Conversa com o Gestor – Educação transformadora: Horizontes e perspectivas contemporâneas
“Acredito que a educação sempre transforma aqueles que dela participam, no sentido que os participantes são sempre afetados por ela. Parece-me que a questão crucial é: transformar em quê? Formar para que tipo de atuação? Transformar é verbo transitivo: quem transforma, transforma algo em outra coisa”, afirma Giselle Magnossão, diretora pedagógica do Colégio Albert Sabin (SP)
Por Rafael Pinheiro / Fotos Divulgação
A palavra transformação implica, em diversas camadas, status e esferas socioculturais, uma atmosfera de agência, atividade, olhar minucioso, ação de mutação e, em altas escalas, de um denso processo reflexivo. A análise, sob uma perspectiva histórica, dos avanços, desenvolvimentos e metamorfoses urbanas, culturais, sociais, políticas, econômicas e educacionais atravessaram, em todos os circuitos, aspectos de transformações.
Avistando o curso da educação como o cerne de uma sociedade e de um indivíduo (tanto no campo pessoal como profissional), é possível localizar em seu eixo as transformações que ocorreram nos últimos séculos e, sobretudo, nas últimas décadas. Assim como todo o corpo social percorreu alterações significativas, a instituição escolar também agregou e desdobrou, em sua área, pesquisas, debates, estratégias diferenciadas, propostas de novos métodos e arranjos que acompanhassem, de certa forma, os horizontes e articulações que emergiam.
Observando a contemporaneidade como um conjunto multifacetado e complexo em várias direções, questionamentos despontam no interior das relações educacionais, como: É possível, na atualidade, com um emaranhado de fenômenos que convergem, propor uma educação transformadora? O que pode ser caracterizado como uma educação transformadora? Quais caminhos podem ser trilhados para uma formação mais ampla do aluno e da aluna?
“Acredito que a educação sempre transforma aqueles que dela participam, no sentido que os participantes são sempre afetados por ela. Transformar é verbo transitivo: quem transforma, transforma algo em outra coisa. Por isso, parece-me que as escolhas dos educadores devem sempre considerar as demandas da sociedade contemporânea, mas estão também imbuídas de seus valores e crenças: os conceitos de homem e de sociedade norteiam os objetivos educacionais (que tipo de pessoa se deseja formar, perfil do egresso e, consequentemente, que práticas são adotadas)”, diz Giselle Magnossão, diretora pedagógica do Colégio Albert Sabin (SP).
Estreitando a ótica à complexa educação brasileira, Giselle destaca avanços em algumas direções interessantes, como: a necessidade de uma carga horária mínima para uma educação de qualidade; a importância de um referencial mínimo comum que estabeleça um repertório mínimo como direito de todos os brasileiros, que começa a se concretizar na BNCC; e os conteúdos escolares contemplando também as chamadas competências socioemocionais, trabalhadas de forma sistemática e intencional, dentre outros.
“Penso que o grande desafio seja incorporar algumas reflexões que têm ganhado força mais recentemente àquilo que não pode ser perdido das práticas tradicionais. Por outro lado, inovar não é uma ação neutra. Não basta fazer diferente, para ser inovador em educação. É preciso que se inove na direção de uma educação de qualidade, na busca de se fazer mais e melhor na educação de nossas crianças e jovens”, ressalta Giselle.
Dessa forma, argumenta a diretora pedagógica, a personalização do ensino; a preocupação com a motivação e a utilização do brincar como estratégia de ensino; a colaboração (que pode ser propiciada pelo uso de mídias e redes sociais, por estratégias de trabalho cooperativo, aprendizagem em pares ou grupos); multimodalidade e multiculturalidade (utilização de diversas linguagens, uso de tecnologia, ampliação de repertório cultural); e uso de metodologias ativas são tendências contemporâneas que devem ser consideradas pelas instituições de ensino.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Rosimeire Marques, coordenadora da Educação Infantil ao 5º ano do Colégio Arnaldo (MG), alimenta a ideia de que pensar a educação como forma de assessorar o estudante a se tornar um adulto crítico e transformador é o grande desafio da comunidade escolar e “cabe a nós, membros da gestão escolar, juntamente com os professores, proporcionarmos espaços que priorizem a ação desses alunos como construtores do conhecimento e não meros receptores de informações, facilmente encontradas na internet”.
