Gestão Escolar Democrática – Uma Realidade Possível
Já é consenso de que a responsabilidade pela educação dos cidadãos é de todos aqueles que estão envolvidos diretamente com ela. Sendo assim, os processos de descentralização da gestão escolar são considerados hoje como uma das mais importantes tendências educacionais em nível mundial. No Brasil, a chamada “Gestão Escolar Democrática” está fundamentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e, embora tenha sido criada pensando no ensino público, vem sendo cada vez mais aplicada nos colégios privados.
É considerada uma gestão escolar democrática aquela que prioriza a participação do coletivo nas ações que envolvem a escola. Ou seja, gestores, coordenadores, professores, funcionários, familiares, alunos e instâncias colegiadas – como a associação de pais ou o grêmio estudantil, por exemplo -, tem voz ativa na tomada de decisão dentro do âmbito escolar. Uma das vantagens desse modelo é transformar todos os agentes em protagonistas na hora de discutir e de definir os caminhos a serem adotados pela instituição.
Porém, ainda que o seja um conceito pertinente e usado por muitas escolas, a aplicabilidade deste modelo continua desafiadora. Se, por um lado, os ganhos na integração e no estabelecimento de relações mais horizontais sejam inegáveis, por outro, as implicações de se gerir pontos de vista diversos sobre o mesmo assunto, pode levar, invariavelmente, à maior morosidade nas ações práticas e a eventuais desagrados por parte daqueles que não se sentiram contemplados com o desfecho.
Mas, afinal, é possível gerenciar esse movimento e fazer da prática um método efetivo de condução das escolhas dentro das escolas?
Mudança de paradigmas
Para Ana Maria da Silva Fortes Aguiar, diretora geral do colégio Antares, de Americana (SP), a escola que deseja atuar neste modelo deve estar preparada para romper paradigmas, afinal, adotar um sistema democrático não se trata apenas de uma mudança na estrutura organizacional, mas sim, abrir um espaço de fomento ao diálogo em todas as situações.
Na instituição que dirige, gestores, coordenadores, professores e representantes de pais de alunos fazem parte do colegiado responsável pela tomada de decisões. Mas, para que haja êxito na prática, ela argumenta que é preciso que o preceito da autonomia seja construído sobre um forte alicerce, evitando, assim, o risco de imposições.
“Dar voz ao coletivo não é tarefa fácil, pois exige a valorização da participação, a articulação das diferentes opiniões, o respeito às concepções de cada um. Entender esses desafios é compreender que todo processo de gestão visa assegurar a autonomia da escola”, comentou.
Para tornar o processo orgânico, Ana Maria afirma que é fundamental que o colegiado esteja bem estruturado e ciente de suas atribuições. Só assim, ela acredita ser possível trabalhar temas de alta complexidade, como a implantação do ensino médio de período integral, a instalação da educação infantil e a construção de uma nova sede, por exemplo. Depois disso, é preciso investir em uma comunicação altamente eficiente, esclarecendo cada detalhe da ação a ser tomada pela escola.
“Os assuntos propostos são aqueles que necessitam de análise por diferentes olhares e também por afetarem todo o núcleo de funcionamento da escola. São projetos grandiosos e que promovem a busca de novas perspectivas, por isso o debate é muito importante”, apontou.
Rodas e comissões
Na escola Lumiar, unidade de São Paulo (SP), toda terça-feira é dia de roda. Lá estão estudantes do ensino fundamental e funcionários da escola que se reúnem uma vez por semana para tratar de assuntos diversos como os cuidados com o espaço comum, o uso do celular, a organização dos materiais no final do dia, a revitalização do prédio e dezenas de outros temas pertinentes ao dia a dia no colégio. Todos têm liberdade para propor os conteúdos para a “roda”e , claro, voz ativa nas decisões.
Já às quartas, a escola abre espaço para as reuniões das comissões- grupos de estudantes voluntários que abordam os cuidados com a horta, eventos e a organização das festas de aniversário – para as quais, inclusive, se organizam até na hora de preparar o bolo. Os pais também são convidados a participar de algumas comissões e as crianças têm liberdade para escolher quais delas desejam integrar.
Chamada de “gestão participativa”, a metodologia implementada há 15 anos pela instituição é sinônimo de decisões descentralizadas, que fomentam o desenvolvimento da escuta ativa e a resolução conjunta das situações que envolvem a escola. Por meio dela são definidos até mesmo os assuntos a serem desenvolvidos dentro da proposta pedagógica da instituição- que é baseada em projetos – , compondo, assim, um currículo construído coletivamente, em forma de mosaico.
Segundo a diretora geral da escola, Vânia Grecco, os resultados deste ambiente altamente colaborativo são estudantes que se apropriam da escola e ficam mais pro-ativos e reflexivos. “A gente percebe que a partir do momento que inserimos a criança no processo, ela se sente envolvida e com voz, não é algo dissociado, é mais um aprendizado, está integrado na construção do conhecimento, da autonomia. Observamos crianças mais reflexivas, críticas, que querem participar de tudo, são proativas, buscam uma solução para conflitos e não esperam o adulto trazer tudo pronto”, disse.
