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Guia para Gestores de Escolas

Educação Infantil – O letramento na Educação Infantil: uma prática significativa através da pedagogia de projetos

Matéria publicada na edição 12 | janeiro 2006 – ver na edição online 

Por Izabel Cristina Feijó de Andrade e Marilene Furtado

O propósito deste artigo é apresentar o resultado de uma investigação sobre as reais possibilidades de um processo de letramento acontecer através da Pedagogia de Projetos tornando, assim, a aprendizagem significativa e interdisciplinar na Educação Infantil. A pesquisa ocorreu no Colégio Alternativo Talismã, em São José. Este tema surgiu da necessidade de propor uma reflexão sobre o desenvolvimento da leitura e da escrita nos primeiros anos da criança, procurando desmistificar a problemática educacional deste assunto. Ao mesmo tempo, propôs algo possível e viável como um novo jeito de caminhar, de maneira ousada e criativa em relação ao letramento.

Tradicionalmente, a investigação sobre alfabetização tem revelado o fracasso de um sistema linear mecanicista que não atende mais as necessidades básicas da criança do século XXI. A alfabetização da criança na fase inicial da história tem sido determinada pela reprodução e a memorização de letras de maneira fragmentada e descontextualizada da realidade em que estão inseridas. Esta prática se pauta, ainda, em livros didáticos e cartilhas que são os instrumentos palpáveis que trazem passo a passo o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças sem levar em conta sua história, cultura e o mundo letrado.

Portanto, é necessário mencionar que esta práxis já se encontra ultrapassada pelo fato de não atender com eficiência as novas necessidades das crianças. Além do mais, quando se entende a criança como um sujeito ativo e pensante, que traz consigo toda uma bagagem cultural, é possível perceber que a dinâmica da alfabetização exige criatividade e eficiência, levando em consideração todas as dimensões da criança, ou seja, a social, a afetiva, a cognitiva e a motora.

O processo de letramento corresponde ao produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas. Portanto, acredita-se que, nas sociedades urbanas modernas, não existe grau zero de letramento, pois as pessoas, em todos os momentos, participam, de alguma forma, de algumas dessas práticas. Ou seja, desde pequenas estão em contato com a linguagem escrita por meio de seus diferentes portadores de texto, como livros, jornais, embalagens, cartazes, placas de ônibus, etc., iniciando-se no conhecimento desses materiais gráficos antes mesmo de ingressarem na instituição educativa, não esperando permissão dos adultos para começarem a pensar sobre a escrita e seus usos. A partir destas práticas, as crianças começam a elaborar suas hipóteses sobre a escrita e, dependendo da qualidade das suas intervenções com esse objeto do conhecimento, mais rapidamente evoluirão seus conceitos sobre a prática social de escrita convencional.

O letramento é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. Desta forma, possibilita às crianças competências literária e lingüística e seu objetivo central de ensino e de aprendizagem é torná-las leitoras e escritores competentes. Segundo Soares (1998, p. 45):

Alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já um indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente as demandas sociais de leitura e de escrita.

Surge então a necessidade de as escolas repensarem o seu papel social. Não apenas alfabetizar. Não apenas fazer com que o sujeito permaneça na escola por mais tempo. Mas dar qualidade a esse tempo de permanência nas escolas, ou seja, letrar as crianças. Pois, o letramento possibilita que o sujeito modifique as suas condições iniciais, sob os aspectos social, cultural, cognitivo e até mesmo econômico. Diante disso, questiona-se: de que modo articular nos projetos de trabalho a possibilidade do letramento da criança?
Aprender uma língua não é somente aprender as palavras, mas também os seus significados culturais, por meio de um trabalho com a linguagem oral e escrita, constituindo-se num dos espaços de ampliação das capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao mundo letrado pelas crianças.
Diante do exposto, o letramento se focaliza nos aspectos sócio-histórico em que a história das crianças, suas experiências e seus conhecimentos prévios são valorizados pelo professor.
Dentro da perspectiva do letramento, a interação pela linguagem materializa-se em textos orais e escritos. Por isso, trabalhar com o letramento em projetos pedagógicos é aperfeiçoar a prática social e da interação lingüística, através do desenvolvimento das habilidades do aluno de falar e ouvir, escrever e ler, em diferentes situações discursivas, devendo ter como unidade básica o texto. Não se pode considerar a leitura como algo mecânico, fragmentado, desvinculado da realidade da criança, mas sim, como afirma Smolka (1985, p. 28), é preciso perceber:
[…] a atividade da leitura como forma de linguagem, originária na dinâmica das interações humanas, portanto de natureza dialógica que, em processo de emergência e transformação no curso da história, marca os indivíduos e configura as relações sociais […].

