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Guia para Gestores de Escolas

Conversa com o Gestor – Bullying: Conceito, Efeito e a Relação com a Educação

Matéria publicada na edição 110 | Agosto 2015- ver na edição online

Bullying: Conceito, Efeito e a Relação com a Educação

Durante muitos anos o assunto bullying permaneceu encoberto por uma camada de falta de informação. Hoje, existe uma necessidade crescente em lançar uma luz ao tema e expandir ao máximo diálogos e projetos que estimulem o respeito como ponto de partida para uma convivência harmoniosa e agradável

Por Rafael Pinheiro

Todos os dias pela manhã existe um grande movimento social que transcende tarefas, horários, compromissos, trabalhos e saberes em instituições de todos os segmentos – incluindo, até mesmo, o ambiente educacional. Ao soar o sinal matinal nas primeiras horas, abre-se os portões físicos das escolas que representam a evolução, o conhecimento, a descoberta (de si e dos outros), a interferência (motora, social e psíquica) e consequentemente as alegrias, frustrações, dificuldades e realizações.

Alguns alunos conseguem admirar a estrutura física escolar e transparecer a luz da felicidade em seus olhos, a ansiedade positiva de novas atividades, as conversas produtivas e fluídas com os colegas de classe, a atenção especial dos professores e as experimentações sutis e perceptíveis que enlaçam o desenvolvimento e resulta situações que, provavelmente, permanecerão em sua memória por tempo indeterminado.

Por outro lado, na contramão da satisfação, alguns alunos caminham diariamente à escola com uma angústia – aparente ou não, com a sensação de enfrentar, novamente, uma rotina indesejável de discriminação, situações desagradáveis, violências de diversas formas (verbal, física, material, psicológica, moral) e repetições ofensivas que nutrem, gradualmente, uma queda no rendimento escolar, isolamento, medo, insegurança e amplas questões psicológicas.

Para adentrar este campo é necessário manter cautela e verificar cada situação de forma isolada. As razões para construir um grupo homogênio e excluir as diferenças em sala de aula são densos e dependem de uma reflexão completa no que tange as modificações culturais e sociais. O bullying, enraizado principalmente nas vinculações interpessoais fortes como a escola/universidade, por exemplo, é um tema complexo – e merece extrema atenção.

O termo bullying (bully = “valentão”), de origem inglesa, foi adotado no Brasil em sua característica original por não existir uma palavra na língua portuguesa capaz de expressar corretamente sua abrangência. “Bullying significa intimidação, isto é, uma ação violenta, agressiva de uma pessoa sobre outra, que humilha, persegue, etc. Essa ação é repetitiva, sem motivo aparente que a justifique”, diz Márcia Zenker, educadora, professora, psicóloga e consultora associada da Humus.

O bullying é uma questão mundial e os relatos de casos destas situações são crescentes. Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2010, em Brasília, cerca de 35,6% dos estudantes declararam ter sofrido algum tipo de agressão (física ou verbal) na escola.

Outra pesquisa realizada este ano pelo Ministério da Saúde e pelo IBGE com contribuição da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), apontou que 20,8% dos estudantes já praticaram algum tipo de bullying contra os colegas e que essa prática mostra-se maior entre meninos. A pesquisa também informa que os casos de bullying aumentou de 5% para 7% nas escolas brasileiras.

Atos discriminatórios, difamatórios, que colocam a vítima em isolamento são algumas práticas consideradas bullying. As queixas recorrentes que transitam no ambiente escolar, segundo Márcia Zenker, são: aspectos físicos (beliscar, ameaçar com objetos pontudos); aspectos verbais (apelidar); aspectos materiais (furtar o material do colega); aspectos psicológicos (exclusão, perseguição, ridicularização); aspectos sexuais (assédio sexual, abuso sexual); aspectos virtuais (bullying praticado por meio da internet e de celular, denominado de cyberbullying).

As consequências para os alunos vítimas de bullying são preocupantes. A vítima pode desenvolver baixa estima, enfraquecer seus recursos psíquicos para se defender do agressor, isolar-se, começar a se desinteressar pelos estudos, desenvolver medos, entrar em depressão, pedir para mudar de escola, cometer suicídio, dentre outras coisas. “O agressor pode se tornar um adulto extremamente agressivo, e violento em vários ambientes: familiar (violência doméstica), no trabalho, nas relações sociais não formais, etc”, diz Márcia.

BULLYING X ESCOLA

O Colégio Friburgo, fundado em 1959 e instalado na região sul da capital paulista, investe na formação integral do aluno através de construção de relações humanas, consciência crítica e competência acadêmica. Além do sólido compromisso dos professores, diretores e coordenadores em educar os alunos com respeito às diferenças.

