Matéria publicada na edição 113 | Novembro 2015- ver na edição online
– Senhor diretor, bom dia! Acabei de passar pelo Departamento do Pessoal, regularizei a documentação e agora estou realmente contratado para ministrar aulas nesta escola. Vim agradecer…
– Desculpe-me interrompe-lo, caro mestre. Mas, não me agradeça. Agradeça a voce mesmo, pois sua contratação deveu-se a boa entrevista que tivemos e sua aprovação pelo nosso Coordenador que examinou seu currículo e sua experiência. Agora, basta somente, conhecer os princípios que norteiam a nossa escola, adaptar-se a eles e integrar nossa equipe, por sinal, uma formidável equipe.
– Obrigado, senhor diretor… O senhor poderia reafirmar esses princípios? Gostaria de conhece-los em profundidade e assim somar a experiência que minha passagem por outras escolas consolidou. Então…
– Que bom! Nesse sentido vou comentar alguns itens e sei que choverei no molhado. O mestre com sua prática e sua experiência deve conhece-los bem. Assim… Começo pelo vocabulário do professor. Quem fala a alunos necessita de algo além de uma linguagem correta e precisa, mas sobretudo de um mágico poder de usar o vocabulário compreensível a cada idade. Um aluno de oitavo anos, naturalmente, conhece palavras, expressões, termos específicos que uma criança de quinto ano não conhece e, portanto, o bom professor é antes de um excelente transmissor de conteúdo, um arguto pesquisador do universo vocabular médio de cada uma das turmas às quais fala, fazendo-se assim ilimitadamente compreendido. Um tradutor…
– Tradutor? Como assim?
– Estou usando essa palavra em sentido figurado. Não um tradutor em línguas, mas na mágica capacidade de “traduzir” os conteúdos dos textos conquistados pelo aluno nos livros e na internet para a “sua” linguagem pessoal, o seu falar de cada dia que aos poucos se aprimora e evolui. Enfim, se saber falar é essencial, em igual escala de coloca o saber escutar, a paciente e persistente vontade de ouvir seus alunos em aula e fora dela, sentir suas dificuldades e anseios e colocar-se no caminho dessa procura que todo olhar de aluno sempre busca. Estou sendo claro?
– Perfeitamente senhor Diretor. Prometo que cuidarei muito desse detalhe e que saberei ouvir que é bem mais que escutar e falar que é um passo à frente de apenas dizer. O que mais?
– Ajudar seus alunos a fazer do que aprendem uma ferramenta para sua leitura do mundo, para associar o que em sua disciplina descobrem com o que percebem nas notícias, observam na família, identificam em seus colegas. Nada mais que contextualizar o que aprendem para progressivamente se transformarem e olhar os conteúdos não como saberes que se deve guardar, mas ferramentas que se apresenta em cada dia, em todos os lugares.
– Interessante?
– Mais ainda caro colega, transformar-se progressivamente em um cuidadoso avaliador da aprendizagem e indo muito além de aplicar boas provas e corrigi-las, mas perceber mais a construção do raciocínio que a frieza singela de apenas uma resposta. Enfim, avaliar o desempenho do aluno também nas aulas, no relacionamento com os colegas, no seu empenho e sua dedicação. Mostrar-se otimista na busca de sua progressiva compreensão e privilegiar seu progresso e não apenas seus resultados. Um bom avaliador de aprendizagens é sempre o promotor de desafios, o libertador de amarras e limites culturais…
– Devo confessar, senhor Diretor, que não havia nisso antes pensado, mas que procurarei crescer como avaliador. O que mais…
– O mais importante caro mestre não é apenas saber o conteúdo que ministra, mas saber ensina-lo. Nem sempre um magnífico matemático ou um grande cientista é um bom professor, porque deste se espera o domínio na arte de ensinar e assim transformar e libertar. Fazer-se amigo de seus alunos, mas permanente árbitro em vê-lo crescer compreendendo regras, identificando limites, agindo de maneira solidária, resiliente, corajosa. Isso e ainda mais um pouco…
– Um pouco? O que mais o mestre sugere?
– Nada complicado, caro amigo. Todo professor é um ser programado para desenvolver virtudes que o desafia a cada dia e orienta seus alunos para o bem e para a evolução. Nesse sentido, o verdadeiro papel de quem ensina é em cada aula estimular a esperança, vontade, propósito, amor, fidelidade, o cuidado e a sabedoria…
– Mas… O senhor deve convir que isto não é fácil. Afinal, somos apenas humanos. Estou errado?
– Não. Não está. O verdadeiro professor ou professora é um ser humano, mas não um profissional comum. Se possui pés firmes no caminho, possui vontades que busca a cada momento transforma-las em ação. Quem assim pretende pensar, descobrirá que a vontade, tal como a força física, cresce com o uso e, assim, se fica mais forte quando mais força se busca fazer.
– Senhor Diretor… Não esperava tão grande missão, mas vou tentar…
– Isso, professor, me basta. Quem pensa sua missão como desafio, quem olha seus alunos e seus colegas com renovada esperança, com férrea vontade, fidelidade, cuidado e amor abriga em seu coração a síntese desses propósitos e o que, nesta escola, denominamos como síntese de sabedoria. Nem todos os seus colegas a alcançaram, mas sei que a buscam e isto me satisfaz…
– Puxa… Acho que são grandes professores…
– Não creio que assim se veem. Gostam de ser olhados somente como professores… Apenas isso.