Autismo e Educação: Desafios da inclusão e acolhimento das diferenças
Por Rafa Ella Pinheiro / Fotos Divulgação
Conversa com o Gestor
O ambiente escolar, conhecido por acompanhar o desenvolvimento de alunas e alunos diariamente, assim como um espaço que estimula vivências e experiências significativas que compõem e constroem todos e todas, deve ser caracterizado como um dos pilares sociais que oferece segurança e acolhimento para todas as pessoas – respeitando e celebrando as singularidades e diferenças
O TEA – Transtorno do Espectro Autista pode ser definido, em linhas gerais, como um transtorno de neurodesenvolvimento que reflete em interação e comunicação sociais e em comportamentos atípicos. O autismo não se concentra em um único transtorno, mas sim em um espectro amplo de manifestações, e que variam em cada indivíduo, especialmente em graus de intensidade e gravidade.
Inspiradas pelo Dia Mundial de Conscientização do Autismo, data celebrada em 2 de abril e instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007, produzimos um especial com falas de especialistas que atuam em diversas áreas da educação para comentar sobre quais são os desafios enfrentados por crianças autistas no ensino regular e como as escolas podem se tornar inclusivas e acolhedoras para esses/essas estudantes. As falas nos mostram que, no contexto escolar, a inclusão efetiva de estudantes autistas demanda repensar práticas pedagógicas, estabelecer uma aliança entre escola, familiares e profissionais cuidadores, propiciar capacitações sobre o TEA para educadoras/es, e traçar estratégias que enfatizem o combate ao preconceito e fortaleçam as diferenças. Confira!
Shelley Hughes – Diretora da Pearson Clinical Assessment
“Como terapeuta ocupacional com 30 anos de experiência apoiando e compreendendo as necessidades de estudantes autistas na educação, uma frase sempre se destaca no meu trabalho: ‘Se você conhece uma pessoa com autismo, então você conhece uma pessoa com autismo.’ Compreender e apoiar estudantes autistas na educação requer o reconhecimento de que cada indivíduo autista tem um perfil único de forças e necessidades — assim como os estudantes neurotípicos. Essa conscientização fundamental pode orientar como as escolas abordam a educação inclusiva.
Um exemplo é com relação às experiências sensoriais, que podem impactar significativamente a capacidade dos estudantes autistas de aprender e se engajar na sala de aula. Muitos apresentam uma sensibilidade aumentada ou reduzida aos estímulos do ambiente — desde iluminação e sons até texturas e movimentos. Ao considerar esses fatores para os alunos, os educadores devem aprender a reconhecer seus próprios pontos cegos sensoriais; algo que pode parecer insignificante para um professor (como uma porta rangendo ou uma lâmpada fluorescente zumbindo) pode ser extremamente distrativo para um estudante autista.
Ao colaborar com terapeutas ocupacionais e dialogar ativamente com os alunos, os educadores podem compreender melhor as preferências individuais de processamento sensorial e fazer ajustes ambientais bem-informados. Soluções simples, como permitir o uso de fones de ouvido durante atividades independentes para estudantes que buscam estímulos sensoriais, podem transformar situações desafiadoras em oportunidades de aprendizado focado. Do ponto de vista de toda a turma, disponibilizar acomodações sensoriais acessíveis, que os alunos possam gerenciar sozinhos ou com pouco suporte, leva a uma inclusão natural, ao aumento das interações sociais e ao engajamento sustentado no aprendizado.
Apostar nas fortalezas do estudante autista também é um caminho potente para ampliar o seu engajamento. A maioria de nós tende a evitar atividades que considera desafiadoras ou que não gosta, enquanto se envolve naturalmente com aquilo em que é bom e que o motiva. Esse mesmo princípio se aplica ao apoio a estudantes autistas: quando entendemos e valorizamos suas forças, podemos estabelecer metas realistas e alcançáveis que aumentam a confiança e o empoderamento. Por exemplo, um estudante com grande interesse por tecnologia pode ser incentivado a usar essas habilidades em projetos escolares, ou um aluno com conhecimento detalhado sobre um determinado tema pode ter oportunidades para compartilhar sua expertise com os colegas.
