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Vale a pena apostar na educação ambiental

Matéria publicada na edição 06 | julho 2005 – ver na edição online

Projetos interdisciplinares, instigantes e criativos, que estimulem o aluno a pensar e a entender a relação entre todos os elementos da natureza devem ser o foco das escolas ao tratar da educação ambiental.

Por Luiza Oliva
Apostar na educação ambiental é uma tendência irreversível. Porém, o grande desafio está em propor para as escolas projetos abrangentes, que não tratem a questão da preservação da natureza apenas em momentos esporádicos, como datas comemorativas – por exemplo, o dia da árvore ou do meio ambiente. São projetos que devem ir de encontro, inclusive, às práticas realizadas pela própria escola. Como dizer para as crianças que a água é um bem finito e que todos são responsáveis pelo seu uso se os faxineiros da escola gastam água indiscriminadamente lavando o pátio da escola?
A água, aliás, se transformou num símbolo importante quando falamos de ecologia, natureza, enfim, preservação da espécie. Mas, para a educadora Neide Noffs, o ideal é que um projeto na escola abranja a educação ambiental como um todo. “Um projeto de educação ambiental além de conhecimento deve envolver valores. É preciso cruzar conceitos e atitudes, e não ficar só no conhecimento. É um projeto que implica em mudança de atitudes”, define.
A própria forma do projeto deve desencadear uma situação-problema, estimular a curiosidade e a pesquisa dos alunos, envolvendo a escola toda e apenas tratando conteúdo e conceitos por classe, completa a educadora. “O título do projeto deve ser instigante, estimular o aluno a pensar numa saída. Se o projeto da escola se chama Economia de Água, ele já é uma resposta, o que dá muito menos resultado do que um projeto-pergunta. Fazer terrorismo, dizendo que se não economizarmos água, ela vai faltar, não é recomendável. O problema está mais além. A economia de água tem a ver com a preservação da espécie”, atesta.
Dar motivos para que a criança cumpra determinados procedimentos, mostrando o equilíbrio necessário para a natureza. Esse deve ser o foco principal quando o assunto é educação ambiental nas escolas, na opinião do engenheiro civil e sanitarista Carlos Eduardo Porto Palma de Sousa, pós-graduado em saúde pública, engenharia sanitária e engenharia ambiental pela USP. Na opinião do especialista, de nada adianta tratar da água se não se falar também do ar e dos alimentos. “São os três grandes pilares que sustentam nossa condição de seres vivos”, diz.
Sousa, que também é diretor técnico da Universidade da Água (ONG que tem a missão de promover a proteção, preservação e recuperação da água no planeta), acredita que a escola precisa abordar a educação ambiental de uma maneira mais completa, e não só estimulando a economia de água. “É claro que é importante ensinar a não poluir e a economizar água. Mas, o principal deve ser mostrar a noção do todo para a criança, ensinando a necessária participação de cada parte da natureza para que a água exista. Grandes estruturas vegetais, por exemplo, também fazem parte do ciclo da água. Cortar uma árvore atrapalha o ciclo da água, pois ela não tem mais por onde penetrar no solo. Nas cidades impermeabilizadas, a água lava o solo, gerando erosão. Com essa visão de todo é possível criar nos alunos uma postura questionadora a respeito da preservação ambiental”, sustenta.
Não restam dúvidas que a educação ambiental é um assunto rico, que precisa ser tratado dentro da escola a partir de uma visão interdisciplinar. Mas, para a educadora Maria Otília José Montessanti Mathias, professora de Biologia da Educação no curso de Pedagogia da PUC-SP, difícil é colocar em prática esse ideal. ”É muito difícil a incorporação de temas polêmicos nas escolas, que mexam com mudança de cultura, de atitudes, de valores. Não se trata apenas de instruir a criança, mas de resgatar nela valores humanistas. Uma pessoa que não respeita o meio ambiente não respeita a si mesma”, avalia. Para Otília, que trabalha justamente com a formação de professores, é preciso fundamentação teórica e metodológica para cuidar do assunto. “Tentamos fazer com que os professores modifiquem suas ações. Mas é muito difícil lidar com a riqueza de transversalidade da educação ambiental. As escolas acabam fazendo apenas comemorações pontuais”, lamenta.
Otília frisa, porém, que há uma falta de conhecimento, por parte das escolas, da legislação da área de educação, que obriga o ensino da educação ambiental. “Nos anos 80, ecologia era uma disciplina dentro de Ciências. Nos anos 90, devido a todas as conferências nacionais e internacionais sobre o tema, a educação ambiental teve um avanço incrível. Os Parâmetros Curriculares Nacionais inclusive contemplam os temas transversais, como saúde, orientação sexual e drogas. Porém, há que se formar o professor nessas áreas, inclusive na educação ambiental, que não são contempladas pelos cursos de graduação”, acredita.
Na prática com seus alunos do curso de pedagogia da PUC-SP, a professora percebe que áreas como meio ambiente, saúde, drogas e orientação sexual raramente são discutidas no Ensino Médio. “Os alunos são ativos, curiosos. Basta que a escola dê o pontapé inicial, tome a iniciativa e instigue a troca de conhecimentos entre as disciplinas”, atesta.
Há inúmeros exemplos de projetos que podem ser abordados interdisciplinarmente. Otília cita, por exemplo, o estudo de doenças recorrentes, como tuberculose, pneumonia, diarréias, que existem por falta de hábitos de higiene, ausência de saneamento básico ou contaminação da água. Ou, antes mesmo de discutir o problema da água, tratar do lixo e da importância dos três Rs: reduzir, reutilizar, reciclar. “O melhor lixo é aquele que ainda não foi produzido”, comenta.
Alcançar a interdisciplinaridade é o principal desafio para o desenvolvimento da educação ambiental. “Certamente uma única disciplina não dará conta da complexidade da questão ambiental ou sócio-ambiental, como preferem alguns autores”, salienta Marcos Sorrentino, um dos colaboradores do livro Educação Ambiental – Pesquisa e Desafios (Artmed Editora), organizado por Michèle Sato, bióloga, mestre em Filosofia e doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Carlos, e por Isabel Cristina Moura Carvalho, psicóloga, doutora em Educação e professora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). O livro conta com a colaboração de diversos autores do Brasil, México, Canadá, Espanha e França e procura estimular o progresso da área, diz Michèle. “A ultrapassagem das fronteiras, revelada neste livro, é de grande importância a todos aqueles que aceitam a educação ambiental como contribuição ímpar a sustentabilidade planetária”, salienta.

