Ensino Superior
Matéria publicada na edição 06 | julho 2005 – ver na edição online
Para onde caminha a universidade
O insignificante número da população jovem brasileira na universidade suscitou o projeto da reforma universitária e intensos debates sobre suas propostas.
Raras vezes se viu tantas discussões em torno de um tema. O projeto de lei da reforma universitária tem suscitado controvérsias e debates entre segmentos da sociedade civil, o governo e as instituições privadas de ensino superior. O projeto visa fortalecer a universidade pública e democratizar o acesso ao ensino superior. Os números confirmam a necessidade de modernização e mudanças no sistema de ensino superior. Hoje, apenas 9% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos está cursando o ensino superior, número bem abaixo da Argentina, que tem 32%, dos Estados Unidos, com 50%, e do Canadá, com 62%. Até na comparação com números de países pobres o Brasil perde. A Bolívia tem 20% da população jovem na universidade, segundo dados de Carlos Monteiro, presidente da CM Consultoria e especializado em gestão universitária.
E se há poucos jovens na universidade, a maioria freqüenta instituições particulares. O sistema privado da educação brasileira é responsável por 71% das matrículas no ensino superior, com mais de 2,7 milhões de alunos, mais de 170 mil professores e cerca de 140 mil funcionários administrativos. Conforme o MEC (Ministério da Educação e Cultura), o Brasil transformou-se no país com maior participação privada no ensino superior no mundo. O governo quer reverter este processo e ampliar a participação do setor público na educação superior. A meta é criar novas universidades públicas, chegando a 2008 com 40% das vagas do ensino superior representadas pelas instituições estatais. O número foi divulgado pelo ministro da Educação, Tarso Genro, no 19º Fórum de Debates do Projeto Brasil. O encontro, organizado pela Dinheiro Vivo Agência de Informações, reuniu, além do ministro, representantes do MEC e das universidades públicas e particulares para discutir a reforma da universidade brasileira.
Mas, o ministro frisou no encontro que a idéia é ter um sistema de ensino superior que incorpore tanto as universidades públicas quanto as privadas. “Não temos uma visão de que o sistema privado atrapalhe. Temos tido uma contribuição enorme do setor particular. Negociamos e vamos continuar negociando com esse segmento”, considerou, completando que o governo rebate apenas a cultura oportunista infiltrada em algumas instituições do setor privado.
Com o sistema de bolsas garantido pelo ProUni – Programa Universidade para Todos (que cria condições para facilitar o acesso de estudantes carentes ao ensino superior) e a capilarização das universidades públicas pelo País, o governo pretende, em quatro anos, aportar mais 20% de alunos de baixa renda para o terceiro grau. O objetivo é que o Estado brasileiro promova políticas efetivas que garantam o acesso de jovens de baixa renda ao ensino superior, expandindo as Instituições Federais de Ensino Superior para regiões que careçam de escolas superiores, criando vagas públicas nas universidades não estatais e privadas e ampliando os cursos noturnos nas universidades públicas já instaladas. O desafio da inclusão social é um dos temas centrais da reforma. “Há um processo de universalização do ensino superior no Brasil. Os campi vão para as regiões mais pobres, que não têm ofertas de vagas, nem públicas, nem privadas. E, se têm universidades privadas, as vagas não são preenchidas pelo baixo poder aquisitivo da população”, afirmou o ministro. Além de conduzir os alunos carentes até a universidade, é preciso garantir que eles concluam seus cursos. Conforme o ministro, há uma grande evasão de alunos que chegam aos cursos mais tradicionais e concorridos (como Medicina, Odontologia e Engenharia) através do ProUni. “Ofereceremos quatro mil bolsas permanência por ano, para estimular a permanência desses jovens na universidade”, afirmou.
O projeto de lei propõe novos tipos de instituições: as consorciadas e as comunitárias. O sistema de consórcio irá integrar sistemas municipais, estaduais e federais. Numa universidade consorciada, a federação contrata funcionários e corpo docente, o estado entra com o prédio e a infra-estrutura interna e o município pode colaborar com a segurança. “É uma inovação que permite uma flexibilidade na expansão do ensino superior privado”, explicou o ministro. Já as instituições comunitárias são pequenos centros de caráter regional, que surgiram para substituir a presença do estado, mas não são instituições privadas típicas.
