“Se o mundo em que vivemos caracteriza-se por um processo de mudança acelerada, às organizações só é deixada uma alternativa: mudar, e mudar rápido.” (CARAVANTES, 2002)
Passamos por profundas transformações, momento de transição de valores, crenças e sentido da vida. Estamos num mundo “em aberto”, que nos convoca a um novo modo de pensar, onde diversas instâncias devem se cruzar e pensar juntas. Já não é mais possível pensarmos em uma educação padronizada, em que alunos continuam sendo classificados como bons e ruins. A educação atravessou as fronteiras das certezas. Jamais em outro momento, registraram-se tantas mudanças no comportamento humano e em seus desdobramentos. Educar é navegar por águas jamais percorridas. Não há respostas e sim um convite para continuarmos explorando esse campo tão vasto que é educar. Quem são nossas crianças e jovens?
Tenho vivenciando situações inusitadas tanto na Educação como na Clínica, onde atuo como psicopedagoga e psicanalista. Nas escolas, professores relatam não saber mais como se relacionar com seus alunos, “indiferentes” que estão à escola. Nas famílias, pais reclamam dar “tudo” a seus filhos e, mesmo assim, notam que eles estão insatisfeitos e não veem sentido em ir e estar na escola.
Já na Clínica, escuto jovens que se queixam de não “conseguir ser o que seus pais esperam” e completam que a vida é um “tédio”. Sem desconsiderar certo “drama” nessas situações, confesso estar muito inquieta e preocupada frente a grande parte dessa geração, que não pensa em formas criativas de resolver seus impasses, que não tem um projeto que ultrapasse uma semana ou, no máximo, um mês.
Acredito que tenha chegado o momento de questionar a estrutura sob a qual a escola atual está sustentada, bem como a concepção de sujeito que ela está construindo e produzindo. Em muitas rodas de conversas no meio educacional, e também entre psicólogos e psicanalistas, sejam elas em jornadas, seminários, congressos e até mesmo em pesquisas acadêmicas, uma grande questão vem sendo levantada: A Indiferença do Ser Humano para com ele mesmo e os outros. Há um registro de crise que vem atingindo diretamente nossas escolas e famílias. Diante da impossibilidade de seu entendimento, resta-nos implicarmos ativamente na educação das novas gerações? Quem sabe começando por considerar que mudou a forma de se relacionar hierarquicamente com os mais velhos. Eu diria que hoje as famílias vivem uma espécie de “cooperativa”, onde todos participam ativamente das decisões, sejam crianças, jovens e adultos.
Outro dia recebi um telefonema da mãe de uma adolescente que atendo no consultório. Ela [a mãe] queria apenas informar que havia trocado sua filha de escola. Motivo: o professor de português estava pegando no pé da filha. Resultado: no dia seguinte a adolescente já estava matriculada em outra escola, “feliz da vida”. Quem sabe até o próximo professor “pegar no seu pé”? Sob essa ótica é possível ver como os “novos modelos familiares” vêm funcionando horizontalmente, filhos tomam decisões juntamente com seus pais e, na maioria das vezes, de acordo com suas vontades. Fico imaginando o que será dessa jovem, descrita acima, quando ela tiver que enfrentar um chefe, ou mesmo um professor, ou alguém que a “persiga”, ou mesmo um conflito de ideias?
A escola como uma instituição social reconhecida e ainda validada por muitas pessoas nos convoca diariamente a um repensar sobre o que está acontecendo no mundo. De que modo as escolas e seus agentes poderão ajudar nesse momento de mal-estar?
Defendo, primeiramente, o não recuo por parte dos agentes educativos frente ao mal-estar instalado e à insegurança por parte das famílias. O momento requer um posicionamento firme do que se quer como concepção de educação e práticas educativas, levando em conta esse novo aluno e sua família.
O mundo requer de nós adultos uma expertise quanto à elaboração e (in)compreensão do momento atual, aponta o sociólogo Zigmund Bauman (2007), em seu magnífico livro “Vida Líquida” (Zahar, 2007). Ele apresenta, com muita propriedade e sensibilidade, uma releitura do momento atual em que o mundo se encontra:
A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. A vida líquida é uma sucessão de reinícios, e precisamente por isso é que os finais rápidos e indolores, sem os quais reiniciar seria inimaginável, tendem a ser os momentos mais desafiadores e as dores de cabeça mais inquietantes. (BAUMAN, 2007 p. 8)
O autor refere-se a uma forma de vida tão rápida que chega a escorrer pelos dedos. O termo “líquido-moderno” é a marca atual da sociedade, em que as condições, sob as quais agem seus membros, mudam em tempo real, um tempo curto demais para o necessário, para uma consolidação de hábitos e rotinas, e formas de agir que requerem tempo.
Na sociedade líquida não existe tempo de aprofundamento. Ficamos à margem, na superficialidade das relações humanas, que tendem a se tornarem mais líquidas.
Para Bauman, o tempo não permite uma elaboração mais profunda para tantas mudanças. O que de alguma forma nos livra do mal estar, já que não nos aprofundamos nos sentimentos, nas relações e nas causas. A chamada “pós-modernidade” trouxe uma série de conquistas, não podemos negar tal fato, mas em contrapartida, uma série de perdas e incertezas, dentre elas, a que se refere no quesito: Educação e o princípio da incerteza.
Qual será a fronteira entre o a vida líquida e a sólida? Bauman (2007, p. 8) nos apresenta uma precariedade sobre a vida líquida, já que ela é vivida em condições de incertezas constantes, portanto, a vida passa a ser uma sucessão de reinícios. E quem sabe sem chegar a um início realmente.
Pais, professores, psicólogos, psicanalistas, e agora também babás e motoristas…. Sim, digo babás e motoristas, já que em alguns atendimentos que realizo na Clínica , são eles que comparecem à primeira consulta. Não se espantem! Este fato é real nas “novas configurações familiares”, de poder socioeconômico melhor, babás e motoristas vêm assumindo tais funções junto à família. E acreditem: tais motoristas e babás dispensam cuidados e atenção aos seus mini “patrõezinhos líquidos”. Será que já estamos falando de uma educação líquida?
(In) Concluímos, por ora, que muito ainda há para se fazer diante de tanta liquidez e insensatez de uma educação que escorre diante de nossos olhos!
Por Jane Patricia Haddad*
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