Idéias que deram certo

Além das atividades em sala de aula, há escolas que colocam em prática iniciativas voltadas para a economia de água no próprio prédio da instituição. A Escola Adventista de Embu das Artes, inaugurada no início deste ano, foi projetada para reaproveitar a água da chuva na irrigação e nas caixas de descarga dos banheiros e também para ter sua própria estação de tratamento de esgoto. Segundo a diretora Marizane Antunes Pires, todo o projeto é ecológico. A escola tem animais de fazenda, como cavalos, pôneis, vacas e ovelhas, uma grande área verde e horta. Até sala de aula embaixo das árvores os alunos terão: em setembro as próprias crianças construirão bancadas utilizando material PET, reciclável.
O engenheiro Adolfo dos Reis Filho, responsável pela obra, conta que o conceito de reutilização da água também foi utilizado em outra escola. No Colégio Adventista da Liberdade, a água vinda do lençol freático foi drenada e conduzida para uma cisterna subterrânea, e então bombeada para cima para ser utilizada principalmente em irrigação e limpeza. “É preciso fazer uma tubulação separada para essa água, evitando que ela entre em contato com a água potável de consumo”, afirma o engenheiro.
Outra escola que utiliza água da chuva para limpeza e descarga dos vasos sanitários é a Escola Viva. Na verdade, a escola foi além. No início de 2001, inaugurou um prédio, para receber alunos de 5ª a 8ª séries, totalmente ecológico. “A escola sempre teve preocupação com a educação ambiental. Quando construímos nosso prédio tínhamos que ir de encontro ao que praticamos em sala de aula. Pensamos num espaço que comportasse o aspecto estético e a preocupação ambiental”, explica Silvia Viegas, coordenadora geral do Ensino Fundamental II.
A preservação da área verde do terreno foi aliada ao uso de materiais certificados. A estrutura é de eucalipto reflorestado nos pilares e pinus reflorestado e tratado nas vigas. Todas as tubulações são em cobre e ferro fundido, ao invés de PVC; os fios e cabos elétricos são de uma linha ecológica; as telhas são feitas a partir de embalagens tetrapak recicladas (assim como os móveis da cantina); o piso interno é de marmoleum, material de fibras naturais certificadas, e o pátio é revestido com bloquetes de cerâmica articulados, tornando o piso permeável e garantindo a retenção da água das chuvas. Também no acabamento inúmeros outros detalhes mostram a linha ecológica da escola: ao invés de cortiça (que é produzida a partir da casca de árvores), os quadros de avisos utilizam um material denominado selotex; as carteiras são produzidas com material proveniente de reflorestamento e até os cestos de lixo são de arame, ao invés de plástico.
Segundo Silvia, desde a Educação Infantil é feito um trabalho forte em educação ambiental. A Escola Viva conta com uma consultoria no assunto, para orientar os trabalhos da Educação Infantil à 8ª série. “Temos eixos temáticos que direcionam o trabalho das disciplinas. Na 5ª série o eixo são as origens. A questão da água está diretamente relacionada à origem do planeta . Eles estudam também a organização das civilizações em torno dos rios. Já a 7ª série, por exemplo, trabalha com desenvolvimento e preservação, entendendo que preservar não é só manter intocado o ambiente, mas interagir com ele”, exemplifica.