Criar espaços de aprendizado que dizem ‘Bem-vindo’ requer colaboração entre educadores, famílias, especialistas e os próprios alunos. Manter canais de comunicação abertos e focar no que os estudantes podem fazer, em vez de no que não conseguem, facilita mudanças graduais e gerenciáveis, que podem ser incorporadas à rotina diária. Isso leva a um progresso duradouro e a ambientes onde estudantes autistas podem prosperar, sendo autenticamente quem são. Quando acertamos, esses espaços inclusivos não apenas apoiam a aprendizagem — eles celebram as perspectivas e contribuições únicas que os estudantes autistas trazem para nossas comunidades escolares.”
Shelley Hughes – Diretora da Pearson Clinical Assessment
Mara Duarte da Costa – Neuropedagoga, psicopedagoga, diretora pedagógica da Rhema Neuroeducação, e especialista dedicada à educação inclusiva e à capacitação de professores
“Crianças autistas enfrentam desafios significativos no ambiente escolar, principalmente em relação à comunicação, interação social e regulação sensorial. Muitas vezes, ruídos intensos, mudanças repentinas na rotina e a falta de compreensão sobre suas necessidades podem gerar ansiedade e dificultar o aprendizado. Além disso, metodologias de ensino padronizadas nem sempre atendem às suas formas específicas de processar informações, tornando a experiência educacional desafiadora.
Para tornar a escola um ambiente mais inclusivo, é essencial investir na formação contínua dos professores sobre as particularidades do TEA. Estratégias como o uso de Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA), adaptações curriculares e ensino baseado em interesses podem facilitar a aprendizagem. Além disso, é fundamental que a equipe pedagógica desenvolva um Plano Educacional Individualizado (PEI), garantindo que as intervenções estejam alinhadas às necessidades do aluno.
Outro aspecto crucial é a adaptação do ambiente físico e sensorial. Espaços mais tranquilos para momentos de regulação, uso de fones de ouvido para reduzir estímulos sonoros e a criação de uma rotina visual estruturada são medidas práticas que favorecem a segurança e previsibilidade para a criança autista. O design da sala de aula deve permitir organização e evitar excessos visuais que possam gerar distração ou desconforto.
Por fim, é essencial promover uma cultura de respeito e pertencimento dentro da escola. Trabalhar a conscientização com os demais alunos por meio de atividades sobre neurodiversidade e incentivar práticas de mediação social ajudam a construir relações mais saudáveis. O apoio da família e a colaboração com terapeutas externos também fortalecem essa rede de inclusão, garantindo que a escola não apenas receba alunos autistas, mas os acolha de forma genuína e eficaz.”
Mara Duarte da Costa – Neuropedagoga, psicopedagoga, diretora pedagógica da Rhema Neuroeducação, e especialista dedicada à educação inclusiva e à capacitação de professores
Daniela Oliveira Andriollo – Psicóloga e Supervisora Técnica Educacional na rede de ensino SESI-SP
“Uma reflexão sobre as necessidades específicas de crianças e jovens com autismo deve partir de uma perspectiva histórica e social, não limitada a condições diagnósticas e clínicas. Os direitos fundamentais sociais estão previstos na Constituição Federal para o bem-estar e a igualdade de todas as pessoas: direitos que transitam, entre outros, em segurança, saúde, alimentação e educação. Se, por um lado, todas as pessoas têm direito ao acesso, permanência, participação e sucesso no seu processo de escolarização, por outro, todas as instituições de ensino devem atuar para a eliminação de quaisquer barreiras para o processo de ensino e aprendizagem. Esse raciocínio é base para uma discussão sobre desafios e garantias em inclusão escolar.
Então, de quem estamos falando quando nos referimos às crianças com autismo? O Transtorno do Espectro Autista, de acordo com o modelo médico, pode ser caracterizado por dificuldades nas habilidades sociais, comunicação e repetição de comportamentos e, portanto, tais dificuldades são relacionadas à criança ou ao jovem diagnosticado. No entanto, vislumbrando o contexto da inclusão na perspectiva de um modelo social, reconhecemos que as deficiências ou dificuldades não podem ser direcionadas, de maneira fragmentada, ao indivíduo, mas precisam passar pela identificação do ambiente em que ele está inserido, devendo este preparar-se para receber, acolher e promover a participação e a aprendizagem de todos os estudantes, sem exceção. E aqui está o grande desafio enfrentado por crianças autistas: a sociedade superar o modelo médico.
