Lugar de Valor no Interior da Escola
Imagine a seguinte cena: uma ponte entre dois penhascos, muito desgastada pelo tempo, cuja altura impossibilita a visibilidade do chão. Soma-se a esse cenário um vento fortíssimo e muita chuva. Tudo isso para assegurar que a travessia configure um risco. O que mobilizaria uma pessoa a empreender a travessia? Uma quantidade monetária? Para alguns pode ser o suficiente. Mas, pergunto: quantos pais hesitariam em iniciar a travessia se o seu filho estivesse no outro extremo, precisando da sua ajuda? Essa descrição denuncia o que vem a ser um lugar de valor para uma determinada pessoa, ou ainda, em nome de que/quem ela estaria disposta a investir as suas energias para preservar, para cultivar, para promover.
Partindo do conceito de lugar de valor como sendo o destinatário da energia investida nas relações humanas e, buscando estabelecer a possível correspondência com a relação entre professores e alunos, no interior da escola, questiona-se: o professor se constitui em um lugar de valor para os seus alunos? Os alunos são considerados um lugar de valor para os seus professores? Ambos produzem sentido de valor um para o outro? A relação valor versus energia é tão antiga quanto a história da humanidade: explicite no que/quem você investe a suas energias que eu lhe direi o que você considera um lugar de valor.
Energia, aqui, entendida como tempo, vitalidade, dedicação, enfim, o pulsar de cada vida – o nosso melhor. Há pessoas que discursam sobre o que consideram lugar de valor e, na prática, as suas prioridades denunciam falta de coerência. Quem já não viu um pai discursar sobre a importância de seu filho na sua vida e, de fato, o que sobra para esse filho são somente as migalhas do seu valoroso tempo. A letra do “Epitáfio”, música do Titãs, remete a essa realidade: “devia ter…”. Na verdade, quando o precioso tempo da vida parece se esgotar é que as pessoas se dedicam a pensar sobre quantidade de tempo e, portanto, de energia dispersada ao longo de uma vida.
Uma idéia-constituinte, delineada a partir das considerações acima, é a de que para que se constitua um lugar de valor, faz-se necessário ser alvo do investimento das energias pulsantes da vida de alguém. Caso contrário, não passa de retórica vazia. Não são raras as vezes em que se cai na armadilha de procurar soluções certas para os problemas errados, afinal as respostas são bem menos importantes para a dinâmica vida real do que as boas e genuínas perguntas. Na escola, investe-se um tempo considerável na busca de respostas para problemas antigos que, muitas vezes, se apresentam como sintoma e não como causa, das principais indagações institucionais. Falta tempo para pensar… isso faz com que as ações aconteçam à revelia do pensamento, ou seja, não se é capaz de compreender – pensar e exprimir – o que se é capaz de fazer…
O que impede o avanço na direção da compreensão da prática educativa que se assume não é a possibilidade de aprender com o sucesso de algumas iniciativas na área educacional, fazendo adaptações responsáveis e respeitosas a cada realidade, mas sim a atitude biocida de alguns gestores escolares, que desconsideram a inteligência coletiva dos seus profissionais, conferindo a outrem a competência para determinar o compasso dos processos pedagógicos, bem como a identidade da instituição.
Alheios à dinâmica interna, terceiros são contratados para fazer reuniões com as famílias, com os professores, comunicar à comunidade sobre as ações escolares, construir o planejamento estratégico, o regimento escolar, entre outras. Por tudo isso, a crítica sobre o “transplante” de modelos e eventuais “rejeições” do próprio “organismo” escolar se faz presente e necessária na discussão do tema proposto: a construção de lugar de valor na escola.
Portanto, a construção do lugar de valor de professores e alunos no espaço escolar está intimamente relacionada ao cultivo e a qualidade das relações interpessoais, capazes de oxigenar, vitalizando o movimento criador, por meio do qual se extrai a identidade da obra, ou melhor, a assinatura da autoria. Esse movimento confere, de modo singular, o sentido de valor aos processos de ensino e de aprendizagem, considerando a realidade a partir da identidade coletiva, sem a qual qualquer projeto humano se esvazia.
Muitas vezes, o mais difícil e, ao mesmo tempo, o mais necessário, é aprender a desaprender, para que se possa inovar, respeitando o espírito de comunidade, capaz de revelar as impressões do ‘agora’, que se encontra em plena atualização. É isso que viabiliza o necessário e afasta a armadilha do possível, conferindo responsabilidades pelo lugar de valor que se constrói e com o qual se identifica a própria obra.