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A Educação diz a que veio? (Parte 3 / Como fazer do celular um aliado?)

Retomando ao tema central – “A educação diz a que veio?” -, iniciarei com algumas provocações. Nesse momento, parem e pensem: Você acaba de lembrar que esqueceu seu celular em casa, como se sente? Outra questão: nesse momento seu celular descarregou e você só terá acesso a um carregador depois de horas, qual seu sentimento?

Agora, imaginem quando nós, professores, pedimos aos nossos alunos que nasceram (quase que com um celular na mão) que desliguem seus celulares durante nossas aulas? O que queremos garantir com isso? Cabe essa pergunta, já mencionada no artigo anterior, sobre a proibição do boné.

Não estou dizendo que os celulares devem ficar tocando em aula, ou mesmo permanecer ligados. O que pretendo nesse momento é provocar outras formas de explorar o mesmo “problema” do cotidiano escolar no meio educacional e, quem sabe, respingar novas ideias sobre a prática educacional vigente.

Certa vez ouvi de um colega, ao entrar em sua sala de aula, dizer aos seus alunos: “peguem seus celulares e filmem nossa aula, hoje darei minha melhor aula”. Ao escutar aquilo, logo pensei: aposto que hoje ele deu sua melhor aula!

O celular é parte hoje de cada um de nós, sejamos alunos, professores ou qualquer pessoa. A grande questão a ser pensada é como fazer dele um aliado e não um inimigo.

Queiramos ou não, em nosso imaginário ainda esperamos receber em nossas salas de aula o aluno ideal e desconectado do mundo, um aluno quieto, obediente, que apresenta boas notas e passa de ano, ou seja, apesar de mudar nossos discursos, aparentemente, continuamos a manter o que a sociedade e a instituição escolar normalizaram como conceitos de um bom aluno.

Dessa forma, acredito que a educação não mostra a que veio e sim como ela poderá esvaziar-se de um verdadeiro sentido ou reproduzir velhos modelos de educação.

Aprendemos em qualquer lugar, queiramos ou não, essa já é uma realidade, estamos cercados de tecnologias móveis e poderosas, instantâneas, integradas, acessíveis a qualquer um de nós, independente do poder aquisitivo.

Como pensar a educação atual diante de tal contexto? Uma coisa é certa, não há receitas, e sim algumas pistas. Irei trazer algumas, que venho decifrando.

Comecemos por mediar nossos alunos entre o mundo virtual e o mundo real, de que forma? Trazendo para sala de aula, através dos celulares, iPads, iPhone, “iTudo”, informações, vídeos, propagandas, notícias, algumas equivocadas outras não, para conduzir debates, discussões e, principalmente, reflexão.

Provocar mais perguntas do que respostas, inverter a ordem, oferecer respostas prontas e deixar com que eles desconstruam. Para isso, será necessário demonstrar que, nós adultos, assim como eles, não sabemos tudo, estamos inacabados e dispostos a debater.

A tecnologia deve ser um dos instrumentos visíveis nesse processo e não um instrumento invisível, este que se faz presente embaixo das carteiras ou dentro das mochilas. Provocando debates, material que a mídia e tecnologia nos oferece, podemos despertar a importância de conviver para além de um discurso vazio, mostrar no real a importância desse convívio com o outro (mesmo em nossas diferenças), colocando-se aí, de fato, uma possibilidade de discordar do outro sem ter que deletá-lo. Nesse momento, precisamos ajudar a preparar crianças e jovens a desenvolver e manter laços afetivos com seus semelhantes.

Outro desafio é aprender a lidar com um mundo que conecta pessoas através de celulares, quase 24 horas por dia, mantendo seus usuários interligados em suas redes sociais como Facebook, Twitter, e-mails, dentre outros, mundo esse que quebra quase todas fronteiras de tempo-espaço.

Enquanto a nova geração rompe fronteiras reais, nós educadores continuamos discutindo se devemos ou não permitir o uso do celular. Não seria o momento de perguntarmos o COMO fazer uso desses aparelhos?

Talvez a educação dirá a que veio, quando ela conseguir ajudar crianças e jovens a fazer suas escolhas, sabendo que eles podem ir e vir, desde que se responsabilizem pelas mesmas. Aí tem uma pista!

A educação deve provocar momentos em que professores e alunos possam discutir projetos de vida, frustrações, caminhos diversos, enfim, abrir espaço neste tempo-espaço que tem passado rapidamente sem pedir licença, um tempo que não é nosso e parece incompatível com o tempo escolar.

Educar possibilita diversas alternativas, do celular à televisão, do livro ao fogão de lenha, do lápis e papel ao computador, do presencial ao virtual, desde que haja desejo em responder a que viemos!

Dizer a que veio ultrapassa problemas e dificuldades, enxerga desafios como transição, uma passagem do não saber ao saber, ultrapassa o celular, o boné, os uniformes, as notas e os conceitos de aluno bom/ruim.

De alguma forma, educar é sair do anonimato em que muitos de nós entramos, talvez sem perceber, e ali permanecemos, talvez esperando que outros de fora nos digam como pensar-fazer educação. Queiramos ou não, a educação protagoniza um drama social.

Por Jane Patricia Haddad *

*Jane Patricia Haddad é pedagoga, com especialização em Psicopedagogia, Docência do Ensino Superior e Psicanálise. Atuou por mais de 20 anos em escolas como professora, coordenadora pedagógica e diretora, é consultora institucional e conferencista. Autora dos livros: “Educação e Psicanálise: Vazio existencial” e “O Que Quer a Escola: Novos Olhares resultam em Outras Práticas”, ambos publicados pela editora Wak, do Rio de Janeiro. Atualmente cursa o Mestrado em Educação na Universidade Tuiuti no Paraná , onde seu tema de pesquisa é a Indisciplina Escolar.

Mais informações: janepati@terra.com.br

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