Diante disso, crianças com autismo podem precisar de mais apoio, o que deve se traduzir em um ambiente que as acolha, que as respeite em suas condições, que permita e promova a sua participação no contexto e mais, que garanta a aprendizagem e o acesso aos conhecimentos construídos pela humanidade. Precisam de relações humanas que as possibilitem serem vistas como pessoas, e não apenas por meio de seus diagnósticos, que acreditem em seus potenciais de desenvolvimento e que empreendam esforços diários para a verdadeira inclusão.
Trata-se de um caminhar contínuo e persistente no sentido de combater o histórico de exclusão pelo qual passaram e passam ainda muitas pessoas com deficiência. Caminhar esse que se torna mais fluido para educadores, quando realizam parcerias estratégicas com outros educadores, por exemplo com professores especialistas em educação especial, na busca por identificarem processos de ensino que correspondam à pluralidade que se revela na sala de aula, identificarem formas de comunicação com essa criança, reconhecerem que os comportamentos são expressões do movimento corporal humano a serem compreendidos de forma multidisciplinar para a garantia do direito à educação.
Neste sentido, escolas inclusivas e acolhedoras investem pedagogicamente, por meio da gestão escolar, em três dimensões: a) em um currículo acessível para todos, seja por meio de abordagens universalistas nos planos de aula, diferenciações de estratégias ou modificações curriculares; b) em uma relação constante e respeitosa com as famílias, devendo ambos caminharem juntos para o desenvolvimento da criança; e c) no pertencimento e participação de crianças e jovens com autismo no contexto escolar. Tais dimensões podem ser desafiadoras, mas sabemos que dos desafios surgem caminhos, novas relações e possibilidades. Para mim, tudo sempre muito alinhado a duas grandes questões: uma crença pessoal de que nós nos constituímos enquanto pessoa nas relações com os outros, e um propósito profissional de que a inclusão não é somente um direito a ser garantido, mas uma forma de compartilhar a vida.”
Daniela Oliveira Andriollo – Psicóloga e Supervisora Técnica Educacional na rede de ensino SESI-SP
Claudia Peruccini – Gerente Pedagógica da Red Balloon
“Crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) vivenciam o mundo escolar de maneira única e especial. Alguns desafios surgem no caminho, como as particularidades na comunicação, nas interações sociais e na sensibilidade a estímulos do ambiente. Muitas vezes, os espaços da escola, ainda não estão preparados para acolher suas necessidades, o que pode fazer com que se sintam deslocados em um ambiente que deveria ser acolhedor e de pertencimento.
Um ambiente escolar verdadeiramente inclusivo consegue transformar espaços físicos em ambientes seguros e confortáveis, com áreas tranquilas para momentos de autorregulação. Além disso, a formação contínua do educador é extremamente crucial. Escola e família juntos formam uma rede de apoio importantíssima e juntos devem buscar por estratégias e alternativas individualizadas que respeitem o ritmo e as habilidades únicas de cada estudante. Dessa forma a aprendizagem se dá de forma natural e saudável para os estudantes no espectro.
Um outro ponto importante é sobre o impacto positivo que a aprendizagem de um segundo idioma traz para os alunos que estão no espectro. Os benefícios são surpreendentes. Aprender um novo idioma pode oferecer previsibilidade e organização, aspectos que muitas crianças autistas precisam no seu dia a dia. Além disso, o contato com outras culturas amplia horizontes, fortalece o foco, memória e autoconfiança.
Um ambiente que celebra as diferenças não beneficia apenas os estudantes autistas, mas nutre em toda a comunidade escolar valores como empatia, respeito e colaboração. Crianças que aprendem juntas, respeitando suas singularidades, tornam-se adultos que constroem uma sociedade mais gentil e inclusiva. Afinal, cada criança carrega um universo de possibilidades que, quando acolhido com carinho e compreensão, pode se desenvolver de maneiras surpreendentes e inspiradoras.”
Claudia Peruccini – Gerente Pedagógica da Red Balloon
Marta Chaves – Pós-doutorada em educação, pesquisadora e docente do ensino superior, conselheira vice-presidente do Instituto Formando Leitores e integrante da Academia de Letras de Maringá
“A responsabilidade da educação inclusiva não é apenas dos professores ou das famílias, mas de toda a sociedade. A legislação, tanto nacional quanto internacional, já aponta para a necessidade de garantir o direito de todos à educação. No entanto, a verdadeira inclusão vai além das normas; requer uma mudança de mentalidade e de prática dentro das escolas. É preciso entender que os estudantes de hoje são os adultos do futuro e que a equidade no ensino precisa ser uma prioridade constante. Não basta matricular, é necessário acolher, compreender e proporcionar um ambiente que respeite as particularidades de cada aluno.