Para o consultor Carlos Monteiro, a participação do setor privado no ensino superior é inevitável. “O Plano Nacional de Educação estabelece uma meta para 10 anos: aumentar o número de jovens na universidade de 9% para 30%. Mas, a universidade pública não tem como suportar tudo. A inclusão depende também de um sistema de financiamento que permita um acesso maior para as populações oriundas das classes C, D e E ao ensino superior privado”, avalia. Apesar da participação expressiva, o setor privado convive com críticas a sua expansão.
“Expressões infelizes, como instituições caça-níqueis, devem ser deixadas de lado. Escolas com finalidade lucrativa estão previstas na lei. Quem aprova os cursos e estabelece os critérios para sua análise é o próprio ministério, o governo de um modo geral. Na verdade, é o particular que resolve o problema do público”, sustenta Monteiro.
Avanços
O MEC propôs o debate da reforma universitária em março de 2004. “Começamos a discussão da reforma com um documento chamado Fundamentos. Ele suscitou muitas hostilidades. Após uma grande rodada de discussões, publicamos a primeira versão do projeto, em dezembro de 2004, ainda recebida de maneira tensa”, comentou o ministro Tarso Genro. Na opinião do ministro, a segunda versão do documento, apresentada em maio passado, buscou um consenso para as questões mais polêmicas. Depois de uma terceira versão, o MEC redigirá então o projeto final que será entregue no final de julho ao Presidente da República, para então ser enviado ao Congresso. “Uma reforma sem adversários seria uma reforma neutra”, diz.
Um dos pontos mais discutidos tem sido a criação dos conselhos de desenvolvimento social, aprimorados na nova versão para conselhos consultivos da sociedade civil. Para o ministro, a criação do conselho é uma maneira de deixar transparentes relações que já ocorrem nas instituições de ensino, respeitando-se a autonomia da universidade, garantida constitucionalmente. “O conselho é vinculado ao reitor. Ele será o mediador com a sociedade civil”, afirma. Para o consultor Carlos Monteiro, o conselho é uma interferência indevida. “Em que setor da economia existe isso? Uma empresa particular, que investe no seu negócio, não pode estar sujeita a relatórios emitidos por um grupo, cujo interesse é conflitante com o do dono”, finaliza.
Para quem é feito o ensino superior privado?
Hoje, 45% dos alunos matriculados no ensino superior têm renda familiar de até cinco salários mínimos, informa o consultor Carlos Monteiro, especializado em gestão universitária. “O sonho de consumo da classe C é um diploma universitário para pelo menos um dos membros da família. O grande problema está no foco das instituições. A maioria das universidades faz projetos para atender o mesmo segmento, só que o crescimento das classes A e B é meramente vegetativo”, diz. “Quando pensamos numa mensalidade de R$ 350, quem pode pagar é o público da classe A e B. Obviamente isso gera uma taxa de inadimplência maior”, completa Monteiro.
O segmento das instituições de ensino superior particulares tem uma inegável representatividade na educação brasileira mas sofre, ainda, de uma falta de conscientização coletiva. “Há diversas associações representativas e cada uma quer resolver o seu problema. Não há uma linha de conduta comum”, afirma o consultor. Em sua opinião, com relação à reforma universitária proposta pelo governo, foi a primeira vez em que todas as representações do ensino superior privado se uniram, através do Fórum Nacional da Livre Iniciativa na Educação.
Para Monteiro, criou-se um estigma que o ensino superior particular é ruim, mas o problema está no ensino básico. “A mídia carimbou o ensino privado de um ensino ruim. O problema é que os alunos mais bem preparados, que estudam em colégios de ensino médio particulares, se direcionam para as melhores faculdades públicas. Existem ilhas de excelência entre as públicas, e os melhores alunos vão para elas. As faculdades particulares recebem muitos alunos com um nível de conhecimento sofrível, enquanto planejam receber alunos com ótimo nível”, justifica.