“O principal desafio da educação é criar um sistema em que a instituição tenha como única prioridade servir e melhorar no atendimento ao aluno”, diz fundador de escola
A educação destaca, sobretudo na atualidade, diversas reflexões acerca da pluralidade e da qualidade no processo educacional. Nessa perspectiva, pensando em novas (outras) propostas de ensino, conversamos com o norte-americano Jeremy Rossmann, fundador da Make School – escola de programação e engenharia de softwares cuja sede fica em São Francisco, Califórnia. O empreendedor é um dos principais nomes no cenário de edtechs global e muitos alunos da Make School hoje estão nas equipes de gigantes como Google e Facebook.
A ideia da Make School é ser uma graduação na qual o aluno não paga até conseguir um emprego. “Na Make School criamos um sistema no qual não ganhamos dinheiro a menos que os alunos tenham empregos – isso traz muita pressão sobre nós – e também coletamos feedbacks quinzenais dos alunos para que possamos aprender como melhorar”, destaca o fundador. O Jeremy é um nome referência em inovação na educação superior e os alunos da Make School competem diretamente com alunos do MIT e Stanford.
“O maior desafio do Ensino Superior – ou da educação em geral de todos os países – é que o sistema tem sido tão engessado muito tempo. As pessoas tratam o sistema educacional como algo que sempre foi assim e sempre será. Eu acho que o maior desafio é mudar isso e dizer: talvez a resposta certa seja diferente para diferentes países, diferentes regiões, diferentes alunos ou escolas”, ressalta.
Jeremy Rossmann estará em São Paulo, no dia 25 de outubro, participando do evento Quero Captação, um dos maiores do mercado B2B educacional oferecido pela edtech Quero Educação. O evento é destinado apresentar e discutir ideias para a modernização do ensino brasileiro em suas mais variadas frentes. É parada obrigatória para gestores de Ensino Superior, Educação Básica, Cursos Livres e Escolas de Idiomas, além de executivos do setor (Reitores, Pró-reitores, C-level e Diretores).
Confira abaixo uma entrevista com Jeremy e suas reflexões sobre a criação e os diferenciais da Make School, a educação superior e seus desafios, a relação entre o ensino no Brasil e os Estados Unidos, e a importância de repensar os processos educacionais.
Direcional Escolas: Qual foi a sua maior motivação para criar a Make School?
Jeremy Rossmann: Acima de tudo, meus alunos. No entanto, acho que foi a combinação de alguns fatores diferentes: o primeiro foi a minha experiência como estudante de computação no MIT, onde o currículo era tradicional. A grade não foi atualizada durante muitos anos e o conteúdo não era relevante para o que eu queria fazer na área de Ciência da Computação. Durante o Ensino Médio, tive a oportunidade de ter um grupo incrível de professores de Ciência da Computação cujas aulas eram muito focadas em projetos. Foi lá que conheci de fato a área e me animei, pois estava trabalhando com meus projetos próprios.
Quando cheguei a um ambiente mais tradicional, como a universidade, foi mais difícil. Coincidentemente, foi o mesmo ano do lançamento da AppStore, o ano em que adolescentes poderiam criar seus próprios aplicativos. Comecei a trabalhar com um colega para um app de iPhone e percebi que passei mais tempo desenvolvendo o aplicativo do que em minhas aulas em si. Vi que o Ensino Superior havia perdido a oportunidade de ensinar Ciência da Computação de uma forma mais apaixonante e mais integradora. Essa foi uma das minhas maiores motivações.
Há outro ponto, mais estrutural: a educação norte-americana passa por uma crise financeira. As universidades são muito caras e não se arriscam muito, enquanto os alunos possuem dívidas enormes. Minha segunda motivação foi, portanto, mudar essa questão estrutural de uma forma que pudesse evoluir as habilidades de todos os estudantes vindos de diferentes níveis sociais e ampliar o acesso a uma boa educação. Criar um cenário onde escola é quem corre o risco, e não o aluno. Essas foram, basicamente, minhas principais motivações.
Direcional Escolas: O que os pais acham da proposta da escola?
Jeremy Rossmann: Então, isso muda muito ao longo dos anos. Há quatro ou cinco anos era mais comum para os pais serem uma oposição quando os filhos queriam estudar aqui. A Make School era mais recente, menos conhecida e também não oferecia diploma de graduação. Dessa forma, estar na Make School era sinônimo de não obter diploma e os pais, obviamente, não gostavam. Eu, pessoalmente, sempre tive um bom relacionamento com os pais dos nossos alunos, sempre fui uma figura que eles queriam conversar para se sentirem confortáveis com os filhos se matriculando na Make School.
