Educação em Foco: Celulares vetados nas escolas
Por Rafa Ella Pinheiro
O uso de aparelhos celulares no espaço escolar, especialmente nas salas de aula, alcançou o centro de intensos debates, motivados, sobretudo, por aspectos negativos que a utilização de smartphones pode afetar em todo o processo e desenvolvimento estudantil. O interesse em debater essa temática em âmbito nacional teve o seu início em 2015, com o Projeto de Lei 104/15, que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos (como celulares e tablets) em todos os anos da educação básica (do ensino fundamental ao ensino médio) nas escolas das redes pública e privada. O PL 104/15 foi aprovado no final de outubro último pela Comissão da Educação da Câmara dos Deputados e agora segue para ser analisado pela Comissão de Constituição, de Justiça e de Cidadania (CCJ). Para o projeto de lei se tornar lei federal, ainda será avaliado pelo Senado.
O interesse pela proibição dos aparelhos eletrônicos também surgiu em contextos estaduais. No início letivo deste ano, entrou em vigor um decreto assinado pelo prefeito Eduardo Paes que vetou a utilização dos aparelhos dentro e fora das salas de aula nas escolas da rede pública municipal do Rio de Janeiro. Em entrevista à CNN, Renan Ferreirinha, secretário de Educação do Rio de Janeiro, destacou efeitos positivos após implementação da medida, como por exemplo o aumento do foco dos alunos.
Em São Paulo, no início de novembro último, o Plenário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) aprovou o Projeto de Lei 293/2024 que veta o uso de dispositivos eletrônicos com acesso à internet por estudantes de escolas das redes pública e privada do Estado de São Paulo. A utilização será permitida apenas “quando houver necessidade pedagógica” e “para alunos com deficiência que requerem auxílios tecnológicos específicos”. O PL 293/2024 segue para sanção do governador Tarcísio de Freitas.
Para adentrar nas discussões que envolvem o tema, conversamos com a Luciana Soares Chagas, professora da licenciatura em Pedagogia da Universidade Veiga de Almeida e coordenadora de área do projeto Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da UVA na escola municipal São Tomás de Aquino (RJ). Confira abaixo a entrevista.
Direcional Escolas: Recentemente as discussões sobre o uso de celulares nas escolas reacendeu um debate sobre a funcionalidade do aparelho na escola, se ele é um vilão ou pode ser um agregador no processo de aprendizagem. Como você avalia esse debate?
Luciana Soares Chagas: O debate sobre o uso de celulares nas escolas reflete um dilema contemporâneo entre o potencial transformador das tecnologias e os desafios que ela apresenta em ambientes de aprendizagem. A meu ver, a questão central não é se os celulares são vilões ou aliados, mas como são integrados às práticas pedagógicas no ambiente escolar. Os aparelhos podem trazer distração, desigualdade, risco de ciberbullying e dificuldades de controle, mas permite acesso ao conhecimento de forma interativa e dinâmica, além de possibilitar personalização do aprendizado, aumento das habilidades digitais e o engajamento. O desafio sempre será equilibrar educação digital com políticas claras e o uso pedagógico planejado das tecnologias, com supervisão e diálogo. Para mim, celulares não são vilões nem aliados, mas, sim, uma ferramenta, que, dependendo de como usada, pode contribuir significativamente para aprendizagem ou criar barreiras. O foco deve estar na formação de uma cultura tecnológica consciente.
Direcional Escolas: Em um plano mais amplo, podemos afirmar que esse debate que reascendeu nos faz questionar, também, as formas como as metodologias pedagógicas estão sendo trabalhadas em sala de aula e até mesmo o interesse de alunos pelo conteúdo… ou pelo menos de como esse conteúdo é transmitido?
Luciana Soares Chagas: Sim. O debate traz reflexões sobre como as metodologias pedagógicas estão sendo empregadas e como influenciam o engajamento dos alunos com o conteúdo. A maneira como o conhecimento é transmitido pode impactar diretamente o interesse e a participação dos alunos. Um exemplo é a metodologia mais tradicional, baseada em aulas expositivas e centrada no professor, que pode não ser tão eficaz para atrair a atenção de um aluno hoje imerso em um mundo altamente digital e interativo. Por outro lado, a metodologia ativa como aprendizagem baseada em projeto, gamificação ou uso de tecnologia educativa pode tornar o aprendizado mais significativo ao conectar os conteúdos escolares com a realidade do aluno, estimulando, assim, sua curiosidade. Não é possível limitar o debate ao que está sendo ensinado, mas também como o conteúdo está sendo ensinado. Adaptar as formas de ensino para dialogar com os interesses e as necessidades dos jovens é uma realidade e um dos grandes desafios da educação contemporânea.
Direcional Escolas: De fato, estamos cada vez mais conectados aos aparelhos celulares e as funcionalidades que eles disponibilizam. A proibição de celulares nas escolas pode impactar positivamente o desempenho estudantil?
