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Guia para Gestores de Escolas

Bons pais criam filho(s) normal(is)

A relação pais e filhos, por se tratar de interação, implica uma influência recíproca, ou seja, cada qual afeta a experiência pessoal do outro e pode contribuir para a realização ou a desorganização do outro. Significa que a complexidade da relação vai se construindo e se desvelando no cotidiano e, muitas vezes, o único recurso dos pais é a vivência como filho, além de contar e torcer para que uma pitada de bom senso e de discernimento reine, na crença de que o vínculo afetivo forte possa auxiliá-los a superar possíveis obstáculos (amor resolve e supera tudo).

O que é ser bom pai?
Para alguns, significa “dar tudo para a criança” e “fazer tudo por ela”. São pais sempre disponíveis, prontos para atender a todas as solicitações da criança e acreditam que, assim, estarão suprindo as necessidades que permitam um desenvolvimento adequado e saudável. Para isso, renunciam e desconsideram as próprias necessidades, focalizando apenas as da criança, que é o centro de tudo. Nesse contexto, a interpretação errônea e distorcida de diferentes teorias psicológicas, principalmente da Psicanálise, contribui para maior empenho dos pais em proporcionar uma infância “feliz” e “sem traumas”, que assegurem a felicidade do resto de vida de seus filhos.

Como consequência, os pais são incapazes de dizer “não”, cuja aquisição de seu significado é fundamental para a socialização, com medo de perder o amor do filho, mostrando necessidade premente de amor todo o tempo. Ao perceber, a criança explora e manipula a situação por meio de ameaças e chantagens e os pais acabam cedendo às exigências cada vez mais crescentes de privilégios, permitindo, muitas vezes, até atos indesejáveis. A questão central reside não na ameaça da criança, mas no fato de os pais se sentirem ameaçados. A permissividade provoca muita ansiedade a ponto de algumas crianças pedirem limites, comportando-se inadequadamente.

A dificuldade de estabelecer limites ou de dizer “não” pode estar ligada à vivência dos pais quando criança, como uma maneira de compensar suas frustrações e faltas. Eles sentem necessidade de dar tudo ou deixam que os filhos façam o que quiserem para que não sintam as mesmas frustrações e sofrimentos que viveram, fazendo e dando tudo aquilo que imaginaram ter gostado que seus próprios pais tivessem feito. Dessa forma, procuram compensar com excesso de presentes ou, então, com excesso de permissividade. Para a criança, temos como consequência a ausência da oportunidade de desenvolver a capacidade de valorizar o que tem ou o que ganha, tópico de suma relevância na sociedade de extremo consumismo.

O fazer tudo pela criança implica cercear sua autonomia, fomentar dependência dos pais que a superprotegem. Pode ser uma maneira de encobrir sentimento de culpa muito presente nos pais, principalmente no contexto atual, para compensar a ausência por conta do trabalho ou mesmo dos estudos, uma forma de investimento em sua vida profissional.

A superproteção pode significar também falta de confiança na capacidade da criança, impedindo que ela tenha oportunidade de aprender novas habilidades e ter diversas experiências, o que pode acabar culminando na construção de autoimagem negativa e desvalorização de si. Isso gera sentimento de muita insegurança e medo, uma sensação de incompetência e incapacidade.

A falta de limites ou a permissividade interfere no desenvolvimento emocional da criança, acarretando pouca capacidade de tolerância à frustração e de espera. A aquisição gradual dessas capacidades possibilita que ela tenha reação mais adaptativa às situações adversas da realidade que impedem a realização de todos os seus desejos. Assim, a criança consegue controlar e gerenciar sua impulsividade, sua raiva (muitas vezes, fúria) e aprende que não se consegue tudo que quer num “passe de mágica”. É lógico, as situações de adiamento da satisfação de desejos e de espera diferem de acordo com o esperado para cada etapa do desenvolvimento.

O bebê, por exemplo, necessita de pronto atendimento para que sejam satisfeitas suas necessidades de fome, de aconchego devido à imaturidade do funcionamento físico e emocional. Mas, à medida que ele cresce, vai aprendendo, paulatinamente, a esperar e a compreender que não pode conseguir tudo que quer e controlar tudo. Quando essa aprendizagem é dificultada, a criança se fixa num nível de desenvolvimento emocional cuja reação de raiva ou ainda de fúria revela o quão insuportável é a situação.

A falta de limite dificulta a percepção do outro, a aprendizagem de que outros existem com seus desejos e necessidades e que a criança não é o centro do mundo. A ausência de posicionamento dos pais quanto às suas necessidades e direitos engendra dificuldade no processo de socialização da criança, como já assinalado anteriormente, pois passa a mensagem de que todas as pessoas estão disponíveis e dispostas para satisfazer suas vontades. A falta de percepção do outro, leva-a a não respeitar o espaço e o limite do outro, agir de forma inadequada, abusiva, controladora e dominadora. A criança pode se tornar tirana, em oposição aos pais escravos e submissos, estabelecendo uma relação de dominação.

Ser bom pode assumir o significado de ser perfeito, de nunca falhar, de ser sempre impecável. São pais muito exigentes consigo mesmo, com necessidade de fazer tudo de forma excelente e irrepreensível e transfere essa alta expectativa aos filhos, formando a combinação exata pais perfeitos, filho(s) perfeito(s). Assim, a criança fica com a responsabilidade de ser excelente e maravilhosa em tudo que faz, seja na escola como também em outras atividades e situações, dando aos pais a sensação de serem também excelentes e maravilhosos e de terem feito um “ótimo” trabalho. Destarte alimenta e aumenta a autoestima dos pais (massagem do ego dos pais) que vêem no filho uma promessa ou esperança de atingir o que não conseguiram, de se realizarem apostando e depositando nele a responsabilidade de resgatar suas frustrações. Trata-se, portanto, de uma compensação, uma forma de preencher a sensação dos pais de estar permanentemente aquém do que deveriam ser, e da dificuldade de aceitar certos tropeços e erros, lutando contra a condição de “imperfeição” inerente ao ser humano. Continua no Leia Mais O que seria filho normal?

Por Elena Etsuko Shirahige
Elena Etsuko Shirahige é Psicóloga clínica e educacional, Profª Drª pela FEUSP (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo), membro do Núcleo de Atendimento ao Dependente Química (NADeQ).
Mais informações: [email protected]

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