Atualmente essa repressão é menor, pois os estudantes que vêm para cá saem com um diploma universitário. Por exemplo: temos atualmente nossa maior turma de todos os tempos e eu conheço apenas um ou dois alunos que entraram em conflito com os pais antes de virem. Anos atrás um terço dos alunos enfrentava esse empecilho, então é algo que mudou bastante.
Direcional Escolas: Como as empresas fazem a comparação atualmente entre, por exemplo, contratar alguém que se formou na Make School e alguém que se formou na Stanford?
Jeremy Rossmann: Olhando para a média de salários dos nossos alunos, ela é realmente mais alta do que a dos graduados pela Stanford ou pelo MIT. Os ex-alunos da Make School hoje estão em empresas que contratam estas e outras universidades tradicionais como Facebook, Google, NASA, Tesla, entre outras.
Além disso, muitos estão também em startups menores. Uma oferta recente que um de nossos ex-alunos recebeu foi de U$100 mil ao ano, ou seja, excelente. O que realmente chama atenção para nossos alunos é que eles têm um portfólio incrível, pois nosso programa é muito baseado em projetos reais. Eles demonstram que são a melhor opção para os entrevistadores porque já levam no portfólio o que são capazes de fazer. Não há outra escola onde os estudantes tenham um contexto direcionado para os projetos como a Make School.
Direcional Escolas: Como funciona o programa da MakeSchool?
Jeremy Rossmann: É um programa real de graduação. Os alunos, como em outras universidades norte-americanas, têm professores e instrutores em tempo integral. No âmbito das diferenças: nosso currículo é totalmente baseado na realização de projetos e conectado com a indústria. Dessa forma, toda classe usa ferramentas e tecnologias que são as mesmas utilizadas por programadores e engenheiros atuantes no mercado hoje.
A segunda diferença é que nossos estudantes não pagam nada, até conseguirem um emprego. E o terceiro ponto é que somos mais acelerados, os estudantes podem obter sua graduação em dois anos ou dois anos e meio.
Como resultado, somos uma alternativa às universidades tradicionais, no qual muitos alunos de baixa renda não conseguem estudar tecnologia e Ciência da Computação. Um modelo alternativo como o nosso se torna financeiramente mais atrativo, pois permite que eles não paguem, até conseguirem uma vaga.
Nossa grade funciona dessa forma: os alunos têm aulas técnicas quatro dias por semana e aulas teóricas um dia por semana. As aulas técnicas e teóricas são pautadas em projetos no qual os alunos aprendem o desenvolvimento de aplicativos, dados científicos, fundamentos da ciência da computação, algoritmos, tudo isso. Além disso, constroem e lançam produtos. Às sextas-feiras eles têm disciplinas como história, filosofia e ética.
Todo estudante deve fazer um estágio antes de se formar e três vezes por ano paramos tudo que estamos fazendo para um intensivo, como um longo hackaton. Neste período o aluno tem a oportunidade de aprimorar um dos projetos que realiza em aula e torná-lo mais profissional e refinado. Assim eles melhoram o portfólio para futuras entrevistas.
Também temos uma integração completa com a indústria. Nossos alunos visitam empresas locais, geralmente uma no outono e outra na primavera. Do outro lado, empresas como Facebook e Tesla vem até a Make School para palestras e nos ajudarem com a grade. Todos os anos, temos um número de pessoas de diferentes empresas para complementar e integrar o conteúdo e o currículo. Por exemplo: a Netflix vem até aqui para dar palestras sobre seus algoritmos.
Eu vou dizer: tanto pelo perfil dos alunos, quanto pelo perfil da educação e pela integração com a indústria, é uma experiência muito diferente de uma universidade tradicional.
Nós os ajudamos com a procura de vagas, alguns estudam em outras instituições ou decidiram que realmente não querem uma carreira em Ciência da Computação ou programação. No âmbito geral, as estatísticas do emprego são muito positivas.
Direcional Escolas: Quais são os desafios enfrentados pela Make School desde a inauguração?
Jeremy Rossmann: Não temos dificuldades em recrutar os alunos em si, no entanto, eu diria que uma dificuldade é para oportunidades com alunos mais velhos. São estudantes que têm 25-30 anos e que querem fazer uma mudança em suas carreiras, alguns já tem uma graduação.
O recrutamento de estudantes adultos no início pode ser mais fácil: eles tomam suas próprias decisões, já possuem alguma outra graduação e mais condições financeiras, pois dependem menos dos pais. No entanto, sempre reforçamos que não focamos neste público, não queremos atingir adultos e oferecer uma transição de carreira. Aqui criamos um novo modelo de universidade.
