Escolas do Século 21: Edifícios escolares devem se transformar?
Por Heloisa Herkenhoff
Desde a época em que era estudante universitária uma pergunta me acompanha: pode a arquitetura garantir melhor convivência entre as pessoas nos espaços criados pelos autores dos projetos? Desta pergunta decorre outro questionamento: em se tratando de edificações escolares, a arquitetura consegue modificar o comportamento e assegurar melhor interação entre os estudantes e dos alunos com os professores?
Com a experiência em inúmeros projetos educacionais que tive a oportunidade de desenvolver no escritório Bloch Arquitetos Associados, acredito ter chegado hoje a uma resposta que, claro, não é universal. As edificações construídas com base nesses projetos nos dão a certeza de que contribuímos para a convivência mais livre e dinâmica entre alunos e na melhor relação aluno/professor.
Ainda que pudesse citar vários, vou me restringir, a título de exemplo, à Escola Nossa Senhora das Graças, localizada no Itaim Bibi, bairro da zona sul de São Paulo (Gracinha, como a escola é carinhosamente tratada). Naquela edificação, os espaços de laboratórios são transparentes e intercambiáveis e os alunos podem ver e ser vistos por outras faixas etárias e acessar, seja por uma sala ou por outra, os armários de apoio, transparentes, sem que isso interfira ou comprometa o aprendizado. Ao contrário, o intensifica, conforme explica a neurociência.
Continuando no exemplo do Gracinha, o Ambiente de Arte é igualmente intercambiável, configurado com portas de correr e terraço externo descoberto que propiciam a oportunidade de integração única e do aprendizado interdisciplinar. Estas soluções, a medida que induzem à socialização, tendem a contribuir na construção do indivíduo, de acordo como ditam os especialistas.
Se, como acreditamos, as edificações escolares que projetamos nos dão a certeza de que propiciamos convivência mais livre e dinâmica, devemos também questionar se as escolas existentes hoje no Brasil estão preparadas para atender às novas demandas do ensino contemporâneo.
Novamente, a resposta é abrangente e múltipla, mas – também fundamentada em nossa experiência – de maneira geral, é possível afirmar que, mesmo com intervenções pontuais (dependendo dos recursos disponíveis), essas edificações podem, sim, se adequar a essas exigências.
Exemplificando: desde que não estruturais, paredes que delimitam as salas de aula, podem ser substituídas por portas de correr ou divisórias retráteis. Novas janelas (acústicas, de preferência) voltadas para o espaço externo, para um jardim ou mesmo para a cidade, ao contrário de trazer distração, podem significar a afirmação das crianças e jovens como cidadãos, atentos ao dia que passa, à luz que muda, ao inseto que voa. Enfim, tornarem-se cientes das potenciais e inúmeras descobertas à sua disposição.
Nesta mesma linha, por que uma sala de aula não poderia ser transformada em espaço de múltiplo uso, acolhendo a comunidade em atividades que permitam intercâmbio de ideias e convivência entre gerações?
Flexibilidade, integração de espaços internos e externos, relacionamento com a cidade e comunidade em edificações onde os conhecimentos são absorvidos de maneira fluida e natural podem ser um bom caminho para ajudar a formar cidadãos sensíveis e diferenciados.
Ressalto, no entanto, que sempre me deparo com uma questão fundamental: edifícios escolares bem planejados podem ser atemporais. Bons projetos de escolas incluem cuidados com a acústica, proteção contra o sol nos seus piores momentos, fluxos bem definidos, rampas adequadas ao trânsito universal de alunos, renovação do ar por meio de sheds (ver imagem da Escola SENAI – Centro de treinamento Ettore Zanini) ou de elementos vazados, dentre outros itens possíveis.
Essas e outras demandas só são solucionadas com arquitetura de qualidade. Escolas projetadas há anos por nosso escritório, com brises que evitam ofuscar os planos de trabalho ou com aberturas zenitais, cuidadosamente favoráveis a circulação de ar, continuam dialogando com os alunos. Transmitem o conceito que vale cuidar do meio ambiente com soluções simples na maioria das vezes.
É possível realizar mudanças práticas e eficientes nos ambientes de ensino. Vale muito, portanto, repensar e reformular os espaços de nossas escolas: os futuros cidadãos agradecerão.
Heloisa Herkenhoff é sócia sênior da Bloch Arquitetos, formada pela FAU-UFES (1985). Foi presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento do Espírito Santo. Especializou-se com cursos e oficinas em projetos na área educacional.