Educação Financeira: Administração dos rendimentos, consumo consciente e gestão de gastos nas escolas
“O conhecimento sobre administração financeira é extremamente importante. E a educação financeira pode ser incorporada desde o Ensino Fundamental I, já as abordagens psicológicas, sociológicas do consumo, poupança e investimento podem evoluir seu aprofundamento a partir do Ensino Fundamental II até o Ensino Médio”, diz Fernando Oliveira Soares, economista e professor de Gestão no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP)
Por Rafael Pinheiro / Fotos Divulgação
A ideia de conhecimento perpassa, na atualidade, um conjunto múltiplo e heterogêneo no campo do saber – que evoca (não só) os conhecimentos tradicionais propostos diariamente pelas instituições de ensino, mas também aprendizados que envolvem áreas administrativas, de empreendedorismo e de finanças que mobilizam a vida adulta de todos e todas.
Dessa forma, tendo o longo processo educacional como uma base constituinte de toda sociedade que se propõe a formar cidadãos, localizamos uma característica específica da educação que merece atenção especial: o estímulo da educação financeira nas escolas. “A importância do conhecimento financeiro, desde a escola, tem um fundamento de que, se nós tivéssemos esse conhecimento desde o ensino fundamental ou ensino básico, a nossa vida, quando adultos e quando precisássemos gerenciar o nosso dinheiro, seria muito mais fácil”, diz Diego Barbieri, professor de Gestão e Finanças do IBE Conveniada FGV.
O conhecimento financeiro envolve, então, algumas características, como: a importância e a administração do recurso financeiro, o consumo, a poupança e, sobretudo, o fomento de uma nova cultura brasileira baseada na responsabilidade financeira. “Eu vejo que a criança, o adolescente, o jovem percebe desde cedo que precisa poupar, além de só gastar. Ele tem que ter o conhecimento de que aquele dinheiro que está ganhando e gastando foi difícil de ganhar – é um recurso escasso”, complementa Diego.
A economista, docente e coordenadora dos cursos de pós-graduação da Faculdade Estácio Cotia (SP) acredita que a inclusão do ensino de educação financeira na grade curricular despertará nos alunos “o interesse em atingir seus objetivos, suas metas e, muitas vezes, a concretização de um sonho. É indispensável ter o hábito de analisar todas as necessidades de consumo, aprender a negociar valores e também centralizar o seu padrão de vida”.
Segundo a docente, a implantação dessa disciplina nas instituições pode ocorrer gradativamente, acompanhando a evolução pedagógica – matemática e social. “A escola poderá desenvolver projetos com a finalidade de obter recursos através dos benefícios recebidos e aplicados em determinada necessidade escolhida pelo grupo. Aplicando conceitos da Economia Solidária, utilizando a multidisciplinaridade que trata a cooperação de várias disciplinas em um projeto, porém cada uma com seu método, para atingir o resultado determinado inicialmente neste projeto”.
Refletindo sobre metodologias práticas – que podem ser incorporadas nas instituições de ensino – Fernando Oliveira Soares, economista e professor de Gestão no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) indica que a educação financeira pode ser incorporada desde o Ensino Fundamental I através de conceitos de matemática, como contar a quantidade de lados de um cubo, fazer experiências com conceitos geométricos, de área, volume e espaço, ou até mesmo com atividades lúdicas e divertidas.
“A interpretação de gráficos e tabelas de consumo de energia elétrica, de água nas residências e gastos com supermercado podem ser transversais nas disciplinas de geografia, história, química e matemática ao longo do Ensino Fundamental. Abordagens psicológicas, sociológicas do consumo, poupança e investimento podem ir evoluindo seu aprofundamento a partir do Ensino Fundamental II até o Ensino Médio”, explica o economista e docente.