A formação continuada dos profissionais da educação é um dos pilares fundamentais para avançarmos nesse cenário. Eventos, palestras e cursos têm seu valor, mas o aprendizado real acontece na prática cotidiana, quando conseguimos aplicar os conhecimentos adquiridos à realidade concreta de cada instituição. Não se trata apenas de entender as teorias pedagógicas, mas de saber como usá-las para construir uma educação que respeite as individualidades.
A inclusão exige estratégia, planejamento e uma abordagem pedagógica que contemple cada estudante em sua singularidade. A Organização Pedagógica Especial (OPE) surge como um modelo essencial para garantir uma educação mais equitativa. O planejamento e a avaliação devem ser pensados não apenas em função dos resultados quantitativos, mas do processo de aprendizagem de cada aluno. O foco não deve estar em notas ou em padrões rígidos, mas naquilo que cada estudante consegue aprender e desenvolver. A escola precisa oferecer condições para que todos tenham acesso ao conhecimento, respeitando seu ritmo, suas habilidades e suas necessidades específicas
Nessa perspectiva, pensemos nos dois elementos prioritários da OPE, sendo o primeiro o Planejamento e o segundo a Avaliação ou processo avaliativo. E, com total certeza, esses dois elementos, Planejamento e Registro de Aprendizagem, são os instrumentos e argumentos para fortalecer a ação didática que valoriza a individualidade e a condição de cada estudante. O que significa dizer que não necessitamos de algo inovador e inalcançável, ao contrário, a prática mais cotidiana que temos é o planejamento.
Reafirmo que a memória é a capacidade humana mais sofisticada, e é nossa missão garantir que cada estudante leve consigo o aprendizado e o acolhimento que encontrou na escola. Se queremos uma educação verdadeiramente inclusiva, precisamos lembrar sempre que, independentemente das dificuldades e desafios, a mensagem mais poderosa que podemos transmitir é o ato de acolher.”
Marta Chaves – Pós-doutorada em educação, pesquisadora e docente do ensino superior, conselheira vice-presidente do Instituto Formando Leitores e integrante da Academia de Letras de Maringá
Julia Amed – Psicóloga e Educadora Clínica na Genial Care
“Os possíveis desafios que envolvem crianças autistas no ensino podem começar até antes mesmo de entrar em sala de aula. Um deles é o próprio retorno às aulas. Um caso clássico seria em uma troca de escola, onde o caminho é novo, professores, colegas de sala, ambiente, algo que pode ser mais difícil de tolerar para uma criança que tenha um nível mais complexo de rigidez.
Até mesmo se for na mesma escola, o retorno às aulas traz uma mudança de turma e de rotina, considerando o ano anterior, que também é um desafio caso a criança tenha em mente que tudo permanecerá igual. Além dessas questões de rotina, crianças autistas têm uma tendência maior a terem dificuldades com habilidades sociais, algo que é crucial no momento de interação escolar.
Quando pensamos em algumas possibilidades para a inclusão, é interessante que antes mesmo de as aulas começarem, os pais expliquem detalhadamente para a criança (seja de maneira verbal ou com rotinas visuais) que essa rotina irá se iniciar, e como acontecerá (qual o caminho, horários, uniformes, meio de transporte, o que for necessário!).
A escola pode se apropriar desses mesmos recursos visuais como uma rotina do dia, com fotos para a criança entender quais serão as aulas, momentos de recreio e tarefas. Além disso, se pensarmos em habilidades sociais, é sempre interessante que a escola incorpore os interesses da criança nas atividades e momento de interação, para aumentar essa chance de permanência com outras crianças, para que ela fique perto e permaneça engajada com algo que seja importante para ela.”
