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Guia para Gestores de Escolas

Como lidar com crianças tímidas?

Muitas crianças são rotuladas como tímidas, e isso não é uma característica negativa, como muitos podem pensar. A timidez é um traço de personalidade, não uma falha, e se caracteriza principalmente pela falta de interação em ambientes novos ou vergonha em se conectar com pessoas desconhecidas. Em eventos sociais, é comum que os pais não saibam como agir quando o filho tímido não responde a um cumprimento, por exemplo.

Normalmente, eles tentam se desculpar sobre o comportamento da criança. Porém, justificar-se não é o ideal, principalmente na frente do filho. Ao contrário do que possa parecer, a timidez não significa que a criança tem insegurança ou baixa autoestima. Esses rótulos, muitas vezes, são injustos, pois muitas crianças tímidas têm uma autoimagem sólida e são seguras de si. No entanto, tratar o fato de ser tímido como um defeito pode expor a criança a uma situação desagradável.

Porém, quando o filho se esconde atrás das pernas, demonstrando estar retraído, é compreensível que seus pais imaginem que há um problema mais sério. Normalmente isso não é motivo de preocupação. Uma criança tímida, mas com autoestima saudável, faz contato olho no olho, é educada e parece feliz consigo mesma. Ela apenas é quieta e demora a se abrir para estranhos.

Para ajudar o seu filho a superar a timidez, e consequentemente, se sentir mais à vontade em ambientes cheios, como festas e encontros, é preciso encorajá-lo e apoiá-lo a construir a sua autoimagem de uma forma positiva. Essa criança precisa de pais em quem possa confiar, que a valorizem, e não que a condicionem a se comportar de uma forma socialmente mais aceita. Por isso, é importante não a forçar a cumprimentar se ela não está à vontade para isso. O melhor é respeitar o tempo dela.

Até próximo aos dezoito meses, muitas crianças são espontâneas. Isso acontece porque nessa fase, além de estarem em processo de construção da própria identidade não tendo, portanto, a capacidade de perceberem o outro, agem antes de pensar, especialmente nas relações sociais. Exatamente nesse momento do desenvolvimento infantil, Lewis (1992) e Darwin (1991), observaram o surgimento das primeiras expressões de vergonha. Seria uma espécie de “nível zero” da vergonha, em que para senti-la, bastaria a mera exposição ao olhar alheio, traduzindo-se em gestos de acanhamento (baixar os olhos, encolher o corpo), no ato de esconder-se (atrás do adulto, por exemplo) e até mesmo, apresentando rubor das faces.

A partir daí e, especialmente até quatro anos de idade, elas passam por mudanças, inclusive percebendo que é possível abrir-se e contar algo para algumas pessoas e não para outras, o que conhecemos por “segredo”, e podem alterar o comportamento diante de pessoas que não conhecem ou não têm intimidade. O recuo social é um estágio normal de desenvolvimento.  Por esse motivo, antes de se desculpar com seus parentes, corar de constrangimento ou chamar um terapeuta comportamental, seja paciente. Dê incentivo e espaço para que seu filho se sinta seguro e confiante.

Saiba o que fazer para ajudar as crianças a encarar a timidez:

– Abrace o seu filho

Primeiro, reconheça que você tem uma criança sensível e profundamente carinhosa, mas que demora a se acostumar com estranhos e encara as relações sociais com cautela. Abraçar é um recurso muito poderoso e vai fazer com que o seu filho se sinta acolhido e apoiado em qualquer situação.

– Quanto mais você forçar, mais a criança tímida se retrai

É tentador querer ajudar a criança tímida. Mas tenha cuidado – quanto mais você incentivar, mais algumas crianças recuam. Você não pode tirar uma criança da timidez. É melhor criar um ambiente confortável que permita que sua personalidade social se desenvolva naturalmente.

– Não rotule as crianças

Nunca classifique uma criança como “tímida”. Ao ouvir isso, ela sente que algo está errado, e isso a fará se sentir mais tímida ainda. Se você precisar usar palavras para descrever seu filho, use “reservado” ou “discreto”. Esses são termos mais agradáveis ​​e precisos.

