Matéria publicada na edição 98| Maio 2014 – ver na edição online
O que fazer quando tarefas como aprender a ler e escrever, ou simplesmente se manter parado em sala de aula, tornam-se um sofrimento para o aluno? Como o professor deve agir quando o estudante apresenta um bloqueio gigantesco para acompanhar o ritmo das turmas no decorrer de sua vida?
No Brasil e em outros países em desenvolvimento, estima-se que cerca de 40% dos alunos nas séries iniciais tenham dificuldades para aprender. Destes, 4% a 6% apresentam transtornos ou distúrbios de aprendizagem.
Diferente de um simples atraso em determinadas disciplinas, essa criança carrega problemas em áreas específicas do cérebro. O que não significa que não possa aprender. Ao contrário, seu potencial é um campo ainda inexplorado, pronto a ser estimulado. Sintomas como a impulsividade, a dificuldade de concentração e a hiperatividade podem ser contornados com metodologias diferenciadas e profissionais capacitados.
Na Câmara Federal, sou relatora do projeto de Lei 7.081/2010, que visa oferecer uma política pública para diagnóstico e atendimento educacional para alunos com dislexia e TDAH. Em meu relatório, pronto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, ampliei o público e acrescentei o acompanhamento integral para educandos com qualquer outro transtorno de aprendizagem, além de também esclarecer que o atendimento educacional não pode ser confundido com o atendimento médico. A ideia é que o PL tenha o duplo olhar da educação e da saúde, sem cair no erro de misturar as atribuições e competências de cada área.
Se há um lugar onde a diversidade se mostra em todas as suas formas, esse lugar é a sala de aula. Além das diferenças humanas inerentes a qualquer grupo, é muito comum que em uma mesma turma, o professor lide com alunos dotados de diferentes potenciais e dificuldades, além de necessidades de acessos distintas
E por falar neste assunto, o cenário de acessibilidade nas escolas não é dos melhores. Temos cerca de 195.000 instituições de ensino básico no país, mas apenas 12% delas têm acessibilidade física. Deste percentual, mais da metade está na região Sudeste, sobretudo no estado de São Paulo. O número reflete a precariedade de nossas escolas, que em sua maioria não oferecem salas de recursos para ensinar braile e Libras, tampouco material pedagógico e profissionais especializados para alunos com paralisia cerebral ou autismo, que em alguns casos mais severos precisam de um auxiliar de vida escolar para desempenharem suas atividades no ambiente estudantil.
Recentemente, o Plano Nacional de Educação (PNE) estabeleceu metas a serem cumpridas até 2020. Salvos alguns destaques, a comissão aprovou o relatório do deputado Angelo Vanhoni, que fez um belo trabalho, colocando no texto do PNE a capacitação de professores e a mudança na grade curricular das universidades.
Quando subtraímos de uma criança o direito de ir à escola, estamos anulando seu futuro. Dificultamos sua chance de aprender, de conviver com outras pessoas e realidades diferentes. E vale lembrar que aceitar apenas a matrícula de um aluno com deficiência não lhe garante bom aproveitamento, tampouco chances de desenvolvimento. É preciso oferecê-lo o ferramental necessário para que possa explorar seu potencial, além de criar um espaço acessível para que a escola seja de fato um ambiente saudável, amigável, acolhedor.
Ensinar pressupõe, acima de tudo, aprender. E segundo palavras de Boaventura Spuza Ramos, “temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza; e temos o direito de sermos diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza”.
Mara Gabrilli é publicitária, psicóloga, foi secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo, vereadora na Câmara Municipal de São Paulo e atualmente é Deputada Federal pelo PSDB. Empreendedora social, fundou em 1997 o Instituto Mara Gabrilli, ONG que apoia atletas com deficiência, promove o Desenho Universal e fomenta pesquisas científicas e projetos sociais.