Salman Khan, Bill Gates, e a Cultura de Massas
O educador Salman Khan visitou o Brasil nesta semana. Em entrevista ao Estadão (http://migre.me/cRZtZ), falou em personalização da aprendizagem, mas suas vídeo aulas são um produto de massa. E vídeo aulas não vão revolucionar a educação. É claro que o material do Khan Academy pode ser usado nas mais diversas escolas, e, do meu ponto de vista, ele pode ser de fato relevante em locais carentes de professores. Todavia, considerar que as aulas na escola vão se organizar em torno do conteúdo do Khan Academy, como se ele pudesse se tornar o pilar de toda a construção do conhecimento, parece-me pobreza de perspectiva, além de ignorância quanto ao potencial que a tecnologia oferece. Melhor pensar assim, pois, caso contrário, no lugar da ignorância, teríamos que reconhecer que há oportunismo.
Outra questão levantada por Khan diz respeito à certificação do conhecimento. É um tema pertinente, sem dúvida, porém, do modo como ele argumentou: apresentar um RG e realizar uma prova, parece-me retirar da aprendizagem aquilo que é seu componente fundamental, a saber, a relação com os outros: o “outro” professor, que é responsável pela transmissão da tradição cultural e dos valores; “os outros” colegas, companheiros de percurso, com os quais se aprende que a sociedade é constituída pela diversidade presente em cada um; por fim, por um “outro” instituição. Tudo bem, muita coisa mudou na organização social, saímos de um padrão vertical de identificações para um padrão horizontal, porém, daí até suprimir o outro parece-me um exagero inconsequente. Enfim, considerando que o Sr. Khan terá um encontro com chefes de Estado deste país, seria importante que se retomasse a discussão do Professor Boaventura de Sousa Santos, que trabalhou o tema da certificação do conhecimento em seu livro Pela Mão de Alice: o Social e o Político na Pós-Modernidade (São Paulo, Cortez, 1995). Uma retomada destes temas se encontra disponível online. Se você ficou interessado, clique aqui: http://migre.me/cRZmF
Mas, ao nosso comentário à entrevista de Khan ao Estadão, não podemos deixar de notar que o fato de Bill Gates ter se se vinculado ao projeto, por meio de doações e declarações inócuas (“sou fã das aulas”) lhe rendeu uma extraordinária publicidade, reforçada pelo entusiasmo Khan: “um aluno brasileiro pode ter acesso à mesma aula de cálculo que o filho do Bill Gates”. É uma frase interessante, não é mesmo? Se o aluno brasileiro tem a mesma aula que o filho de Gates, logo…
O Khan Academy tem a sua validade, é claro, mas essa perfumaria, essa pretenção toda, essa ideia de que se criou um instrumento que vai revolucionar a educação mundial, isso é muito petulante para uma ferramenta que está entre as mais carentes dentre os recursos tecnológicos disponíveis.
Khan também gosta de dizer que os professores estão usando a tecnologia para humanizar a sala de aula, pois antes se ocupavam apenas de aulas expositivas. É curioso notar que no arquivo de Khan o que menos há são aulas de humanidades. Em história, por exemplo, o filho de Bill Gates não vai conhecer nada sobre o Brasil. Espero que o mesmo não ocorra com nossos alunos.
Por Rodrigo Abrantes da Silva*
*Rodrigo Abrantes da Silva é historiador e professor. Especializou-se em História Contemporânea pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), e atuou como pesquisador do Projeto Análise e do Núcleo de Pesquisas de Psicanálise e Educação (NUPPE) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Edita ainda o blog www.aulaplugada.com.
Mais informações: [email protected]