. Foi junto ao silêncio que essa mãe encontrou uma forma de falar de sua dor, uma forma de tentar entender o que jamais terá entendimento.
Leiam e reflitam! Fica a dica.
[1] A Vida Após a Tragédia de Columbine Autora: Sue Klebold. Editora: Verus. Título Original: A Mother’s Reckoning.
[2] Escola de Ensino Médio de Columbine, na cidadezinha de Littleton, Estados Unidos. “Em questão de minutos, mataram doze estudantes e um professor e feriram outras vinte e quatro pessoas, antes de tirar a própria vida”.