O debate político nas escolas
Colunas e Opiniões
“Manifestações acaloradas contra o Estado – que não estaria dando aquilo que entendemos ser nosso direito – podem nos levar a refletir sobre o papel de pais e educadores que assumimos. Sim, pois muitos jovens – a maioria deles, nossos alunos ou filhos – estão lotando ruas a partir de uma percepção de mundo, de sociedade e de realidade. E o que temos que ver com isso?”
Muitos questionamentos aparecem quando situações novas ou inesperadas nos surgem pelo caminho. É o que acontece agora, quando as pessoas de repente resolveram sair às ruas para protestar. Manifestações acaloradas contra o Estado – que não estaria dando aquilo que entendemos ser nosso direito – podem nos levar a refletir sobre o papel de pais e educadores que assumimos. Sim, pois muitos jovens – a maioria deles, nossos alunos ou filhos – estão lotando ruas a partir de uma percepção de mundo, de sociedade e de realidade. E o que temos que ver com isso? De que maneira podemos contribuir com eles? E como podemos orientá-los nesta hora?
Ponto de partida
Na semana passada, fui procurado por um aluno de 18 anos, que veio pedir uma orientação. “Algumas dicas”, dizia ele. Na verdade, ele queria saber mais sobre participação política. Mais precisamente, estava preocupado com sua percepção acerca do movimento e com a incapacidade (que já constatara) de discorrer sobre a política e os aspectos que podem ter motivado tão repentina agitação social. “Não tenho uma opinião formada. Às vezes, parece que os outros conseguem entender e eu não. Acabo não tendo alternativa senão seguir os demais. Muitas vezes, me pego repetindo falas que nunca foram minhas. Isso me incomoda demais”, disse.
Iniciamos um diálogo pensando um pouco no que significa política. Preferi um tom informal e lhe falei dos gregos antigos e sobre como viam a participação das pessoas nos destinos da cidade. Falamos um pouco da democracia ateniense e sobre a velha história da polis, a cidade-estado grega. Expliquei que o termo “político” significava aquele que participava, e, por isso, decidia diretamente sobre os destinos da cidade. A palavra político seria, então, o mesmo que cidadão, algo como um “sócio da cidade”.
Não foi difícil para ele perceber que a participação em algo tão grande quanto os destinos da cidade depende de conhecimento. E como afirmava Aristóteles, “somos competentes à medida que nos preparamos bem, e construímos nossas virtudes pelo hábito”. Assim, ser um cidadão requer atenção, interesse, pensamento no bem-estar coletivo e, é claro, repertório. Ninguém produzirá boas análises ou transformações sem conhecimento. As coisas não acontecem por acaso.
Ser cidadão
Nossa conversa se encaminhou, como não poderia deixar de acontecer, para a visão mais realista da política. Aquela que vê nas estruturas do poder o objetivo central dessa dinâmica. Ainda que tenhamos fins salutares e bem intencionados, não podemos permitir que tais objetivos se percam pela falta de habilidade e capacidade de nos impormos no jogo político. E ele se lembrou de uma aula de Filosofia em que foi dito que a política está em praticamente todas as relações humanas.
Temas contemporâneos e até questões como a israelo-palestina vieram à tona. Muita discussão e poucos conselhos. Ao final, constatou-se que maior atenção aos jornais e curiosidade em relação a conceitos essenciais da política eram fundamentais. Lembrei-lhe que modéstia e disposição são as melhores armas quando se quer vencer o desconhecimento. Ao se despedir, prometeu-me que leria dois ou três textos indicados além dos jornais diários. E combinamos retomar aquela discussão no próximo mês.
O Brasil do Séc. XXI
Quando se foi, comecei a pensar no que poderia estar acontecendo na cabeça dos jovens que tomam as ruas. Que tipo de consciência eles podem ter neste momento? Será que as coisas acontecem mesmo de maneira tão rápida? O que os teria despertado? Será que despertaram mesmo? E, mais que tudo, com o que nós educadores temos contribuído para tudo isso?
Nossas escolas, no afã de criar um imenso repertório científico, estarão favorecendo de fato a reflexão e a politização? Penso, muitas vezes, que o desejo de tornar nossos educandos mais preparados para o mercado pode até os estar tornando mais individualistas e egocêntricos. (Por um instante me veio a palavra idiota, que na Grécia antiga significava o indivíduo que não era dado à participação política e vivia ensimesmado e preocupado com puros interesses individuais.)
Talvez a inquietação do garoto me contagiou tanto que comecei a rever minhas falas, minhas notas de aulas e, pasmem, até alguns trabalhos para os quais havia atribuído notas altas e que, agora, sinceramente, me deixavam em dúvida.
A política na ação de pais e educadores
O que estamos fazendo em nossas salas de aula, nas mesas de almoço ou em nossos escritórios? Quando nossos filhos ou alunos nos dão a impressão de estarem pouco antenados com o mundo, é comum lamentarmos e dizermos que estão se deixando levar por valores efêmeros e irrelevantes. Questionamos suas preferências na arte e nos entretenimentos em geral. Levantamos a possibilidade de estarem se alienando e se afastando das questões cruciais da sociedade.
Mas, o que temos feito para que tal situação não ocorra? Para o quê os estamos seduzindo de verdade? Podemos garantir que suportaríamos jovens questionadores invadindo nossas certezas, em casa ou nas escolas?
Talvez o jogo alienante de que acusamos a mídia e o consumo nos interesse muito mais do que nos damos conta. Pode ser que a falsa tranquilidade nos esteja aliciando muito mais do que a possibilidade de fazermos uma história diferente. Quem sabe a sociedade não seja mero reflexo de nossa opção por um comodismo disfarçado de sobriedade?
Ao pensar em tudo isso e rever muito de minha trajetória de pai e professor, me vem à mente a última frase do jovem ao se despedir. “Obrigado, professor! Já está na hora de eu levar a vida mais a sério”.
Por Prof. João Luiz Muzinatti*
Prof. João Luiz Muzinatti é Mestre em História da Ciência. Engenheiro, é também professor de Matemática, Filosofia e Ciências em nível de graduação, pós-graduação, e Ensino Fundamental e Médio.
Atua ainda como diretor do ABC Dislexia (com atendimento a alunos, consultoria, cursos e palestras em Educação), além de consultor do MEC (Ministério da Educação) em Filosofia para a TV Escola – programas “Acervo” e “Sala de Professor”. Foi diretor do Colégio Santa Maria, em São Paulo; coordenador pedagógico do Colégio Franciscano Pio XII (também em SP); e diretor do Espaço Ágora – Terapêutico e Educacional.
Trabalhou como engenheiro daFlender Latin American – consultor no Chile, e escreveu e lançou o livro de poesias “Inventário de mim” (Ed. Scortecci) .
Mais informações: [email protected] ; www.abcdislexia.com.br