“A escola do futuro deve trabalhar no presente com metodologias que levem o aluno a pensar, criar estratégias e chegar a um resultado, deixando de lado a memorização de datas, fatos e conceitos previamente definidos. As atividades pedagógicas devem favorecer o trabalho em equipe, a elaboração de bons argumentos que provem a sistematização do conceito, o valor da descoberta para que a aprendizagem aconteça de forma natural e prazerosa”, completa Rosimeire.
Seguindo este princípio, as estratégias pedagógicas do Colégio Arnaldo Unidade Funcionários são focadas em projetos que possibilitem a construção do conhecimento, levando em consideração as diferenças cognitivas, sociais e culturais, resultando em uma aprendizagem significativa. Para que isso aconteça, alguns projetos foram desenvolvidos, como: Projeto sustentabilidade e meio ambiente; Alimentação saudável x saúde; Educação financeira; Projeto Saúde física e mental em que os alunos são levados a se conhecer melhor através do pensamento positivo, relaxamento, respiração e atividades de psicomotricidade, permitindo uma melhora pedagógica e psíquica significativa, dentre outros.
“Educação é a maior missão do ser humano por ter a responsabilidade de lidar com pessoas em construção e formá-las cidadãs de bem e realizadas em um mundo cada vez mais opressor”, diz a coordenadora.
CULTURA DIGITAL
A transformação no ensino envolve diversos aspectos culturais e caminhos que, em sua maioria, resultam na importância da comunicação e atualização de escolas diante de uma nova tendência – formar alunos de maneira completa e capacitar professores para acompanhar o movimento digital do século XXI.
Seguindo esses preceitos, um colégio em São José dos Campos (SP), encontrou na tecnologia um forte aliado para o ensino e surgiu trazendo tendências. Há dois anos, o Colégio Planck foi inaugurado com o propósito de fazer uso eficientes da tecnologia educacional. “Viajamos para os países mais desenvolvidos neste sentido como Japão e Suíça e trouxemos novos conceitos de aulas. No mundo ideal, o professor deveria falar 80% e seus alunos 20% e essa metodologia de aula invertida contribui para que os estudantes sejam mais ativos e participantes em toda a sua vida escolar”, explica o professor e fundador do Colégio Planck, André Guadalupe.
A instituição conta, por exemplo, com uma disciplina de design maker, para desenvolver habilidades socioemocionais por meio de vivências empreendedoras. Mais do que a disciplina, o colégio possui um espaço maker que permite a experimentação, invenção e criatividade para que os alunos aprendam com o uso de ferramentas e novas tecnologias de forma autônoma. “Procuramos reforçar a ideia de empoderamento dos jovens: ao mesmo tempo em que há liberdade, as cobranças de resultados são altas. Assim, os alunos também já se preparam para o mercado de trabalho”, explica o professor.
Outro projeto idealizado pelo colégio Plank é a “Metodologia Científica de Ensino’’, que fará uso de Smartface e uma sala de aula autônoma para que os alunos entendam mais sobre captação de recursos, orçamento, planejamento, mensuração de resultados e recebam feedbacks de seus mentores.
De acordo com Guadalupe, o desenvolvimento das habilidades não-cognitivas exige do professor também um papel de mentoria e a tecnologia se torna mais um recurso pedagógico, que ainda pode ser explorado com todo o seu potencial. “Os educadores são agentes da transformação e precisam acompanhar e entender o universo de seus alunos para estarem capacitados a atender todas as expectativas das escolas e dos pais”, ressalta. Sendo assim, é importante que a disseminação de tecnologias e inovações dentro de uma instituição aconteça na medida em que essa cultura seja implantada e vivida dentro de cada instituição, diante do empoderamento de alunos e docentes por meio desses recursos.
ESPÍRITO EMPREENDEDOR
O Colégio Mary Ward, localizado no bairro do Tatuapé (SP), seguindo a filosofia de sua fundadora, Mary Ward, acredita que educar é transformar o mundo e libertar o ser humano. Por essa razão, tem como objetivo desenvolver o espírito empreendedor nos alunos dentre as atividades escolares.
No segundo ano do Ensino Fundamental I, o empreendedorismo começa a ser ensinado de uma forma diferente, por meio da Gincana do Mary Ward, que organiza e traz diferentes pensamentos e formas de como ajudar as entidades atendidas pelo Colégio.
