O que são Metodologias Ativas e quais os seus impactos na educação?
Por Rafael Pinheiro / Fotos Divulgação
O campo educacional é atravessado, especialmente na atualidade, por densos estudos, pesquisas significativas, questionamentos e problematizações que evocam, de certa maneira, outras perspectivas – teóricas, científicas e práticas – sobre o extenso processo e desenvolvimento proposto pela educação. Dessa forma, avistamos a escola materializar um espaço de verdadeira (r)evolução, que transcende a sala de aula e a relação ensino-aprendizagem.
Nos últimos anos, o fenômeno tecnológico cresceu exponencialmente e impactou (e continua impactando) todos os sistemas socioculturais, inclusive a educação. Assim como a mídia digital, os aplicativos e as ferramentas tecnológicas adentram as salas de aula, novas gerações de alunos – ávidos por conexões, experiências, relações dinâmicas e usuários assíduos das redes digitais – também adentram as instituições de ensino. A principal questão que se coloca, nesse processo, é: Como equilibrar tradicionalismo pedagógico e inovação na escola?
As aulas expositivas sofrem, aos poucos, alterações e, em seu lugar, aparecem características dinâmicas e (re)arranjos nas salas de aula. Nessa composição, localizamos o conceito de Metodologias Ativas – nelas, o estudante é colocado como o protagonista no processo de aprendizado, deslocando do professor o título de ‘detentor do conhecimento’ e reforçando a autonomia na formação de cada estudante.
Para saber mais sobre o assunto e compreender as dinâmicas dessas metodologias, conversamos com Claudio Sassaki, CEO e cofundador da Geekie, mestre em Educação pela Universidade de Stanford e um especialista no Project Zero, de Harvard. Confira abaixo a entrevista completa:
Revista Direcional Escolas: O que são Metodologias Ativas? Quais são os principais benefícios de trabalhar as metodologias ativas em sala de aula?
Claudio Sassaki: Quando pensamos que metodologias são diretrizes que orientam qualquer tipo de trabalho ou tarefa, levamos em consideração que elas propõem estratégias – ou abordagens – que organizam e, muitas vezes, facilitam sua execução. Assim, quando falamos em metodologias ativas na educação, estamos nos referindo às estratégias que orientam o processo de ensino e aprendizagem; e trazem os estudantes para o papel de protagonista da construção dos próprios conhecimentos por meio do desenvolvimento de habilidades e competências. É, portanto, uma forma de ensinar e aprender na qual o aluno sai de um papel passivo – aquele que apenas decora fórmulas e informações para fins de avaliação – para um ativo, mais coerente com as suas necessidades atuais em um mundo cada vez mais tecnológico e conectado.
Insisto sempre que hoje, em grande parte das escolas, temos o modelo tradicional de ensino – que não olha para os estudantes da forma como estes merecem. Isso porque, primeiro, esses estudantes são apenas avaliados a partir de conteúdos e não de habilidades e competências. A Base Nacional Comum Curricular já impõe uma necessidade de mudança neste cenário. Ela coloca a urgência de promovermos uma formação integral dos estudantes que, em outras palavras, significa dizer que são levadas em consideração as diversas dimensões e/ou inteligências que compõem os sujeitos. Os diferentes aspectos e competências que os/as estudantes precisam desenvolver em favor de uma atuação legítima, tanto na vida pessoal, quanto no mundo do trabalho – isso inclui, inclusive, os aspectos afetivos relacionados à aprendizagem, ou seja, as habilidades socioemocionais. Sendo assim, o foco da aprendizagem deixa de ser a aquisição de informação pela informação e passa a centrar-se na aplicação dessas informações em situações que ajudem no desenvolvimento dessas habilidades. Por isso, um dos principais benefícios das metodologias ativas é promover situações de ensino e aprendizagem que tragam mais significado para os conteúdos que são trabalhados em sala.