Ligar a educação ambiental à questão da cidadania. Essa foi a proposta do Colégio Morumbi Sul. Para acabar com as pichações de um muro numa praça próxima à escola, foi proposto aos alunos da Educação Infantil à quarta série que as próprias crianças pintassem o muro. A pintura terá como tema justamente “Água é vida”. Além de aprender a importância da preservação do meio ambiente, será trabalhada a necessidade de cuidar também dos seus espaços de convivência. A pintura acontecerá em agosto, a convite da Subprefeitura de Campo Limpo, bairro próximo à escola. “O tema da água é interdisciplinar e as professoras trabalham esse assunto o tempo todo com as crianças”, conta Dora Cecília Malta, professora de Ética da escola, para 1ª a 8ª séries. Algumas classes trabalharam com as contas de água de suas casas, observando e calculando a economia conquistada. Ciências, Ética e Cidadania, Artes e Matemática são algumas das disciplinas que abordam no colégio o tema nas diversas faixas etárias.
Na escola bilíngüe Stance Dual School o trabalho de educação ambiental é amplo. Desde 2000, o colégio faz parte da Agenda 21, um trabalho que surgiu a partir da Eco 92 (Confederação Mundial do Meio Ambiente), com projetos de preservação do meio ambiente. Além de iniciativas já conhecidas, como a instalação de torneiras com temporizadores nos banheiros, a escola tem encontrado soluções criativas. Numa composteira são depositados restos de frutas, verduras e legumes (do próprio almoço dos alunos). O material é coberto com terra e se transforma em adubo para a horta do colégio. O adubo também é doado para a Creche Aconchego, localizada próxima à escola.
Em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, mensalmente um professor do colégio coleta água do Rio Pinheiros. No laboratório da escola, os alunos monitoram a qualidade da água. Participam da atividade os alunos eleitos pelas turmas como representantes da Agenda 21. “Cada classe tem um representante e um suplente, que têm a função de passar informações aos colegas e pedir a parceria de todos nas atividades”, informa Débora Moreira Colonezi, coordenadora do projeto na Stance Dual.
As crianças participam ainda de uma oficina permanente de reciclagem, onde produzem brinquedos, doados para creches e hospitais. Para estimular a economia de papel, as toalhas de papel dos banheiros das crianças de 1ª a 4ª séries foram substituídas por modelos de pano. A escola escolheu um fornecedor que lava as toalhas com água reciclada. Uma das metas para este ano é envolver a comunidade do entorno da escola nas realizações. Com verba obtida num bazar de livros usados (doados e comprados pelos alunos), a escola comprou quatro big bags (sacos especiais para lixo reciclado, com capacidade para 1000 litros), que será instalado numa praça próxima ao colégio. Débora conta que fechou parceria com a ONG Projeto Vira Lata, que recolherá o lixo depositado nessas big bags. “As escolas precisam conhecer as inúmeras possibilidades de aplicação de um projeto como esse”, diz Débora, completando que é importante a troca de idéias entre escolas, para verificar com quem já fez que é possível e viável acreditar na educação ambiental.

Para mais informações

Carlos Eduardo Porto Palma de Sousa
cepalma@uol.com.br

Colégio Morumbi Sul
www.morumbisul.com.br
humberto@morumbisul.com.br

Escola Adventista de Embu das Artes
www.eae.g12.br

Escola Viva
comunicação@escolaviva.com.br
www.escolaviva.com.br

Maria Otília José Montessanti Mathias
momathias@pucsp.br

Neide de Aquino Noffs
nnoffs@terra.com.br

Stance Dual School
www.stance.com.br
deboram@stance.com.br

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