Luciana Soares Chagas: A proibição do uso do celular em escolas é um tema amplamente debatido. Alguns pontos são importantes e envolvem aspectos positivos e desafios. Precisamos focar no impacto desempenho estudantil. A proibição do uso pode reduzir distrições, melhorar o engajamento em sala de aula e ajudar no desenvolvimento de habilidades interpessoais. A ausência do celular incentiva a interação face a face. E o aumento do tempo dedicado aos estudos: sem o acesso imediato às distrações digitais, o aluno pode direcionar mais tempo e energia às tarefas escolares.
É importante ressaltar, entretanto, que a proibição completa do uso do celular pode trazer desafios. Celulares podem ser ferramentas pedagógicas valiosas quando usados corretamente. Permitem acesso a recursos educativos, pesquisas rápidas, aplicativos de aprendizagem interativos… A regulamentação do uso das escolas, com o estabelecimento de horários e finalidades especificas de uso, pode ser um caminho mais equilibrado e produtivo.
Direcional Escolas: Na sua análise, há impactos negativos no projeto de lei nº 293/2024 que proíbe o uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos por estudantes? Quais?
Luciana Soares Chagas: Acredito que, dependendo da forma como o projeto for adotado na prática, pode trazer alguns impactos negativos. A proibição pode acabar restringindo o uso de recursos pedagógicos modernos, como gamificação e aplicativos educacionais, e limitar práticas mais inovadoras. Muitos professores integram tecnologias como smartphone e tablet nas aulas para tornar o aprendizado mais dinâmico e interativo. As ferramentas digitais também permitem acesso rápido a conteúdos atualizados. Um segundo ponto seria a dificuldade de promover a educação digital. Um caminho pode ser o ensino do uso responsável da tecnologia, de forma ética e produtiva. A proibição também pode aumentar a exclusão digital, perpetuando a desigualdade educacional. Olhando para a relação entre familiares e crianças, o celular hoje é uma ferramenta importante na comunicação importante para acompanhamento do bem-estar dos filhos no período escolar. Uma proibição rígida pode causar ansiedade e dificultar a comunicação, particularmente em situações de emergência. Embora o projeto tenha intenção de melhorar o foco do estudante, uma proibição completa pode ser contraproducente se não for acompanhada de uma estratégia educativa. Acredito que o mais benéfico seria implementar uma política que regulamente o uso consciente e pedagógico do dispositivo, integrando-o de maneira equilibrada à rotina da escola.
Direcional Escolas: Se pudermos repensar a forma como o celular e outros dispositivos eletrônicos são utilizados em sala de aula, você acredita que esses aparelhos, se bem utilizados com ferramentas e metodologias direcionadas, podem ser auxiliares no processo de aprendizagem em sala de aula?
Luciana Soares Chagas: Quando utilizados de forma planejada e intencional, os dispositivos eletrônicos podem ser aliados poderosos no processo de aprendizagem. A integração em sala de aula depende de abordagem pedagógica que maximize benefícios enquanto minimize possíveis distrações. Dispositivos eletrônicos podem permitir o acesso a conteúdos diversificados, atualizados, multimídia e em tempo real; a bibliotecas digitais. Isso enriquece a aprendizagem, que pode ser personalizada, por meio de aplicativos e plataformas educacionais usados para atender a diferentes estilos e ritmos de aprendizagem. O aluno pode avançar de forma individualizada. O engajamento e a interatividade obtidos com jogos educacionais digitais e quizzes, por exemplo, são fantásticos. Tudo isso aumenta o interesse do aluno e torna o aprendizado mais dinâmico e efetivo. O desenvolvimento das habilidades digitais no mundo atual é essencial, e o dispositivo em sala de aula pode ajudar a desenvolver competências de pesquisa, análise crítica e colaboração digital. Como ferramentas de colaboração, temos aplicativos como o Workspace do Google, o Teams da Microsoft e outros, que permitem que alunos trabalhem em equipe à distância, promovendo cooperação e aprendizado em grupo. Tecnologias assistivas presentes nos dispositivos, como ampliação de texto, leitor de texto e tradutor, também podem ajudar alunos com necessidades especiais. É preciso acompanhar se o uso não está sendo direcionado para redes sociais e jogos fora do contexto educativo. Outro ponto é que nem todos os alunos têm acesso aos mesmos recursos, o que pode gerar desigualdades. Há que se ter um grande cuidado. Na formação dos professores, é necessário capacitá-los de forma eficiente e alinhada. Se usados corretamente, dispositivos eletrônicos podem transformar a sala de aula em um espaço mais inovador, participativo e conectado com o mundo real. O segredo está no equilíbrio entre o uso da tecnologia e o foco pedagógico.
Saiba mais:
Projeto de Lei n. 104/15 – https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2814554&filename=Avulso%20PL%20104/2015
Projeto de Lei n. 293/2024 – https://www.al.sp.gov.br/spl/2024/04/Propositura/1000549285_1000689688_Propositura.pdf