Julia Amed – Psicóloga e Educadora Clínica na Genial Care
Fábio Coelho – Psicólogo especialista em Transtorno do Espectro Autista e sócio-diretor da Academia do Autismo
“As crianças autistas enfrentam inúmeros desafios no ambiente escolar, que vão desde dificuldades na comunicação e interação social até barreiras sensoriais e metodológicas no ensino. Muitas apresentam hipersensibilidade a ruídos, toques ou luzes, o que pode tornar a sala de aula um ambiente sobrecarregado. Além disso, dificuldades na compreensão de regras sociais e no uso da linguagem figurada podem impactar sua integração com colegas e professores. O currículo tradicional, muitas vezes inflexível, também pode ser um obstáculo, pois não leva em conta a necessidade de adaptações e ensino estruturado para atender às diferentes formas de aprendizado desses alunos.
Para que a escola seja um espaço verdadeiramente inclusivo, é essencial investir em formação continuada para os educadores. A Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e outras estratégias baseadas em evidências podem ser implementadas para ensinar habilidades sociais, acadêmicas e adaptativas de maneira eficaz. A utilização de estratégias como comunicação alternativa, ensino estruturado e apoio visual pode favorecer a compreensão e participação ativa dos alunos. Além disso, adaptar a rotina para oferecer momentos de regulação sensorial e flexibilizar as atividades pode contribuir para um ambiente mais acessível.
Outro fator crucial é a sensibilização da comunidade escolar. Promover rodas de conversa e atividades que incentivem a empatia entre os alunos pode ajudar a reduzir o bullying e aumentar a aceitação. Criar espaços de apoio, como salas sensoriais ou áreas de relaxamento, também pode proporcionar segurança e conforto para os estudantes autistas. A mediação escolar, com a presença de profissionais capacitados, pode ser um suporte valioso para auxiliar na interação e no desenvolvimento de habilidades de autonomia.
Por fim, a parceria entre escola e família é essencial para o sucesso da inclusão. A comunicação contínua sobre desafios e progressos permite que ajustes sejam feitos de forma colaborativa, garantindo que a criança receba suporte tanto no ambiente escolar quanto em casa. A inclusão não é apenas garantir a matrícula de alunos autistas, mas sim proporcionar uma experiência educacional acolhedora, acessível e eficaz para que cada estudante possa desenvolver todo o seu potencial.”
Fábio Coelho – Psicólogo especialista em Transtorno do Espectro Autista e sócio-diretor da Academia do Autismo
Lucelmo Lacerda – Professor e psicopedagogo na Luna ABA – Intervenção baseada em ABA
“Quando falamos sobre crianças autistas, estamos tratando de um grupo muito amplo e cada indivíduo dentro do espectro tem um conjunto de necessidades específicas. Temos aqueles que precisam de enriquecimento curricular, outros que precisam de adaptação curricular, outros de substituição curricular, outros de um acompanhante…
Então, o grande desafio é olhar essa singularidade e entender como atender as necessidades que, em parte são acadêmicas, quando falamos de adaptações curriculares, e, em parte são estruturais, como a sobrecarga sensorial ou um ajuste na alimentação oferecida na escola.
Outro ponto importante a considerar é a necessidade de trabalhar as habilidades sociais dos alunos autistas, pois de um modo geral as escolas não possuem esse foco. Isso é importante para que o autista se sinta realmente incluído, possa interagir com os colegas e evita situações graves de bullying.
As escolas podem se tornar inclusivas e acolhedoras para alunos autistas olhando na singularidade de cada um. A principal ferramenta para colocar isso em prática é o Plano Educacional Individualizado, o PEI, que está previsto no Brasil, pelo parecer nº 50 do Conselho Nacional de Educação, homologado pelo Ministério da Educação, e que quase nunca é aplicado na prática.”
Lucelmo Lacerda – Professor e psicopedagogo na Luna ABA – Intervenção baseada em ABA
Guilherme de Almeida – é autista e atualmente é Presidente da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil).
“A ideia de que uma escola pode ser ‘inclusiva’ apenas para alunos autistas é uma contradição em si. Inclusão não é um conceito fragmentado, destinado a beneficiar grupos específicos dentro da escola comum. Se a instituição estrutura todo um aparato de atendimento exclusivamente voltado para os alunos autistas, mas não se transforma para acolher todas as formas de aprendizagem, o que está sendo criado não é uma escola inclusiva, mas sim uma escola de segregação dentro da própria escola regular. Inclusão de verdade só acontece quando a estrutura pedagógica se transforma para todos, garantindo um ambiente acessível a qualquer aluno, independentemente de diagnóstico ou perfil.