Já do 6º ano do Ensino Fundamental II até a 3ª série do Ensino Médio, o aluno participa do projeto Empreendedor, onde aprende na prática sobre aplicação de juros, porcentagem, regra de três, desenvolvimento do raciocínio lógico, além de efetuar diversas operações, como análises de gráficos estatísticos, e de obter conhecimento sobre propaganda, SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor), embalagens, consumismo, cesta básica, direito do consumidor, investimentos e poupança, entre outros temas. “Tudo isso é associado à prática social que é realizada semanalmente no trabalho de grupo de jovens”, diz o professor de Ensino Religioso do colégio, Ricardo Sebold Cois.
“Nosso objetivo com o projeto nunca foi o incentivo à posse ou ao consumismo, mas o de oferecer ao mundo bons cidadãos, através do estimulo a ideias inovadoras, à persistência, ao comprometimento e à autoconfiança”, destaca o professor.
Além disso, o Colégio Mary Ward acredita que o incentivo a concentração, criatividade e para tarefas que possibilitam que o aluno assuma riscos, sem ter medo de errar e de ultrapassar as barreiras para chegar ao seu objetivo, faz com que ele crie sua própria identidade, diferenciando-se dos demais para ser capaz de ver o que os outros não vêem. “O que, em suma, significa saber identificar oportunidades”, finaliza Ricardo Sebold Cois.
NOVAS ABORDAGENS METODOLÓGICAS
Repensar as abordagens para o ensino da matemática e o papel dos educadores nesse processo é o principal propósito de um programa do Centro Lemann e da Universidade Stanford desenvolvidos especialmente para promover a formação de professores brasileiros. O Programa de Especialização Docente (PED) foi trazido para o Brasil em 2016 e promoveu a formação de educadores voltados para a área da matemática que agora estão multiplicando os conceitos e práticas propostos pelo programa. Em Curitiba, a rede de colégios Positivo (única instituição do sul do Brasil a participar do programa) já transformou os ensinamentos do PED em um curso de Pós-Graduação voltado para professores do Grupo. E em poucos meses, os primeiros resultados já começam a aparecer.
Fabiana Damas, professora do 2º ano do Ensino Fundamental do Colégio Positivo Internacional, conta que uma das principais vantagens do programa é mostrar aos professores outras formas de ensinar a disciplina. Uma delas, bastante importante, e que vem surtindo efeito junto às crianças, é a valorização do erro. “Quando você erra, fica alerta, tenta descobrir onde foi que errou e o que é necessário para não repetir o erro”, ressalta Fabiana. Segundo ela, isso é facilmente comprovado pela reação dos alunos. Ela destaca ainda que outro ponto importante nessa nova proposta é mostrar para a criança que não tem problema errar. “O erro faz parte. É natural as pessoas errarem e estamos mostrando que nenhum deles precisa ter medo de errar. Isso tranquilizou muito os alunos e fez com que perdessem a resistência em relação à matemática”, afirma.
A questão motivacional também merece destaque. Alguns conceitos do PED indicam que é preciso criar condições para que todos – sem exceção – se desenvolvam, cada um a seu tempo. Quando os alunos são estimulados, sem pressa e sem que o receio ou a resistência atrapalhem, eles conseguem desenvolver melhor o pensamento crítico e, consequentemente, a capacidade de raciocinar sobre a matemática. Dessa forma, o estudante é capaz de descobrir o seu próprio caminho, usar suas próprias estratégias para chegar ao resultado.
De acordo com Fabiana, a receptividade das crianças em relação à matemática, desde que começaram a trabalhar dentro dessa nova proposta, aumentou consideravelmente. “O rendimento dos alunos melhorou. Agora eles conseguem lidar melhor com as dificuldades que sentem em relação à disciplina. Esse é o caminho, basta que nós, professores, estejamos dispostos a abandonar antigas práticas e conceitos para entender, de uma vez, que o estudante pode encontrar o seu próprio jeito de aprender matemática”, finaliza.
Saiba mais:
André Guadalupe (Colégio Plank) – [email protected]
Giselle Magnossão (Colégio Albert Sabin) – [email protected]
Ricardo Sebold Cois (Colégio Mary Ward) – [email protected]
Rosimeire Marques (Colégio Arnaldo) – [email protected]