– Prepare o seu filho quando for a algum evento social

Diga à criança com antecedência para onde vão e como será esse evento – se terá música, muitas pessoas ou outras crianças. Você também pode dizer o que se espera dele em termos de comportamento, de uma forma simples e educada. Se a criança apresentar timidez, não a force a agir de forma diferente, espere o tempo dela para se sentir segura.

– Não exponha seu filho sem necessidade

Quando se trata de crianças tímidas, é melhor evitar pedir para que elas façam apresentações para quem não têm intimidade. Por mais que elas gostem de dançar e cantar em casa, pedir para que mostrem as suas habilidades, repentinamente, pode deixá-las assustada. Nessas situações, é melhor prepará-las com mais tempo, e elas vão se soltar à medida que o ambiente se tornar mais confortável. 

Por outro lado, oportunizar o contato da criança com a dança ou a música, por exemplo, especialmente se ela mostrar curiosidade poderá, naturalmente, auxiliá-la a expor-se gradativa e naturalmente, uma vez que essas modalidades de expressão, além de serem trabalhadas em grupo (o que evita que a criança tenha que lidar sozinha com essas situações), ainda associam elementos de alegria, interesse e prazer.

Também não podemos deixar de refletir sobre o fato de que dentro de cada criança, de cada ser humano de um modo geral, há um limite interior, o que Yves de La Taille chama de “fronteira da intimidade”, que para ele representa “um limite móvel cujo lugar esteja, o máximo possível, sob o controle do indivíduo e, em parte, espontânea, no sentido de corresponder a uma tendência natural da criança. Tanto a construção da personalidade como a conquista da autonomia passam pelo controle seletivo do acesso de outrem ao eu, pela construção de fronteiras da intimidade”.

Apesar de a construção dessa fronteira ser um processo natural, não significa que os pais e educadores não devam ajudar a criança a verbalizar e a se colocar diante de outras pessoas ou que devam desistir de ensiná-la certos padrões sociais. Mas eles precisam sim conhecer de maneira consistente sobre o limite interior de sua criança, no sentido de não expô-la a algo além do que ela tem condições de expressar-se em determinada fase de sua vida, afinal nem sempre falar de si, expor-se, traz bem-estar psicológico e muito menos se formos forçados a isso.

Paul Valéry proferiu em comentário bastante reflexivo: “só somos realmente íntimos das pessoas que possuem o mesmo grau de discrição que nós: o resto, o caráter, a cultura, o gosto, pouco importa”. Essa ideia nos leva a pensar sobre o quanto nossas ações podem dificultar e até mesmo bloquear a exteriorização por parte da criança, seja de suas ideias ou sentimentos, se o fizermos de tal forma, que ela se sinta invadida ou desrespeitada.

Nós adultos, conseguimos nos defender dessas invasões, porque construímos a fronteira definida por De La Taille, entretanto, as crianças precisam construir a sua e para tal, serem poupadas de ações que as levem a sentir-se mal, emocional e socialmente.

É importante observar ainda se os adultos que estão presentes na vida da criança, especialmente os que lhe representam amor e confiança, não só a estimulam a ser mais extrovertida, como também lhe dão modelos compatíveis com tal estimulação. Nessas situações, como em qualquer outra em que predominem ações educativas, o ditado “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”, não tem nenhuma eficácia. Uma criança que é estimulada a dizer bom dia, até logo ou a contar sobre como foi o seu dia, precisa ter modelos consistentes e coerentes com os estímulos que recebe e, essencialmente, com o que vivencia na prática.

Assim, antes de exigir dela, conte-lhe sobre como foi o seu dia, observe como você se comporta diante de certas convenções sociais e, principalmente a abrace, a respeite e a confirme como pessoa única que é!

*Por Rosana Marin: coordenadora da Educação Infantil do Colégio Marista Arquidiocesano, localizado em São Paulo (SP).

Bibliografia:

1.ed.La Taille, Yves, 1951-Limites: três dimensões educacionais / Yves de La Taille. – 1.ed – São Paulo: Ática, 2011. – (Palavra de Professor)

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