Muitas vezes, as adaptações feitas para alunos autistas são vistas como um favor, uma concessão especial para atender necessidades individuais, enquanto o restante da escola continua funcionando dentro do mesmo modelo rígido e atrasado. Isso gera um efeito perverso: em vez de incluir os autistas ao conjunto da comunidade escolar, essas medidas os isolam em uma espécie de sistema paralelo, reforçando a ideia de que eles são os ‘diferentes’ que precisam de ajustes. A inclusão real não é sobre abrir exceções para alguns, mas sim sobre mudar as regras do jogo para todos.
A expansão desenfreada dos profissionais de apoio para estudantes autistas expõe essa fragilidade estrutural na inclusão escolar. Em vez de transformar a escola para acolher a diversidade, transfere-se a responsabilidade para mediadores, criando uma dependência artificial que isola o aluno em vez de incluí-lo. O modelo reforça a noção equivocada de que o autista precisa de um suporte constante para aprender, quando o verdadeiro desafio é estruturar a escola para que qualquer estudante possa participar sem precisar de soluções paliativas. No fim, a inclusão de fachada persiste, rendendo dividendos para a indústria do autismo, enquanto a mudança real no ensino continua a ser adiada.
A escola tem que decidir se quer ser um espaço para todos ou se quer continuar a manter modelos excludentes com novos nomes. Não há meio-termo: ou a educação é realmente inclusiva, modificando a sua estrutura para acolher a todos, ou continua sendo um modelo segregacionista que apenas aloca alunos autistas numa estrutura que não foi feita para eles. Quando a inclusão é real, a escola não precisa criar turmas especiais, horários diferenciados ou rotinas paralelas, para isso, a pedagogia precisa ser flexível o suficiente para acomodar todos os estudantes, sem ser necessário tratá-los como casos à parte. A inclusão, quando acontece de verdade, é uma mudança estrutural na forma de ensinar e aprender, e não um conjunto de adaptações individuais para alunos que ‘não se encaixam’ no modelo tradicional. Se a escola ainda precisa criar estratégias específicas apenas para autistas, então ela ainda não é uma escola inclusiva — é apenas uma escola com novos mecanismos de segregação.”
Guilherme de Almeida – é autista e atualmente é Presidente da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil)
Gleiciane de Oliveira Maziotti – Pedagoga, psicopedagoga e especialista em educação inclusiva
“A inclusão escolar de crianças autistas é um direito garantido, mas, na prática, muitas ainda enfrentam barreiras que comprometem seu aprendizado e desenvolvimento. Um dos principais desafios é a falta de preparo das escolas, que muitas vezes não oferecem suporte adequado, resultando na exclusão sutil desses alunos do ambiente de ensino. Há casos em que crianças são afastadas da sala de aula sob justificativa de dificuldades comportamentais, quando, na realidade, o problema está na falta de estratégias pedagógicas inclusivas e na ausência de um trabalho integrado entre escola e família.
Para garantir uma educação de qualidade para alunos autistas, é essencial que haja um alinhamento contínuo entre escola, família e os profissionais responsáveis pelas intervenções terapêuticas. O desenvolvimento infantil não pode ser fragmentado; a aprendizagem precisa estar atrelada ao acompanhamento terapêutico, criando um ambiente de ensino estruturado e funcional para a criança. Quando essa conexão não acontece, o aluno pode enfrentar atrasos no aprendizado, dificuldades emocionais e uma sensação de não pertencimento ao ambiente escolar.
Além disso, a capacitação dos educadores é fundamental. Professores e equipe pedagógica precisam compreender as particularidades do autismo e estar preparados para adaptar estratégias de ensino, respeitar o tempo e as necessidades do aluno e promover sua participação ativa na rotina escolar. A flexibilização curricular, o uso de recursos visuais e o planejamento de atividades com suporte individualizado são algumas das medidas que tornam a escola um espaço mais acessível e produtivo para crianças autistas.
Uma educação inclusiva de verdade vai além da aceitação do aluno autista na escola; ela exige comprometimento, preparo e um trabalho em rede entre todos os envolvidos no seu desenvolvimento. Quando escola, família e terapeutas atuam em conjunto, a criança não apenas aprende, mas se sente acolhida e valorizada. Somente assim conseguimos construir uma sociedade onde a diversidade é reconhecida e respeitada em todas as suas formas.”