Desafios com a gestão do tempo
Não há dúvidas de que abrir os canais para a participação dos estudantes e da comunidade nas decisões da escola contribui para uma formação mais completa, porém, os gestores que estão estudando aplicar esse método em suas instituições precisam estar cientes de que, uma gestão democrática, tem um fator importante a ser driblado: a dificuldade de se chegar às definições com agilidade.
“Não há dúvida que qualquer decisão discutida por um colegiado exige tempo maior para decisão, uma vez que a dinâmica deste trabalho solicita uma postura mais abrangente e crítica frente às questões debatidas, não tendo espaço para uma visão unilateral de cada situação”, ponderou Ana Maria.
Neste contexto, assuntos corriqueiros, como uma pequena reforma nas instalações da unidade, por exemplo, podem se estender por meses, prejudicando a resolução do problema.
“As soluções não são rápidas. Queria reformar a casinha do playground, uma coisa simples, mas não podia apenas ir atrás. Tive que levar para a roda e, uma coisa que queria que ficasse pronta dois meses atrás, ainda não está porque eles não conseguem chegar a um acordo final”, contou Vânia.
Para evitar as consequências negativas que esse tipo de entrave pode trazer, a saída encontrada por ambas escolas tem sido elaborar um cronograma com o planejamento das ações, deixando prazos máximos pré-estabelecidos, e alertando os participantes dos coletivos a eles. “Para não demoramos muito para ter uma resolução, uma data limite se faz necessária”, destacou a diretora do Lumiar.
Engajamento dos membros
No colégio Rio Branco, de Campinas (SP), o principal desafio a ser vencido com a gestão democrática é o engajamento dos membros. A dificuldade está, especialmente, na participação das famílias que, ao matricularem os filhos na unidade, se tornam sócios do colégio por meio da SIL (Sociedade de Instrução e Leitura) – uma associação de pais sem fins lucrativos, mantenedora da instituição desde 1863. Apesar do amplo espaço e do incentivo para participarem das decisões dentro de assembleias (formadas por todos os associados), dos conselhos e diretoria executiva (para os quais os cargos são definidos através de votação), nem sempre os pais demonstram interesse, conforme explica Thais Guidorisi de Carvalho, coordenadora de comunicação e marketing da instituição.
“Participar da SIL requer comprometimento e responsabilidade, pois ela é a provedora de recursos para a implantação de todo o trabalho pedagógico. Mas é muito difícil engajar os pais na gestão. Todos os anos temos poucos pais que se interessam e se candidatam para os cargos”, apontou.
Na tentativa de cativá-los a integrarem os coletivos, a escola investe em campanhas de divulgação através dos seus canais de comunicação e conta também com o auxílio dos demais membros, solicitando que convidem outros pais a participarem.
“As pessoas têm mil coisas para fazer no dia a dia e têm receio de inserir mais uma responsabilidade na agenda, mas tentamos mostrar que eles são sócios da escola e assim conseguimos formar a chapas. A vantagem é que os membros que se envolvem se dedicam bastante e acabam compartilhando as experiências com outros pais de alunos reforçando que a participação é simples e levando novos membros, que começam como ouvintes e depois se candidatam às chapas”, apontou.
Por outro lado, com o grande estímulo à participação, é comum que os pais queiram interferir em temas que são de atribuição exclusiva da gestão das áreas administrativas e pedagógicas. Nesta hora, a solução é trabalhar o diálogo.
“Como a diretoria executiva está mais ligada à administração e à coordenação pedagógica da escola, sempre que percebe que um determinado assunto não é de competência do conselho acaba alertando os membros sobre os limites do estatuto”, destacou.
Caminhos para ampliar a participação
Mesmo quando tomadas de maneira coletiva, as decisões precisam ficar claras para toda comunidade escolar. Ou seja, nessa hora, a transparência e a eficiência na comunicação contam pontos a favor da escola, pois, mesmo que tenha dificuldades na hora de envolver as famílias nos colegiados, precisam prestar contas a elas dos caminhos escolhidos
Por isso, muitas instituições adotam ferramentas que consigam manter uma aproximação também com os estudantes, pais e colaboradores que não conseguem participar ativamente dos coletivos. No Lumiar, desde o início de 2018, o aplicativo ClassApp se tornou um aliado nessa missão. “Além dos alunos, queremos fazer pesquisas com todos os pais, mesmo os que não estão nas comissões, para eles participarem de forma ativa das nossas decisões por meio de enquetes, permitindo assim, ampliarmos a gestão participativa”.
A ferramenta também é utilizada como extensão do modelo de gestão democrática no colégio Antares, que dispara informações para todos sobre as decisões tomadas pelo colegiado.
“O ClassApp é um aplicativo que facilita a comunicação dos diferentes setores da escola com as famílias e alunos. Na gestão do trabalho, sua utilização auxilia na questão do tempo por agilizar a disseminação das informações”, comentou a diretora Ana Maria.
E a sua escola, também é adepta do modelo de gestão democrática? Escreva no contando um pouco mais das suas experiências com a prática de descentralização das decisões.