Desta maneira, iniciar uma criança no mundo da leitura torna-se um ato de relevada importância, já que os primeiros contatos se tornarão as referências mais profundas e, porque não dizer, determinantes, que nortearão sua vida como leitora. É neste sentido que a instituição escolar tem um papel relevante na orientação de todo processo de ensino, contribuindo para a mudança de concepções, estabelecendo atitudes específicas e práticas para o desenvolvimento da leitura.
O trabalho pedagógico, aliado à leitura como fonte de saber e prazer irá indicar um mundo maravilhoso, onde imaginação, diversão e criação estarão presentes no processo de desenvolvimento da criança. Ele surge com a ajuda de “mediadores” e que, aos poucos, será descoberto e cultivado à medida que os livros forem apresentados às crianças, em situações prazerosas, destituídas de obrigatoriedade. Para Silva (1985, p. 67):

A leitura constitui-se na principal dieta nutricional para o crescimento criativo do indivíduo. Optar pela leitura consciente e crítica de uma determinada obra já significa um desejo de sair da rotina robotizante, da pressão conformista que a sociedade de consumo tenta nos impor a todo momento. Por outro lado, a criatividade, para ser praticada, exige conhecimento e imaginação, e o que há de melhor, por exemplo, do que uma boa obra literária para transmitir conhecimentos e ativar nossa imaginação?

Assim, o ato de ler permite o enriquecimento do vocabulário, a aquisição de conhecimentos ortográficos e estruturais da língua que se utiliza. Pode proporcionar, também, ao leitor o lazer e o entretenimento. A leitura permite às pessoas o exercício da cidadania. Sendo assim, é uma das principais aberturas do ser humano para com o mundo. “Por leitura se entende toda a manifestação lingüística que a pessoa realiza para recuperar um pensamento formulado por outra e colocado em forma de escrita”. (CAGLIARI, 1997, p. 155).
Partindo da constatação de que a leitura é um ato libertador e fundamental para a vida das crianças, a instituição educacional tem que reconhecer sua importância e ressaltar a sua necessidade no processo de ensino e aprendizagem. Para isso, é preciso rever os meios mais adequados para despertar o interesse da criança pela leitura logo que chega à instituição educacional.

ORGANIZAÇÃO DOS PROJETOS NO GRUPO

1. Escolha do tema
O tema surgiu no momento da roda da novidade quando uma criança trouxe de sua casa uma fita de vídeo do “Sítio do Pica-pau-amarelo”. Então fomos para a sala de vídeo assistir e no momento em que apareceu o saci-pererê, as crianças demonstraram um grande interesse em saber mais sobre ele, quem era ele, o que estava fazendo no sítio do pica-pau-amarelo, se ele era mesmo malvado, porque fumava cachimbo e se ele poderia desaparecer do sítio e aparecer ali na escola. Houve um bombardeio de perguntas. Durante toda a aula sempre tinha alguém falando no saci-pererê. No dia seguinte, para minha surpresa, duas crianças ao chegarem na escola avistaram no telhado da área coberta da escola algo vermelho. Elas ficaram muito agitadas, chamaram todas as outras e começaram a dizer que o saci estava na escola e tinha deixado uma pista no telhado. Fui para casa pensativa, pois as crianças já sabiam o que queriam estudar. Então confeccionei um boneco do saci-pererê, coloquei em uma caixa surpresa e foi assim que surgiu o projeto “Cadê o saci que passou por aqui?”.

