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Guia para Gestores de Escolas

Conversa com o Gestor — A construção de uma nova prática pedagógica na EMEF Presidente Campos Salles, em São Paulo

Em uma proposta ousada, a escola da rede municipal de São Paulo derrubou as paredes que separavam as turmas de uma mesma série e mudou a dinâmica da aula: os alunos passaram a atuar prioritariamente em grupo e a escolher a atividade do dia, dentro de um roteiro previamente organizado e mediado pelo professor. Tudo com o suporte de aulas expositivas, monitoria e reforços, complementos de uma experiência que deixa grande contribuição ao debate sobre as mudanças na forma de ensinar.

A inspiração e o parâmetro básico de uma nova metodologia de ensino implantada há cinco anos pela Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Presidente Campos Salles vieram da Escola da Ponte, de Portugal. Mas a motivação resultou de um envolvimento gradativo com a comunidade de Heliópolis, grande bairro da região Sudeste de São Paulo surgido como favela em princípios dos anos 70, que depois da luta pela moradia empunhou a bandeira da não violência e da educação de qualidade. E nesta parceria articulou-se uma concepção de “bairro educador”, que se envolve com a escola, e que faz a escola seguir caminho recíproco: abraçar a comunidade. Também resultaram insatisfações, buscas e sustos, como o assombro que tomou conta da Diretoria Regional de Educação Ipiranga, quando soube, em princípios de 2008, que o diretor Braz Rodrigues Nogueira havia simplesmente mandado derrubar as paredes de algumas salas de aula.

“Depois que tirei as paredes, precisava de um monte de coisa para que o projeto desse certo, como mesas com quatro cadeiras no lugar das carteiras individualizadas. E fui à diretora de ensino com uma listinha na mão, comunicando-a que havia tirado as paredes. Tomei a decisão e sustentei, pois se tivesse pedido autorização antes, ela teria sido negada”, relata Braz Rodrigues, diretor da EMEF desde novembro de 1995. Ele havia agrupado as turmas de cada série em quatro grandes salões, acolhendo cerca de 100 estudantes por turno. Assim foi “oficializado” e implantado o novo projeto pedagógico da EMEF, a qual vinha mantendo diálogo com a comunidade, mas não conseguira até então melhorar a qualidade do ensino. Pois a escola enfrentava dois principais “gargalos”: quatro turnos de aulas, com cerca de 1.800 estudantes; e “práticas inadequadas” dos professores, “herdeiras daquela visão do aluno como tábula rasa, assentada na filosofia de John Locke, que vê a criança com ‘um vazio na cabeça’”.

Como Funciona

O gérmen da mudança surgiu em 2004, quando três professores propuseram a Braz Rodrigues adotar o modelo da Escola da Ponte. “Ainda tínhamos 1.800 alunos, como tirar as paredes? E se o caos se instalasse, onde iria arrumar dinheiro para mandar reconstruí-las?”, perguntava-se Braz, que resolveu, no entanto, investigar a ideia e conhecer a EMEF Desembargador Amorim Lima, localizada no Bairro do Butantã, que implantara projeto semelhante. Ao longo de 2005, a proposta foi debatida com a comunidade, e em setembro do mesmo ano, colocada em votação junto ao conselho escolar, evento que reuniu 61 pessoas, incluindo representantes dos movimentos populares.

Decidiu-se que nos anos de 2006 e 2007 haveria uma transição, experimentando uma nova didática nas salas convencionais, mas já capacitando alunos e professores para o trabalho em equipe. “Percebi, porém, no final de 2007, que a história de trabalhar com grupos de alunos não mudara nada”, afirma Braz Rodrigues, destacando que não rendera melhora no aprendizado. Seria preciso radicalizar o processo. “Chamei um grupo de professores mais engajados para buscar apoio e tirar as paredes. No lugar de 12 salas de aulas, teríamos quatro salões.” E as carteiras individualizadas seriam definitivamente substituídas pelas mesas com quatro lugares.

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Três estratégias dariam sustentação ao modelo: nos salões, alunos trabalhariam em grupo de quatro, sob a mediação e orientação de três professores, que deveriam estar aptos a esclarecer a dúvidas de qualquer disciplina; eles seguiriam o planejamento de um roteiro quinzenal de atividades, preparado pelos docentes para cada salão; e teriam aulas explicativas em salas convencionais, em grupos menores, além de monitoria e reforço. “Chegamos então à base do projeto, que é o trabalho em equipe. Estamos tentando desconstruir o individualismo, muita coisa mudou e está mudando dentro desta reorganização do espaço”, diz. Segundo Braz Rodrigues, “depois que tiramos as paredes, todos os professores tiveram que aprender a trabalhar em equipe, a atuar com roteiro e a publicá-lo no Google Docs, para compartilhar com os demais o que será levado para o salão.”

Com base nessas estratégias, os alunos recebem o roteiro quinzenal das atividades relacionadas a todas as disciplinas, combinam com seus colegas de mesa o que farão no dia e chamam pela orientação do professor somente quando um não puder ajudar o outro. Além do suporte das aulas expositivas, eles contam também com atividades separadas em Informática e Educação Física, na sala leitura, na monitoria e no reforço. A monitoria é dada pelo professor junto a um pequeno grupo de estudantes. “Discute-se tudo, é o momento de o professor extrapolar as paredes da escola e de o aluno colocar ‘o que está pegando’, dentro e fora dali, inclusive dificuldades para trabalhar em grupo.” O “objetivo é dar sustentabilidade para o trabalho do salão”.

