Mutilações Subjetivas: Holocausto Escolar
Indignar-se! Envergonhar-se! Esperançar-se! Já dizia o poeta Walter Franco, “viver é afinar o instrumento (que somos nós!), de dentro pra fora, de fora pra dentro”. Essa afinação é suscetível de traumas – pequenos ou grandes – inerentes ao processo de interação humana e que confere as cicatrizes da alma, o caráter singular e subjetivo de cada pessoa. Trata-se de uma história invisível, poucas vezes perceptível, mas que integra a identidade e ajusta o olhar personalizado sobre as coisas do mundo, no mundo. A qualificação da subjetividade humana advém das relações socioculturais que estabelecemos com as pessoas e é remodelada, por meio dessas relações, constantemente.
Esse contexto confere ao ofício docente a necessidade de transcender o eixo técnico e teórico, inerente à qualidade de ser profissional: profissionalidade, promovendo a constante intersecção com o eixo ético e relacional, próprio da qualidade de ser pessoa: pessoalidade.
Espera-se, portanto, que os profissionais da educação desenvolvam uma sensibilidade aguçada para identificar resíduos subjetivos das relações escolares, que sejam potenciais mutiladores da natureza humana, atualmente nominados de bullying, a fim de intervir de forma indignada, explicitando a fratura moral – vergonha – diante do abuso identificado e resgatando, com isso, a “boniteza” do verbo “esperançar”, tão bem defendida por Paulo Freire como a capacidade de se encharcar de esperança, alimentando as expectativas positivas em relação a si próprio e aos que o cercam.
Temos como atuação precípua, no interior das escolas, conter e inibir situações que flagelem o princípio da educabilidade, resguardando as melhores condições para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, com ações intencionais, coerentes e sensíveis, que permitam inteirar-se do olhar do outro e, por conseguinte, das suas necessidades, para colocar-se a serviço. Afinal, como fazer vistas grossas diante da perversidade que emana da transferência de energias desqualificadas nas relações humanas, a partir do momento em que somos conscientes de que a qualidade da interação entre as pessoas é um fator de desenvolvimento e um princípio de aprendizagem?
Sendo assim, para organizar as atividades escolares em favor da aprendizagem é basilar que se valide a qualidade dos vínculos, das relações – pois a indiferença coloca o combustível da vida na reserva. Cada professor tem o dever de construir um espaço relacional e vincular onde, cada um, em especial, se reconheça.
E mais: onde a identidade coletiva ancore a singularidade, assegurando o viço, gerador de energia para a construção do sentimento de pertencimento. Ouso falar em uma conexão capaz de promover a vida ao acolher a energia de cada um que esteja conectado. Porém, para identificar todas as faces dessa conexão, somente um olhar sensível e profissional – sofisticado – que se entenda a serviço da qualificação das relações, esteio do processo de humanização. Um cultivador de relações fluidas, um construtor de sentidos, ou seja, um professor!