“Nosso colégio pratica a inclusão em todos os aspectos. Os grupos são heterogêneos e os alunos convivem de uma maneira muito saudável com as diferenças. O bullying surge como fruto da crise de intolerância e da imposição de padrões que vivemos em nossa sociedade. Combater o bullying é, antes de tudo, combater a intolerância”, destaca Ciro de Figueiredo, Diretor Geral e Gestor do Colégio Friburgo.

Nas aulas do colégio são apresentados textos, filmes e matérias jornalísticas que favoreçam discussões e a valorização das diferenças, bem como o respeito pelas escolhas individuais. “A coordenação tem um papel fundamental nesse processo, promovendo discussões coletivas com a equipe de professores, grupos de alunos e fazendo a interlocução com as famílias, que precisam ser nossas parceiras no sentido de reafirmar em casa os mesmos valores e princípios trabalhados na escola”, complementa Ciro.

Já o Colégio Cermac, localizado na região norte da capital, visa a formação de um aluno apto a enfrentar com sucesso os desafios contemporâneos e possui, entre suas propostas, um projeto em vigor desde os anos 2000 intitulado: CRS – Cidadania, Responsabilidade Social e Sustentabilidade.

“Semanalmente, os alunos da Educação Infantil ao Ensino Médio discutem e trabalham assuntos relacionados aos temas do CRS. Partindo da palavra RESPEITO: ao meio ambiente, aos colegas, ao mundo, a si mesmo, desenvolvemos diversas atividades ao longo do ano com a coordenação e supervisão da psicóloga escolar”, diz Rosa Maria, Presidente do Conselho do Colégio Cermac.

Para os alunos até seis anos, conta Rosa Maria, existe o concurso do “Guardião do Bem”, onde as crianças desenvolvem desenhos de personagens que representarão as boas maneiras, como: respeito aos amigos, uso de palavras educadas, atenção com os colegas, etc.

Do desenho selecionado, é produzido um botton, o qual é usado pelos alunos. E, sempre que necessário, a professora recorre ao “guardião” para relembrar os combinados de boa convivência.  Para os alunos até três anos, o guardião do bem é representado por um boneco de pano, que “passeia” na casa de cada um dos alunos e leva atitudes adequadas por onde passa.

BULLYING X GESTÃO

Quando, em sala de aula, se identifica um caso de bullying, é necessário traçar um plano de ação imediata com os envolvidos. O Colégio Friburgo investe em prevenção e discussão aberta com todos os agentes da cena escolar, incluindo pais e alunos. “O principal combustível do bullying é o silêncio. Trazemos à tona o problema e encaramos de frente em conversas individuais e em grupo. Procuramos transformar o conflito em uma reflexão para o avanço no conhecimento sobre a compreensão da vida”, explica Ciro de Figueiredo.

De acordo com Ciro, as ações de intervenção dos gestores devem ser orientadoras e formativas, buscando desenvolver nesses alunos a capacidade de refletir e agir de forma diferente em situações futuras. Isso não significa, no entanto, ser tolerante. As reincidências devem ser analisadas e tratadas com o rigor necessário, de acordo com a gravidade da situação.

A intervenção dos gestores na concepção e supervisão dos projetos, no diálogo e  na orientação das propostas é imprescindível para que esta estrutura funcione de maneira eficaz e adequada. “É um assunto a ser discutido com todos os envolvidos imediatamente. Assim que percebido pelos familiares ou pela escola, não deve nunca ser minimizado ou tratado como passageiros. Estas atitudes trazem segurança para todos os envolvidos no processo educacional, fazendo com que a confiança seja a base para o respeito que tanto buscamos”, ressalta Rosa Maria, Presidente do Conselho do Colégio Cermac.

ERRADIR O BULLYING E PROMOVER O RESPEITO

A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e a Adolescência (Abrapia) produziu uma cartilha com o tema “Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes” e apresenta, entre outros tópicos, estratégias sugeridas para redução do bullying nas escolas.

A cartilha aponta sete etapas a serem cumpridas para implementação de um programa anti-bullying. Primeira etapa: Pesquisar a realidade. A primeira etapa resume-se na aplicação de um questionário de pesquisa com a participação de todos os alunos da escola, antes de receberem qualquer tipo de informação sobre o bullying. O questionário deve ser aplicado simultaneamente em todas as turmas de um mesmo turno, evitando-se a troca de informações nos corredores, ou a possível intimidação de alguns alunos-alvos de bullying.

Uma vez analisados os resultados, todo o corpo docente deve ser informado e incentivado a discutir suas implicações, definindo que estratégias devem ser utilizadas durante o processo de divulgação e sensibilização dos alunos.

