O que há de errado com nossa Educação Matemática?
Há uma semana, estava discutindo com três colegas: um professor de Matemática e dois de outras áreas. Lá pelas tantas, a questão vinda de um dos companheiros não matemáticos:
– Por que tanto vexame na nossa Matemática? Sempre as piores notas do mundo!
– E olha que é a área que mais exige de nossos alunos – completou o outro (jovem) professor de outra disciplina.
– Absurdo, mesmo! – exclamei. Quando me preparava para tentar explicar, o companheiro da ciência dos números veio acrescentar.
– Fazemos o que é possível! Alguns alunos dão o sangue. Não sei o que dizer. Porém, posso afirmar que, nos Estados Unidos, os conteúdos são bem mais simples que os nossos. Imaginem que, lá, um aluno de 2º médio aprende, no máximo, equação do segundo grau. Eu sei, pois dou aulas para alunos que voltam ao Brasil, depois de intercâmbio.
– Verdade! – falei, pensando, ainda, no que poderia dizer a fim de tentar explicar aquela situação. Sem grandes reflexões, saí atirando: – acho, às vezes que fazemos papel de idiotas. Minha filha, no ano em que prestou vestibular, fazia listas imensas de exercícios. Acertava quase todos. Só me pedia ajuda em dois ou três, e, quando eu começava a lhe explicar, não precisava nem falar muito, pois já entendia no meio da explicação. Entrou em Relações Públicas, numa excelente universidade. Formou-se este ano e, quando lhe fiz duas ou três perguntas simples sobre geometria espacial, parecia que estava falando grego. Disse-me para que parasse com aquilo, pois jurou, um dia, que “nunca mais queria ver aqueles exercícios”. Então, me pergunto: para que serviram as centenas de horas que dedicou à matemática? Só para passar no vestibular?
– Acho que vocês ensinam coisas que só um amante, mesmo, da matemática pode gostar. – era, novamente, o jovem representante do mundo “não exato”. – Por exemplo, por que um médico deve saber sobre o Binômio de Newton? Será melhor ou pior profissional se dominar, ou não, aquela parafernália desenfreada de cálculos? Duvido muito!
– Mas, como se pode mudar isso? – lamentou o meu colega amante dos números e das formas – Faço cursos e mais cursos de educação continuada, leio tudo que me cai nas mãos sobre didática das matemáticas. Não sei o que posso fazer. Há alunos que sabem muita matemática. Os que não são excelentes também conseguem sempre se virar nos vestibulares. Cá entre nós, nosso trabalho não está tão mal assim. Todos, aqui, somos professores de escolas particulares, e nossos alunos têm conseguido entrar em ótimas, faculdades . . .
Ia propor alguma explicação, quando o guerreiro varonil das outras bandas do saber tomou a palavra. Novamente, com um olhar no infinito que mais parecia uma conversa particular com algum deus desocupado:
– Por que razão vocês ensinam essas coisas para eles? Será que não aprendem só para se livrarem da educação básica e nada mais? De onde vem esses conteúdos massacrantes? Pra quê? Será que vocês matemáticos são tão egocêntricos que acham que todo mundo deve saber matemática em profundidade? Por que não ensinam essas coisas somente para quem manifesta o desejo de seguir carreira em matemática . . . em física, engenharia . . .
– Vem de 90 anos atrás, no mínimo! – intervi, falando como quem entende do tema – A matemática era ensinada assim quando as pessoas não dependiam de calculadoras, computadores . . . Hoje, sim, poderíamos e deveríamos criar um novo currículo. Mas, não vejo essa iniciativa por parte de nossas autoridades. O que não faltam são novas técnicas, novos instrumentos, novas tecnologias . . . Mas, tudo isso para ensinar exatamente o que se ensinava há quase cem anos. O currículo é praticamente o mesmo. Tiraram alguns conteúdos, principalmente na terceira série do médio, mas, não sei não . . . Pode ser que nem tenha sido por pensar-se que pudesse ser desinteressante. Talvez por ser meio abstrato demais . . .
– Senão, estaria lá! – comentou o outro colega não matemático: o mais velho – Aposto que sim!
– Também vejo assim. Não vejo como ensinar cálculo a alunos que estejam ligados a outras coisas mais interessantes para eles. Tem que amar muito a matemática!
Mais uma vez, o jovem alienígena, parecendo ter recebido uma revelação de Prometeu, veio em nosso auxílio:
– Creio que o problema é mais político! Sim, pois nosso dilema não existiria se aqueles que nos governam tivessem um pouquinho mais de bom senso e coragem. Vejam o que estão dizendo. Muitas técnicas novas para se ensinar o de sempre. Este não muda nunca: o de sempre! Mudar pra quê, não é mesmo? Dá trabalho, dor de cabeça . . . E por que? Será que as instituições que deveriam ser as mais interessadas nesses saberes todos não estarão satisfeitas com o que já se tem? Empresas que fazem os vestibulares, e seus colégios vassalos que cobram rios de dinheiro para ensinar Binômio de Newton, organelas da Ameba, fórmulas estruturais e nomes científicos da Nitroglicerina e da Fluoxetina? Vocês já repararam no tamanho dos livros de matemática do fundamental e do médio. Tudo para que os alunos façam juramentos de nunca mais os folhearem na vida? E os políticos, então! Será que, por sermos um país conservador desde nossa independência, não sejamos “naturalmente” resistentes às grandes mudanças? Pelo que percebo, nossa classe política ama a palavra reforma e abomina revolução. Mas, pelo que sinto nas suas falas, somente uma transformação radical – na raiz, mesmo! – poderá mudar as coisas e fazer com que o aluno construa algum sentido em aprender matemática. E isso vale para muitas outras disciplinas. Revolução na Educação! O resto é para encher linguiça e páginas de jornais. Porém, vai dar briga. Mas, isso . . . Acho que não interessa muito a quem já tem lá sua situação garantida.
– Que triste ouvir isto. – falou o mais velho dos não matemáticos – Sempre penso que a matemática, quando nos ajuda a entender de fato a realidade, pode ser revolucionária . . . E talvez o inverso seja verdadeiro . . . Já imaginaram: tantos e tantos números sendo manipulados, sem que nos digam nada . . . O mundo acontecendo, a economia matando, enriquecendo, manipulando . . . Os jovens fazendo listas e listas de exercícios de geometria e de álgebra . . . E? . . .
Não houve mais nenhuma grande fala, naquela noite. Mais uma vez, lá estavam brasileiros sonhando e se frustrando. Dura realidade! Ao sair, como sempre, tinha o pensamento dando tiros para todos os lados. Uma velha dor, que não queria me abandonar . . . Mais um encontro entre professores que acaba em lamúrias e pessimismo.
A única coisa boa foi ter conhecido o jovem que dialogava com os deuses enquanto nos traduzia parte de suas conversas. Pena não poder dizer seu nome, aqui. Porém, vou fazer uma quebra. Por certo, Zeus me perdoará. Vou dizer sua área: era professor de Arte!
João Luiz Muzinatti