Resistências entre alunos e professores

A nova metodologia de ensino enfrenta dificuldades entre alguns professores e alunos, comenta Braz Rodrigues. Conforme justifica, é uma prática pedagógica que pressupõe um papel protagonista e autoral pelas crianças e adolescentes, obrigando-as a descolar da tradição da “reprodução, da cópia”, a qual permanece, no entanto, fortemente instaurada na cultura escolar. Por outro lado, ao demandar participação expressiva dos estudantes, escancara as dúvidas e as deficiências de ambos os lados. Em termos de estrutura oficial, há pouca margem para a direção agir, já que esta não pode pleitear horário integral para o professor nem autonomia para formar uma equipe afinada aos seus objetivos.

Até o ano passado, a EMEF contava com apoio da Fundação Tide Setúbal na capacitação dos professores, em trabalho desenvolvido pelo Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária). Falta agora propiciar atividades de formação aos próprios estudantes para lidarem com a metodologia, aponta o diretor. O papel dos alunos, segundo Braz, é peça fundamental do processo. Eles têm uma comissão própria em cada salão, composta por dez estudantes eleitos pelo grupo, que negocia com os professores os conflitos que surgem diariamente no espaço. À comissão é dado ainda o poder de convocar reunião de pais, e em breve ela poderá compor uma espécie de “prefeitura” – com prefeito, vice-prefeito e “secretários” -, com vistas a deliberar sobre questões como o uso da quadra e o acesso à cantina de uma escola vizinha (ETEC), entre outros. “São práticas pedagógicas que vê a criança como ser integral e com condições de decidir”, resume Braz Rodrigues.

Nos cinco anos de aplicação da nova metodologia, o desempenho dos estudantes no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) tem se mantido em curva ascendente. Nenhum grande salto foi observado, mas também não houve queda, analisa Braz Rodrigues, o que já demonstraria, segundo ele, que o projeto é viável. Tanto nos anos iniciais quanto finais do Fundamental, os estudantes da EMEF Campos Salles apresentaram índices próximos dos 5 pontos conforme o IDEB de 2009 (o de 2011 ainda não foi divulgado). A meta do IDEB para 2022 é que as crianças e os adolescentes brasileiros cheguem aos 6 pontos nos anos iniciais do Fundamental e a 5,5 pontos nos finais. A direção da EMEF quer muito além disso, ela busca um modelo que os transforme em cidadãos e sujeitos capazes de construir sua própria história.

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Três princípios norteiam a metodologia da Escola da Ponte e foram adotados pela EMEF Presidente Campos Salles: autonomia, responsabilidade e solidariedade. “Nosso objetivo é dar todas as condições para que esses princípios sejam vivenciados pelos estudantes. Para que aprendam a ter liberdade, assumindo responsabilidades e olhando para o outro”, defende Braz Rodrigues.

Na foto, Braz Rodrigues (2º da esq. para a dir.), está acompanhado de seus principais parceiros no projeto: Arlete Persoli, gestora do Centro de Convivência Educativa e Cultural de Heliópolis (no canto direito); Antônia Cleide Alves, presidente da UNAS (União de Núcleos e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco); e João Miranda Neto, vice-presidente da entidade.

A Escola

a EMEF Presidente Campos Salles está localizada em uma grande praça pública, a qual abriga ainda três centros de educação infantil, uma escola municipal de educação infantil, uma escola técnica estadual e um centro cultural, espaço que totaliza 47 mil metros quadrados. É um verdadeiro complexo educacional, gerido atualmente pelo centro de convivência educativa e cultural de Heliópolis, cuja titular é a diretora de escola municipal e professora arlete persoli. entre seus parceiros mais afinados está a uNas – união de Núcleos e sociedades dos moradores de Heliópolis e são João clímaco. a própria entidade é conveniada da prefeitura e responde pela gestão de duas das três ceis instaladas na praça.

Localização: estrada das lágrimas, na altura do cruzamento com a estrada são João clímaco

Ciclos escolares: ensino fundamental i e ii; eJa/educação de Jovens e adultos

Regime de aula: três turnos (manhã, tarde e noite)

N° de alunos: 1.120

Equipe de educadores: 62 (há dois orientadores para a sala de leitura e dois para a informática)

Equipe gestora: diretor, dois assistentes de direção, duas orientadoras pedagógicas

Equipe de apoio: cerca de 30 profissionais

População local: o núcleo original de Heliópolis, área que pertenceu ao iapas (antigo instituto de previdência e assistência social do governo federal) possui cerca de 1 milhão de metros quadrados. sua população é estimada em quase 200 mil pessoas, mas o censo do ibge de 2010 considerou parte dessa população pertencente aos bairros do sacomã e são João clímaco. para efeitos do censo, o núcleo de Heliópolis possui hoje 44 mil moradores.

Por Rosali Figueiredo
(Textos e fotos)

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Antônia Cleide Alves
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Arlete Persoli
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Braz Rodrigues Nogueira
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