Um outro importante benefício de trabalhar com as metodologias está nas formas de avaliação. No modelo ensino mais tradicional as avaliações fragmentadas não permitem total visibilidade do desenvolvimento contínuo e constante dos estudantes. Ele é truncado e espaçado no tempo: apenas quando o estudante e a família recebem as notas bimestrais, eles têm visibilidade de quais são as dificuldades daquele período e tentam resolver a questão nos próximos. Ao participar de um processo de aprendizagem ativo, o aluno torna visível o que muitas vezes fica invisível no dia a dia da formação, pois além de proporcionar diferentes cenários de aprendizagem, essas metodologias permitem avaliar não apenas a aquisição de novos conceitos, mas sim, a evolução do pensamento dos estudantes na medida que eles ou elas aprendem.
Por exemplo, durante uma sala de aula invertida – metodologia na qual o estudante precisa interagir com um novo conhecimento antes dele ser explicado em sala –, é possível, por meio de perguntas estruturadas, saber as concepções sobre o novo conceito enquanto ele estudava sozinho, durante o momento da aula e ao final do dia, sendo possível avaliar durante o processo quais partes do conteúdo os estudantes apresentaram dificuldade e quais eles se sentem mais confortáveis em demonstrar que aprenderam, seja por meio de novas perguntas, desenhos, paródias, encenações, etc.
Revista Direcional Escolas: Qual o papel do/a docente nessas metodologias?
Claudio Sassaki: Citei, anteriormente, a BNCC como uma propulsora deste movimento para transportar o estudante de um lugar passivo para um ativo. Isso acontece também com o professor. No momento em que a escola se propõe a realmente desenvolver as capacidades cognitivas e socioemocionais, por meio do desenvolvimento de suas competências e habilidades – isso por uma decisão própria, ligada ao seu projeto político-pedagógico, ou para atender as demandas da base e da sociedade –, o professor também precisa ressignificar a própria atuação.
Temos falado muito que, neste processo, a mudança para o professor é a passagem de uma postura de detentor de todo o conhecimento para a de orientador ou mentor do processo de aprendizagem dos discentes. Por serem responsáveis pela formação integral dos estudantes, esses docentes devem agir como facilitadores: precisam instigar a curiosidade, ajudar os alunos a irem além das respostas prontas, a enxergar que aquele tópico da aula de física, por exemplo, é importante para sua visão de mundo pelos inúmeros motivos possíveis.
O que falamos aqui, portanto, é que o professor precisa ressignificar a profissão. Ele deve assumir a lógica de priorizar a melhor experiência de aprendizagem para o aluno, ou seja, ele começa a pensar a aula, analisando quais são os objetivos de aprendizagem que deseja atingir. É o conhecido “teaching for the understanding”, que tem por alicerce o nível de aprendizado que se espera que o aluno atinja. Para isso, o professor precisa pensar primeiro nos objetivos de aprendizagem – quais são as competências e habilidades que serão desenvolvidas durante aquelas aulas ou quais são os conceitos-chave que seus alunos precisam entender, dominar e serem capazes de aplicar na situação de aula e na vida que fora da escola. Na sequência, as experiências de aprendizagem são desenhadas e é aqui que as metodologias ativas brilham como estratégias que colaboram para o cumprimento dos objetivos traçados.
Sendo assim, o papel do docente é fundamental para que o processo de aprendizagem ocorra de uma forma coerente com o hoje, com as demandas e necessidades que o século XXI coloca para a formação dos estudantes.
Revista Direcional Escolas: Você acredita que os/as docentes estão preparados para inserir essas metodologias em sua rotina de ensino?
Claudio Sassaki: Acredito que estamos construindo um caminho, mas que é urgente que ele se solidifique. Embora alguns críticos apontem que as universidades e faculdades não formam (ou não formaram ao longo do tempo) professores que vão além da simples transmissão de conteúdos, vejo hoje muitas iniciativas bastante interessantes de instituições de ensino superior, de grupos de professores e consultorias pedagógicas que lançam mão da homologia de processos para o educador ser formado por meio de estratégias realmente significativas para sua futura atuação docente. Isso significa que, para um professor adotar metodologias ativas em sala de aula, ele precisa ser formado por meio dessas metodologias. Eles precisam vivenciar, entender o significado e o propósito daquelas estratégias para usá-las com os alunos. Essa questão é tão crucial quanto fácil de exemplificar: a maioria dos professores replicam com os alunos a forma como aprenderam. É isso que sustenta um modelo tradicional na educação.