2. Início do Projeto
Após a escolha do tema “Cadê o saci que passou por aqui?”, passamos a desenvolver a organização do projeto fundamentado na transdisciplinaridade. A professora fez uma dinâmica que envolveu todas as crianças num clima de suspense que gerou muita curiosidade. Ela pesquisou e escreveu uma história envolvendo os personagens do sítio do pica-pau amarelo juntamente com o saci-pererê, e passou a questioná-los: o que será que tem nesta caixa? Será que se mexe? Será que fala? Ou será que não? As crianças ficaram em volta da caixa falando muito e demonstrando muita curiosidade. E, para surpresa de todos, da caixa começou a sair um barulho e as crianças pararam para escutar. Quando se aproximaram mais ouviram uma voz que dizia: “me tira daqui”.
A partir desse momento, traçamos metas e objetivos que sustentariam um caminhar significativo rumo a novas possibilidades no ato educativo.

3. Coleta das Informações
Após a dinâmica com a caixa surpresa descrita anteriormente, iniciamos o trabalho dentro de um processo intencionalmente planejado, criando situações significativas que vinham ao encontro do interesse das crianças.
Assim, a coleta de dados deu-se da seguinte maneira:
– Leitura de livros com histórias referentes aos personagens do folclore.
– Fitas de vídeo demonstrando a vivência no sítio do pica-pau-amarelo.
– Fantasias criadas através da comunicação com o saci-pererê.
– Músicas infantis envolvendo situações contextualizadas nas histórias contadas.
– Brincadeiras e cantigas de rodas envolvendo os personagens das histórias.
– Produção de livros infantis com as crianças.
– Oficinas de pintura, sucata, origami, massa de modelar, argila, visando alcançar os objetivos propostos.
– Desenvolvimento da linguagem, da leitura e da escrita.
Assim, passou-se a observar o quanto as crianças evoluíram, pois levantavam hipóteses, imaginando possibilidades e criando momentos de grandes descobertas.

4. Avaliação
A avaliação aconteceu durante todo o processo, levando em consideração a observação e as ações desenvolvidas pelo aluno, seu envolvimento, interesse e organização das idéias em torno da problemática, onde se utilizou o processo-fólio como instrumento mediador.

5. Apresentação dos Resultados
Aconteceu através de uma exposição dos materiais confeccionados, das produções textuais e apresentações de um teatro. Para analisar os dados desta pesquisa, foi necessário resgatar as categorias de assunto que pautaram a sua fundamentação teórica. Tendo como referência os dados coletados durante a investigação, pretendeu-se com este estudo investigar as reais possibilidades de um processo de letramento acontecer através da Pedagogia de Projetos, tornando assim a aprendizagem significativa e interdisciplinar. Para tanto, organizou-se a análise contemplando algumas categorias de assunto com a intenção de contribuir e ampliar a discussão da temática.

Considerações finais
A Pedagogia de Projetos contempla toda uma prática pedagógica consciente e contextualizada, isso porque foi possível perceber que a professora buscava administrar conteúdos significativos e transdisciplinares fazendo com que as crianças relacionassem esses conteúdos ao seu cotidiano. Isso contribuiu de forma significativa e facilitou a apropriação do conhecimento por parte das crianças, já que todas as propostas de trabalho tinham uma intencionalidade.

Vygotsky (1991) enfatiza que o conhecimento é socialmente construído pela e na mediação de outros sujeitos mais experientes através de um processo de interação verbal. Assim, não há construção do conhecimento sem uma interação de qualidade que conduza os sujeitos para a ampliação do saber. Esta base teórica esteve presente na prática pedagógica utilizada durante as intervenções, pois ficou evidente o quanto a professora investigada investe na aprendizagem significativa através de uma prática interdisciplinar.