O desafio é que existem instituições de 200 ou 300 anos cujos nomes são algumas das marcas mais poderosas do mundo. Se nos esforçarmos para criar uma grade curricular pautada em uma codificação “cool” para adultos e jovem adultos, que querem fazer a transição de carreira competimos com um monte de novas escolas. No entanto, para conquistar novos alunos temos que explicar para eles porque ir para outra instituição, mais famosa e mais conhecida no mercado.
O maior desafio da Make School tem sido nosso posicionamento de fazer uma mudança e tentar fazer a diferença. Isso é muito mais desafiador do ponto de vista de branding, pois muitos dos nossos concorrentes são mais velhos e famosos. É um desafio que devemos enfrentar. Temos que nos manter fortes e confiantes em nossos valores e norteamento. Admito, não é fácil.
Direcional Escolas: Os alunos podem pensar que a Make School é uma espécie de “pegadinha”, pois eles não têm que pagar pelo curso imediatamente. Ocorre muita desconfiança por parte dos alunos?
Jeremy Rossmann: A única “pegadinha” aqui, se houvesse alguma, seria que os estudantes devem “pagar para viver”. Eles precisam comprar comida e pagar pela hospedagem. Nós temos um espaço com dormitórios que eles compartilham com os colegas. É uma experiência bem norte-americana. O espaço no dormitório custa mensalmente mil dólares, um valor barato para São Francisco, mas caro para nossos alunos. A “pegadinha” aqui é que eles não pagam para estudar, mas existem estes custos. Por isso, também auxiliamos com o custo de vida com um auxílio de U$1.650 para quem precisa. Assim como o curso, eles nos pagam este valor quando conseguirem um emprego.
No fim, não há “pegadinha” aqui, e mesmo assim os alunos não acreditam que é possível. Uma das situações mais comuns é que os alunos vêm aqui, conhecem a escola, e suas famílias ficam ressabiadas. Por exemplo, o aluno tem um tio que é empreendedor e vai dizer “Eu tenho um negócio, é impossível um serviço que não cobre nada, deve ter algo de errado aí”. Esse é um dos grandes desafios dos nossos alunos, convencer suas pessoas próximas de que é possível e muitas vezes eles convencer até eles mesmos. Com o tempo, isso vem mudando.
Direcional Escolas: Para você, quais são os principais desafios para o Ensino Superior hoje? Jeremy Rossmann: Acho que o principal desafio é criar um sistema em que a instituição tenha como única prioridade servir e melhorar no atendimento ao aluno. Na Make School criamos um sistema no qual não ganhamos dinheiro a menos que os alunos tenham empregos – isso traz muita pressão sobre nós – e também coletamos feedbacks quinzenais dos alunos para que possamos aprender como melhorar. Temos também feedbacks semestrais da indústria para aprender como devemos aprimorar nosso currículo.
Eu acho que o maior desafio do Ensino Superior – ou da educação em geral de todos os países – é que o sistema tem sido tão engessado há muito tempo. As pessoas tratam o sistema educacional como algo que sempre foi assim e sempre será.
Eu acho que o maior desafio é mudar isso e dizer: talvez a resposta certa seja diferente para diferentes países, diferentes regiões, diferentes alunos ou escolas. Eu não tenho a solução para dizer que toda escola deveria gostar disso ou daqui. Talvez para alguns alunos seja melhor ter uma escola que tenha professores sempre à disposição e talvez seja melhor para os outros alunos estar em um ambiente mais livre, onde eles tenham mais autonomia.
Para mim, o que todo sistema deve fazer é: sempre receber feedbacks dos principais públicos que atendem. Para nós são dois públicos, os estudantes e as empresas. Então, temos que ter esses feedbacks o tempo todo e criar um sistema que nos force a respondê-los e estar em constante mudança. Tudo o que podemos fazer é ser o melhor que podemos, no entanto, não dizemos que sabemos qual a resposta certa. Nós dizemos “aqui é nossa hipótese” e coletamos feedback o tempo todo.
Acho que, se mais sistemas mudarem para uma estrutura que os permita saber qual aula é popular, qual aula não é, em qual eles aprendem mais, como o corpo docente pode melhorar, o que pensam as pessoas que contratam e o que pensam as universidades que aceitam nossos alunos, melhor.
Direcional Escolas: Além destes dois públicos: alunos e empresas, existem os professores. O que faz do professor um bom candidato para estar na Make School?
Jeremy Rossmann: O corpo docente da Make School geralmente não vem de um histórico de lecionar. São muitos engenheiros de formação que querem transacionar para a sala de aula. Eles chegam até nós, basicamente, porque gostam de ensinar mais do que gostam de programar códigos todos os dias. A oportunidade, o estilo de vida e o impacto social de ser um professor é algo que eles ambicionam mais em suas vidas do que efetivamente ser um engenheiro de softwares.