Além deste ponto, há uma outra informação bem interessante que ajuda a responder esta questão. Ao contrário do que muitos pensam, a principal demanda do professor brasileiro não é só um salário maior, mas sim uma formação continuada que dê a eles os insumos necessários para aprimorar suas estratégias e continuar engajando e formando estudantes.
A pesquisa “Profissão Professor” – conduzida pelo movimento Todos pela Educação com mais de 2 mil professores brasileiros de educação básica e ensino médio – mostra que 69% dos educadores defendem que dar mais oportunidades de qualificação aos docentes que estão na ativa é a medida mais eficaz para a valorização da profissão pela sociedade; 67% dos entrevistados destacam o envolver e escutar os educadores nos debates públicos e nas decisões políticas educacionais. Na opinião dos professores, oportunidade de qualificação aparece como critério mais importante para a valorização da atividade docente.
Essa necessidade de formação não envolve apenas a demanda por aprendizados sobre metodologias ativas, mas também a experiência necessária para engajar e promover uma aprendizagem significativa para o estudante do século XXI. Estou falando aqui do uso da tecnologia com intencionalidade pedagógica, ou seja, o uso de devices, softwares, aplicativos e outras ferramentas tecnológicas com a devida intenção e significado para o processo de aprendizagem – sem isso, qualquer celular, computador ou apresentador de slides não passam de meras ferramentas que substituem a exposição na lousa por uma exposição na tela e a aprendizagem continua passiva. Sendo assim, é um desafio e uma demanda do professor o aprimoramento da forma de ensinar mais coerente com os nativos digitais que povoam a escola atualmente.
Revista Direcional Escolas: Quais são as estratégias de aprendizagem que compõem essas metodologias?
Claudio Sassaki: As metodologias ativas mais conhecidas e que mais ensinamos aos professores durante as formações são a sala de aula invertida e o quebra-cabeças. Na primeira, o aluno estuda o conteúdo previamente, a distância, por meio do material didático, textos de apoio, vídeos ou outros materiais selecionados pelo professor. Essa estrutura promove o desenvolvimento de uma aprendizagem ativa e investigativa, além de ressignificar o papel do estudante, transformando-o em protagonista do processo. Na sala de aula, esses estudantes irão apresentar o conteúdo, tirar suas dúvidas e/ou ter acesso a outros materiais indicados pelo professor. A dinâmica em sala é bem diversa: o docente pode elaborar um projeto, um debate ou uma série de outras atividades para que os estudantes mobilizem seus estudos e investigações feitas em casa para atingir os objetivos de aprendizagem propostos para aquela experiência de aprendizagem.
O quebra-cabeça é uma outra metodologia ativa. Ela proporciona situações de aprendizagem nas quais os estudantes se tornam “especialistas” em um tópico ou conceito e compartilham os novos aprendizados com seus/suas colegas. Resumidamente ela acontece dividindo a sala em grupos, e cada estudante recebe um tópico diferente ou conceito pelo qual ficará responsável por estudar, primeiro de forma individual. Depois, são formados novos grupos de acordo com a semelhança entre tópicos. Nestes novos grupos os estudantes poderão compartilhar entre si o que estudaram e decidir uma forma de explicar ao seu grupo de origem tudo que aprenderam. Ao retornarem aos grupos de origem, cada integrante terá um tempo pré-determinado para explicar aos demais colegas o novo conceito utilizando das estratégias que discutiu e aprendeu com o grupo de amigos que recebeu o mesmo tema. Assim, essa metodologia oferece uma alternativa para o estudo individual e a colaboração em grupo, enquanto coloca o docente como mediador do processo de aprendizagem.
Revista Direcional Escolas: De forma prática, como inserir as estratégias das metodologias no cotidiano escolar? Todas as matérias dos currículos escolares podem utilizar essas metodologias?