Gleiciane de Oliveira Maziotti – Pedagoga, psicopedagoga e especialista em educação inclusiva
Táhcita Medrado Mizael – Psicóloga, docente na University of Edinburgh e professora colaboradora do MBA USP/Esalq
“Como crianças autistas geralmente possuem sensibilidades sensoriais, um desafio pode estar relacionado aos perfumes e odores corporais das crianças, de alimentos preparados na cantina/ lanches que as crianças levam, iluminação das salas de aula e outros espaços fechados, níveis de ruído das crianças da sala ou de outras salas de aula, esportes de contato, e até de crianças que são afetuosas e podem querer abraçar a criança autista ou o contrário, uma criança autista que gosta de contato e quer abraçar ou tocar outras crianças e estas podem não gostar. Estas são apenas algumas questões sensoriais comuns em muitas crianças autistas.
Outra dificuldade pode estar atrelada à dificuldade com mudanças. Mudar de sala de aula ou a sala de aula passar por uma reforma (ou até pintura de parede), mudanças na posição das carteiras dos alunos e/ou do professor, um item na cantina que está em falta e a criança autista está acostumada a ingerir todos os dias, todos esses são exemplos de mudanças consideradas pequenas para a maioria das pessoas, mas que para algumas pessoas autistas pode auxiliar na geração de uma crise.
Uma forma de as escolas se tornarem mais inclusivas consiste, em primeiro lugar, de aprender sobre o autismo para além dos casos mais estereotípicos. Com informação de qualidade, o corpo docente e a administração da escola terão mais informações para realizar medidas que visem aumentar a inclusão de crianças autistas, informar pais de crianças neurotípicas sobre algumas medidas que a escola possui e, também, se comunicar melhor com a criança autista e sua família.
De maneira mais prática, as escolas se beneficiarão muito de uma parceria com as famílias de alunos autistas. As escolas podem fornecer um questionário pedindo diversas informações, incluindo, por exemplo, se a criança possui deficiência intelectual ou outra condição associada, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), como a criança se comunica, quais as suas sensibilidades sensoriais, quais são os seus hiperfocos, gatilhos conhecidos para crises, estereotipias, entre outros. Tais detalhes auxiliarão a escola a adaptar o ambiente da melhor maneira possível, assim como pensar em estratégias para que os colegas de classe entendam e respeitem o colega.
Os hiperfocos podem ser utilizados pelos professores de modo estratégico para motivar o aluno a se interessar pela matéria. Ter um espaço físico no qual crianças autistas podem ir para evitar crises e se acalmarem também pode auxiliar. Para finalizar, vale mencionar que os desafios dependem de uma série de fatores e estes existem, pois nossa sociedade, de modo geral, tende a não ser inclusiva e acessível a indivíduos com deficiência.”
Táhcita Medrado Mizael – Psicóloga, docente na University of Edinburgh e professora colaboradora do MBA USP/Esalq
Maíra Pizzo – Diretora da Conviva Serviços
“A inclusão escolar de alunos com autismo vai muito além de abrir as portas da escola. É preciso garantir que eles tenham o suporte adequado para se desenvolverem plenamente no ambiente escolar. E o Profissional de Apoio Escolar (PAE), também chamado de cuidador, tem um papel fundamental nesse processo, pois auxilia os estudantes com deficiência na rotina diária, como na alimentação, locomoção e higiene, com objetivo tornar o ambiente escolar mais digno, seguro e confortável.
A presença desses profissionais nas escolas é prevista pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, vigente desde 2008, e reforçada na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) e na Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Embora nem todas as escolas brasileiras contem com esse serviço, em São Paulo, o governo do Estado e alguns municípios têm investido nesse apoio.
A Conviva Serviços é considerada uma das principais entidades privadas a se especializar para atender aos alunos com deficiência na escola regular, através do cuidador. E quando um estudante com autismo conta com esse apoio, ele se sente mais acolhido e tem mais oportunidades de interagir e aprender. A prova disso está nos inúmeros relatos recebidos de mães e também educadores das centenas de escolas em que atuamos, especialmente no Estado de São Paulo e Mato Grosso. Vimos estudantes com autismo, dependentes de suporte e não verbais, evoluindo e ganhando autonomia.”
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