De acordo com Fernando, é interessante, no Ensino Médio, que o aluno trabalhe na resolução de problemas, bem como saber interpretar gráficos, ter noção da importância do planejamento para aposentadoria, “tomar decisões financeiras com criticidade, ou seja, levando em conta aspectos socioambientais, econômicos, psicológicos e sociológicos”.
CONTEÚDO PEDAGÓGICO
Estabilidade econômica, noção de juros e moras, controle de mesadas e prioridades na hora de escolher com o que gastar. Parece impossível, mas essas noções podem ser facilmente compreendidas por crianças e adolescentes quando ensinadas desde pequenas sobre a importância da responsabilidade com as finanças.
Fundado em 1885 e considerado um colégio tradicional de Ensino Infantil, Fundamental e Médio, o Liceu Coração de Jesus (localizado na região central de São Paulo) possui, no interior de seu currículo pedagógico, aulas com teor lúdico – para crianças a partir de 6 anos – para conhecimento das cédulas e o valor delas.
Angélica Biazioli, Coordenadora Pedagógica da Educação Infantil e Ensino Fundamental, indica que as atividades propostas precisam ser realizadas com brincadeiras e aplicações práticas. “Criamos um mercadinho na sala de aula, com embalagens reutilizadas, colocamos os preços fictícios, e com cédulas de brinquedos os alunos são desafiados a ‘ir às compras’. Com essa atividade eles aprendem sobre prioridades, valores e desejo e necessidade na hora de comprar”, explica.
Para os adolescentes e pré-adolescentes, o controle das economias é centrado na aproximação da realidade dos estudantes. Seja na compra de lanche na cantina da escola, ou no recebimento de valores pelos pais, para passeios com a turma ou escolha de presentes mais caros, esses “novos consumidores” precisam compreender o que significam os juros, e quais as consequências da má utilização do dinheiro.
“Dentro da matemática podemos abordar juros simples e compostos, parcelamentos, o perigo de dever o cartão de crédito e as possibilidades de conquistar um produto dos sonhos com economia inteligente do dinheiro, e pesquisas de preços”, afirma Luciano Ishihara Soares de Castro, Coordenador Pedagógico na Colégio Salesiano Santa Teresinha – instituição localizada na região norte de São Paulo centrada na metodologia do Amor Educativo e no Sistema Preventivo.
“Muitas vezes os alunos apresentam surpresa ao descobrir que os juros são altos e que vale mais a pena poupar e esperar, do que fazer um grande parcelamento”, complementa Luciano. De acordo com dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 32% da Geração Z está inadimplente. Essa geração abrange pessoas até 21 anos, cerca de 13 milhões, com valor médio de R$ 1.676,00 de dívida.
Para os coordenadores dos dois colégios (que fazem parte da Rede Salesiana de Escolas), um caminho para minimizar a má administração dos jovens de hoje, e daqueles que estão se formando, é investir em educação financeira, em parceria com as famílias. Os resultados das aulas são animadores: cada vez mais crianças e adolescentes compartilham com seus pais o que aprendem, e reforçam que o caminho da educação é promissor em vários aspectos, inclusive no âmbito econômico.
MÉTODOS DIFERENCIADOS
Comemorando 80 anos de trabalho em 2019, o Colégio Mary Ward, que possui uma infraestrutura diferenciada no bairro de Tatuapé (São Paulo), propõe a formação de cidadãos agentes de transformação. Nessa perspectiva, os estudantes da 1ª série do Ensino Médio (que possuem entre 14 e 15 anos) têm aulas de educação financeira que trabalham assuntos como Imposto de Renda, juros, mercado de ações, financiamentos, administração de finanças pessoais e, até mesmo, como se engajar em ações de micro empreendedorismo.
Segundo a professora de matemática Patrícia Monari o conhecimento dos estudantes na área financeira “amplia o entendimento sobre a sociedade, bem como suas relações sociais ou econômicas, conscientizando o futuro pagador de impostos sobre sua responsabilidade no cenário econômico e político, bem como na eleição de representantes governamentais, que tenham posturas assertivas na condução do país”.