Claudio Sassaki: Todas as áreas de conhecimento podem utilizar, sim, essas metodologias – inclusive, o melhor cenário possível é que elas usem de forma conjunta e transversal, promovendo a integração entre as áreas para que o conhecimento construído pelos estudantes seja amplo e plural. Pensando nisso, vejo que uma das melhores formas de inserir essas estratégias no cotidiano das escolas vem primeiro pela formação docente. Se os professores não se sentem confortáveis com essas metodologias, ou não têm conhecimento sobre elas, a melhor forma é promover rodas de conversa e debates para que o corpo docente troque experiências e apoie os pares para que todos possam promover experiências que engajem seus estudantes. Nestes momentos de aprendizagem colaborativa, muitas vezes, surgem integrações incríveis entre áreas que podem nunca ter se conversado antes, como química e artes, geografia e física ou mesmo língua portuguesa e matemática. As possibilidades são infinitas e todos se beneficiam dessas trocas ricas de experiências e aprendizados.
Já no contexto da sala de aula, ouso dizer que muitos professores já adotam uma ou outra metodologia ativa sem sequer saber. Se generalizarmos o conceito, podemos perceber que qualquer atividade (que fuja das tradicionais exposições de conteúdos e avaliações escritas) já é ativa – faço aqui uma ressalva importante: embora as críticas recaiam sempre sobre a aula expositiva e as provas escritas, elas continuam tendo seu valor em alguns contextos de sala de aula. Desta forma, uma roda de debates, trabalhos em grupos ou pesquisas na internet (sempre com intencionalidade pedagógica), já são formas de estimular o pensamento, a criticidade e a investigação dos estudantes. Uma dica é começar aos poucos e ler muito. Há vários livros (físicos e digitais) que apontam e orientam a como conduzir essas experiências de aprendizagem ativas e o mais interessante deles é o compartilhamento honesto das dificuldades que esses educadores tiveram quando começaram a inovar em sala de aula. Ter contato com experiências de outros educadores ou o apoio de consultorias especializadas é um ótimo início: primeiro pode vir a reprodução de outras atividades ativas e, com o tempo, surge a inspiração e a criação – que é quando o professor passa a criar as próprias estratégias.
Revista Direcional Escolas: É possível afirmar que as metodologias ativas surgem para responder demandas da contemporaneidade, especialmente após o advento tecnológico?
Claudio Sassaki: Embora essas metodologias não sejam novidade na Educação, elas ganham cada vez mais sentido no contexto atual. Despertar no aluno o gosto por aprender continuamente e desenvolver uma grande capacidade de adaptação são habilidades que estão no cerne de profissões que ainda nem existem. Levantamento da Fundação Instituto de Administração (FIA) – que aponta as 45 profissões do futuro – traz atividades como advogado especialista em proteção de dados; analista de Big Data; analista de comunicação com máquinas; analista de ética; atendente virtual de pacientes; cientista de dados; conselheiro de tecnologia na área da saúde; consultor (agricultura urbana, de entretenimento pessoal, espiritual, financeiro de criptomoeda); corretor de seguros de dados; curador de dados pessoais; designer instrucional; designer de realidade aumentada; detetive de dados; diretor de cloud computing; diretor de user experience (UX); engenheiro de energias renováveis; gestor de Edge Computing; e gestor de inteligência artificial para smartcities. Esses são apenas poucos exemplos de profissões que nossos jovens vão exercer. E para as quais devemos, pais e educadores, prepará-los. Como será possível que os estudantes de hoje sejam profissionais bem-sucedidos e felizes no futuro se eles continuarem a receber uma formação que nega sua individualidade, suas necessidades e não desenvolve as competências que a sociedade e o mercado de trabalho demandam de todos nós?
Ressalto aqui também a importância da tecnologia na educação. Ela vem se mostrando como uma grande aliada de educadores para proporcionar experiências de aprendizagem ativas e coerentes com a realidade, linguagem e experiências dos estudantes – destaco mais uma vez a necessidade da intencionalidade pedagógica nesta questão para que as ferramentas escolhidas não sejam apenas substitutos de métodos tradicionais de ensinar. Estamos em um mundo cada vez mais tecnológico, tanto que as inovações surgem em um ritmo cada vez mais constante o que até caracteriza, na opinião de especialistas do Fórum Econômico Mundial, a 4ª revolução industrial pela qual estamos passando. Logo, é incoerente que estudantes sejam formados apenas com papel e caneta quando em casa eles estão imersos no mundo digital e, no futuro, terão a vida digital cada vez mais presente no mundo do trabalho, acadêmico e pessoal.