Direcional Escolas: Por que o Brasil e os Estados Unidos estão tão distantes em relação à educação?
Jeremy Rossmann: Eu acho que os EUA podem ser uma utopia e também uma distopia para muitas coisas, ao mesmo tempo. Por exemplo, pessoas vêm do mundo todo para obter atendimento médico nos Estados Unidos, mas sabemos que nosso sistema médico é muito deficitário.
Existem 4.000 faculdades e universidades norte-americanas e a maioria delas não é famosa, nenhum brasileiro ouviu falar. A perspectiva que o Brasil tem se baseia nas universidades que possuem marcas globais. Essas são as que estão no TOP 30 do ranking nacional. Mesmo estas podem ter problemas, como eu experimentei no MIT, onde o currículo é engessado. No entanto, mesmo lá onde o currículo talvez não era tão bom quanto poderia ser, eu ainda estava no MIT, rodeado por pessoas inteligentes, um belo campus e ótima localização.
Imagine agora uma universidade no número 35 ou 40, que ninguém no Brasil nunca ouviu falar, que não seja uma marca global e que o currículo seja antigo. É diferente. A perspectiva utópica vem de uma visão das universidades americanas no topo.
Essas instituições podem ganhar muito dinheiro com todos os alunos e competem entre si para escolherem os melhores. As universidades norte-americanas estão na vanguarda da criação da experiência universitária como algo incrível e inesquecível para um jovem estudante. A vida no campus, os dormitórios, as fraternidades, as festas, os esportes. Também há a visão que vem da nossa cultura universitária disseminada por Hollywood. É uma experiência de vida que pode ser realmente incrível, mas é cara e às vezes não vale a pena. Da mesma forma que Las Vegas é projetada para ser algo de tirar o fôlego, algumas das universidades americanas são melhores na produção de eventos (risos).
Direcional Escolas: Qual o tema da sua fala no evento Quero Captação?
Jeremy Rossmann: Eu irei, basicamente, compartilhar exemplos e histórias de instituições que buscam mudar as estruturas da educação superior. Portanto, o tema será as últimas inovações no ensino superior, o que isso significa e o que isso impacta no sistema educacional global. Quais as tendências que achamos que, por exemplo, podem chegar ao Brasil algum dia ou até outros países que começam sua caminhada no Vale do Silício.
Direcional Escolas: Muitos dos frequentadores do evento são gestores de instituições de ensino. Com tantos percalços políticos e econômicos no momento, gostaria de saber se você tem algum conselho para este público, que são as mentes da educação particular no Brasil?
Jeremy Rossmann: Eu acho que muito da ideologia atual do que a educação deveria ser vem de uma cultura antiga baseada no que a educação liberal da elite deveria ser. Nós gastamos muito tempo debatendo qual o sistema de educação certo. O conselho que vou dar é o mesmo que eu estava dizendo anteriormente: você precisa criar um sistema que o force a estar a serviço dos estudantes e encontrar as respostas para seus feedbacks.
Em vez de debater quem está certo entre um intelectual com uma ideologia e outro intelectual com outra ideologia, eu acho que você deve ter a perspectiva de que a educação é um produto que você tem que projetar para ter o melhor valor e o melhor serviço para os alunos.
Quem pensar dessa forma irá adotar as práticas que surgem na criação dos melhores produtos: obter feedback com frequência e consistência, responder esse feedback e não deixar sua ideologia ser mais forte do que o feedback que você recebe. A realidade sempre é o que as pessoas te relatam, e não o que sua ideologia prega.
Se você cria um sistema no qual tem que ser responsável pelo sucesso dos alunos, isso tem que implementando. Esse é o primeiro conselho que eu darei.
O outro conselho é: às vezes é importante pensar por si e não pelos outros. Por exemplo, eu estava em uma universidade uma vez, na qual conversei com 10 pessoas. Cada uma delas me disse: “Uau, o que você está fazendo na Make School é muito interessante. Eu gostaria que pudéssemos fazer isso aqui, mas as pessoas na nossa instituição são muito tradicionais”. Se 10 pessoas disseram isso, acho que todos estavam pensando pelos outros e não por si. Percebi que lá estavam 10 pessoas que queriam mudar.
O número de vezes que usamos “outras pessoas se sentem assim”, “outras pessoas dizem”, “outras pessoas querem” nós usamos isso como uma desculpa que cria um sistema ainda mais estático. Aqui nos Estados Unidos todos sabem que nosso sistema é tradicional, mas sabem que precisam mudar. Eles pensam que as outras pessoas são tradicionais e não enxergam que há mais espaço para a mudança do que eles percebem.