A ideia de incluir esse projeto no currículo escolar, conta Patrícia, surgiu com a necessidade de inserir os alunos às discussões diárias nos meios de comunicação sobre o cenário econômico brasileiro e mundial, sobre o pagamento de taxas ou impostos sobre cada produto adquirido, sobre o entendimento de algumas siglas tributárias, IPI, ICMS, entre outras, e taxas que balizam a inflação, como a taxa SELIC.
“Índices esses que, por exemplo, se encontram embutidos nas taxas cobradas nos cartões de crédito, inseridas nos preços de todos os itens comercializados, em qualquer tipo de serviço prestado, tendo como consequência o aumento ou redução do poder de compra do cidadão”, pontua a educadora.
Para enriquecer as aulas e deixar os assuntos debatidos mais instigantes, o projeto é estendido aos pais/mães dos estudantes – que atuam no mercado de trabalho em diferentes segmentos, como empreendedores, profissionais liberais, funcionários contratados sob regime celetista e afins – “que mostram aos alunos a importância de se empreender ou trabalhar no Brasil, bem como as oscilações das cotações da bolsa de valores, a variação do dólar ou outras moedas, as tributações sobre as empresas e serviços, os impostos pagos pelos trabalhadores, as taxas governamentais e bancárias e o impacto que todas essas variantes têm sobre a oferta de emprego e o montante de capital ou crédito disponível no mercado”, complementa Patrícia.
A recepção à disciplina, reflete Patrícia, é positiva, já que os alunos dão depoimentos sobre ter aumentado o interesse em informações relacionadas às economias brasileira e mundial e o impacto que tais mudanças interferem em sua vida ou em seu ambiente familiar.
ADMINISTRAÇÃO DE FINANÇAS
Com o objetivo de ensinar os alunos a poupar e gerenciar gastos, o Colégio Franciscano Pio XII, instituição de ensino localizada no bairro do Morumbi (São Paulo), trabalha um projeto de educação financeira com os alunos do 6º ao 8º ano promovendo reflexões sobre consumismo, além de habilidades socioemocionais e protagonismos dos estudantes.
“Incluir o ensino de educação financeira na grade curricular é desenvolver no aluno habilidades que estimulem o protagonismo na gestão de sua vida financeira, é preparar o aluno para o futuro de um mundo globalizado”, explica a professora Patrícia Heidrich Prado, responsável pelo projeto do Ensino Fundamental II. “O foco do projeto é diferenciado, pois ensinamos a habilidade emocional de administrar a vida financeira e, também, o que pode e o que não se pode gastar; se recebe mesada e o que se gasta com ela, além de mostrar a preocupação com a sustentabilidade e controlar o consumismo”.
A professora conta que o projeto é trabalhado, para o Ensino Fundamental II, na disciplina intitulada “Prevenção e Cidadania”, que estimula as habilidades socioemocionais. “Com isso, além de desenvolver habilidades que auxiliem na organização e planejamento financeiro, também temos a preocupação com competências que favoreçam o desenvolvimento da cidadania, a preocupação com meio ambiente e a sustentabilidade”.
Como base para as aulas, foi adotado o projeto “Educação Financeira na Escola”, do professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Gilberto Lacerda, que traz uma metodologia simples e didática para que crianças aprendam a importância de se saber ganhar, gastar, acumular e também investir o dinheiro com responsabilidade e como utilizá-lo de forma consciente e sustentável. “Essas habilidades, incluindo a de organização financeira, estão diretamente ligadas à formação de um cidadão consciente”, conclui Patrícia.
Saiba mais:
Colégio Franciscano Pio XII – patrí[email protected]
Colégio Liceu Coração de Jesus – [email protected]
Colégio Mary Ward – [email protected]
Colégio Salesiano Santa Teresinha – [email protected]
Diego Barbieri – [email protected]
Fernando Oliveira Soares – [email protected]