A Aprendizagem Significativa evidenciou-se na práxis pedagógica, pois a mesma ocorreu de forma dinâmica e criativa, com uma grande variedade de materiais pedagógicos, tais como: teatro, vídeo, músicas, revistas, material dourado e alfabeto móvel, entre outros. Neste período foram confeccionados diversos jogos que envolveram as crianças e ajudaram na apropriação da leitura e da escrita, alguns relacionados a área da língua portuguesa e outros a área da matemática.

Para Fazenda (1994) a interdisciplinaridade caracteriza-se pela articulação entre teorias, conceitos e idéias, em constante diálogo entre si; é uma atitude, uma ação diante do conhecimento (…) “ que nos conduz a um exercício de conhecimento: o perguntar e o duvidar” (p. 28). Esta postura favorece a articulação horizontal entre as disciplinas numa relação de reciprocidade e, ao mesmo tempo, induz a um aprofundamento vertical na identidade de cada disciplina, propiciando a superação da fragmentação do conhecimento.

A interdisciplinaridade ficou evidente em todas as práticas propostas pela professora investigada, pois os conteúdos eram organizados e desenvolvidos através de projetos pedagógicos desenvolvidos de forma interdisciplinar. Este termo é utilizado para “(…) caracterizar a colaboração existente entre disciplinas diversas ou entre setores heterogêneos de uma mesma ciência e caracteriza-se por uma intensa reciprocidade nas trocas, visando um enriquecimento mútuo”. (FAZENDA, 2002, p. 41).

Outro ponto que se pode considerar é a avaliação que era feita a partir do que a criança já conhecia, considerando todo processo de desenvolvimento. Os instrumentos utilizados na verificação da aprendizagem eram suas produções textuais individuais ou coletivas, organização do caderno, criatividade e envolvimento na abordagem dos assuntos discutidos. Assim, pode-se dizer que o conteúdo contextualizado e significativo proporciona uma prática inovadora e necessária no século XXI. Segundo Morin (2002, p. 47):

A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana. Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encontrem. Estes devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo o que é humano.

Assim, pode-se considerar que os professores precisam estar conscientes da realidade em que estão inseridos, recorrendo ao espírito transdisciplinar para provocar nas crianças o gosto pela concepção de novos saberes e a busca por situações complexas que tragam momentos de reflexões e atitudes que promovam mudanças e transformações nas relações sociais.

Desta forma é necessário pensar em novas posturas para a educação, vista como um novo papel social, sendo capaz de eleger e trabalhar as competências necessárias às crianças, sujeitos do século XXI. Portanto, trabalhar com a pedagogia de projetos visando a questão transdisciplinar é possibilitar este aprendizado, pois ele é o fruto da experiência reflexiva, de uma prática no âmbito das tomadas de decisões e das resoluções de problemas, fundamentada nos pilares da educação e internamente ligados com uma prática pedagógica comprometida com o desenvolvimento integral do sujeito envolvido.

Referências Bibliográficas

CAGLIARI, L.C. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione, l997.
FAZENDA, I. Novos enfoques da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, l993.
Fazenda, I. C. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas, SP: Papirus, 1994.
FAZENDA, I. C. A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologias. 5.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
HERNANDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas, l998.
MORIN, E. Os sete saberes necessários a educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. São Paulo: Autentica, l998.
SMOLKA, A.L.B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez, l996.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, l99l.

Izabel Cristina Feijó de Andrade é Professora Mestre em Educação, especialista em Metodologia de Ensino e graduada em Pedagogia pela UFSC, atualmente leciona para o curso de pedagogia da UNIVALI e da UDESC. É Diretora do Colégio Alternativo Talismã em São José, Santa Catarina. Trainer I pelo ICELP – International Center for the Enhancement of Learning Potential – Israel. consultora trainer do SENAC/SC. Coordenadora da Mediação Consultoria em Assuntos Educacionais e orientadora deste projeto.
Marilene Furtado é Pedagoga em Educação Infantil e Séries Inciais pela UNIVALI, Professora do Colégio Alternativo Talismã. Pesquisadora na área da Educação Transdisciplinar na Educação Infantil.

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