A terceira etapa consiste em formar grupos de trabalho. Esse grupo deve ser composto por representantes de todos os segmentos da comunidade escolar, incluindo professores, funcionários, alunos e pais. Com base na realidade percebida por seus membros e com o auxílio dos dados da pesquisa, serão definidas coletivamente as ações a serem priorizadas e as táticas a serem adotadas.

As propostas definidas pelo Grupo de Trabalho poderão ser submetidas a todos os alunos e funcionários, permitindo-se que sejam dadas sugestões sobre os compromissos e ações que a comunidade escolar deverá adotar para a prevenção e o controle do bullying.

A definição da relação final dos compromissos e prioridades poderá ser feita em assembleia geral contando com todos os alunos, professores e funcionários ou, apenas, pelo Grupo de Trabalho. Os compromissos e prioridades deverão ser amplamente divulgados. Diversas cópias serão afixadas em vários locais da escola.

Na sétima e última etapa, os pais serão informados sobre os objetivos do projeto por meio de comunicados ou utilizando-se espaços dentro de reuniões organizadas pelas escolas.

Trabalhar para erradicar os atos discriminatórios no processo educacional é projetar caminhos da liberdade, do respeito às diferenças e celebrar a heterogeneidade entre alunos. Inserir e (re)adaptar ações para a promoção de um ensino e convivência igualitária não é tarefa fácil, já que permanecemos durante longas décadas enraizados em padrões tradicionais que perpetuaram e formaram várias gerações. Mas, observando por outro lado, quebrar essas práticas é uma forma de estabelecer em um futuro próximo uma relação agradável e respeitosa.

CYBERBULLYING: O INIMIGO VIRTUAL

O cyberbullying é uma derivação da prática do bullying. Quando este tipo de violência praticada contra alguém se passa através da internet, redes sociais, celular, mensagens ou outros meios de comunicação virtual. Praticar cyberbullying significa usar o espaço virtual para hostilizar uma pessoa, seja um professor, colega da escola, ou mesmo desconhecidos, difamando, insultando ou atacando.

“O cyberbullying normalmente se manifesta em nove formas mais comuns: injúria, difamação, ofensa, falsa identidade, calúnia, ameaça, racismo, constrangimento e até incitação ao suicídio. E pode ser tão simples (simples na ação, mas complexo no seu efeito) como postar fotos tendenciosas, declarações falsas, comentários com a intenção de humilhar ou ridicularizar uma pessoa, mencionar adjetivos pejorativos, insistir em enviar e-mail para alguém que não quer mais contato entre muitos outros”, afirma Eduardo Guedes, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fundador do Instituto Delete, especializado em promover orientação e educação para o uso consciente da tecnologia nas empresas e sociedade.

Com o advento tecnológico, a popularização de mídias sociais e o acesso às diversas ferramentas facilitadoras e aos aplicativos móveis, a presente era da massificação e cultura digital ganham uma notoriedade peculiar em cada indivíduo, gerando uma sensação ímpar de liberdade para agradar ou insultar qualquer usuário no ambiente virtual.

Uma pesquisa realizada pela Mobile Report, da Nielsen IBOPE, no mês de maio passado, indica que as redes sociais predominam entre os aplicativos mais populares no Brasil. Entre os dez aplicativos mais usados pelos 68,4 milhões de brasileiros conectados por smartphones, quatro são aplicativos de redes sociais ou de troca de mensagens. Dois são para acesso a e-mail.

A pesquisa também questionou os usuários de smartphones sobre a posse e a utilização de tablets. Entre as pessoas com smartphones conectados, 38,8 milhões têm tablet em casa. Perguntados sobre quem é o maior usuário do tablet em seu domicílio, 28% responderam que são as crianças, divididos igualmente entre os meninos e as meninas.

Segundo o pesquisador Eduardo Guedes, é preciso trabalhar em dois eixos para extinguir o cyberbullying: na prevenção e na punição. Atualmente, existem algumas leis que surgiram a partir de episódios do passado e que, de alguma forma, promoveram o debate e a evolução dos aspectos legais.

“Entretanto, tão importante quanto a punição, é o eixo da prevenção, que é mais lento porém mais eficiente a longo prazo. É necessário ampliar a informação não somente dos aspectos legais, mas essencialmente de regras de boas maneiras para utilizar as novas mídias digitais. O conhecimento e educação são as ferramentas mais importantes neste processo”, comenta Eduardo.

Exercitar o olhar igualitário, fortalecer a identidade cultural de cada aluno e reforçar práticas que possam integrar as diferenças comprovam resultados positivos, principalmente no desempenho e crescimento no âmbito escolar, além de erradicar práticas de intolerância à diversidade, bullying, cyberbullying, racismo, construções de gênero e toda e qualquer discriminação que possa disseminar nos corredores das instituições escolares – e, posteriormente, na fase adulta.

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