A culpa é sempre da educação… ou da falta dela
Hoje eu quero falar sobre “culpa”.
A palavra culpa, do verbo culpar, se refere a responsabilidade dada a pessoa por um ato que provocou prejuízo material, moral ou espiritual a si mesma ou a outrem, ou ser um sentimento que se apresenta à consciência quando alguém autoavalia seus atos de forma negativa, sentindo-se responsável por falhas, erros e imperfeições. Culpa tem a ver, então, com o direito, a psicologia e a ética. Mas como filósofo e poeta que sou, me aproprio de tudo o que me dá vontade e transformo em insumo para o pensamento.
Quando você liberta seus pensamentos e se entrega à filosofia, livre da pretensão de querer estar certo, com o objetivo apenas de provocar mais pensamentos, é possível criar um tsunami de ideias que ao mesmo tempo destrói e traz à tona, novos pensamentos.
Com a devida licença poética, podemos imputar culpa positiva também! “A culpa é sua por eu te amar” – poderia dizer um poeta…
Hoje acordei com uma música na cabeça, que na verdade, em diferentes momentos de minha vida, outros trechos inclusive, trouxeram-me significados e reflexões diferentes:
“Você culpa seus pais por tudo, isso é um absurdo. São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer”…
Quando penso na profundidade e significado de afirmações como esta, não me importa se o Renato era russo, africano ou americano, este ser produziu um alimento para a alma humana, que deve ser digerido para todo sempre e utilizado para produzir novas reflexões.
Há seis anos eu comecei a investir em educação “como se não houvesse amanhã”, mas houve… (risos). Um volume gigante de investimento financeiro, passos lentos ante a resistência, retornos incipientes, mas ainda assim, nenhum milímetro de arrependimento.
O que é arrependimento para alguém como eu, que a vida inteira teve que desacelerar o ritmo das ações, diminuir o tom das convicções, ante a incompreensão e “medo” das pessoas em promoverem mudanças significativas, para não perder amigos ou ainda para manter a aparência do politicamente correto, para não se sentir tão deslocado na vida? (Me arrependo das palavras que eu engoli por medo de me isolar).
Dentre os componentes da minha tese – A eVUCAção do Século XXI -, um deles, remete escolas às prisões. De Foucault à Roger Waters com a celebre “Another brick in the wall”, entre outros, cada um à sua maneira, já discorreram sobre este mesmo pensamento.
Como sou um entusiasta do exercício da educação contextualizada, resolvi desenhar o que me fez estabelecer uma conexão, dentro de uma hipótese filosófica, entre a letra do Renato e a importância da educação na linha histórica do tempo:
Sobre amor, ódio, frustrações e a culpa
Sentimentos extremos como amor e ódio, na maior parte dos casos, se manifestam em circunstâncias e com relação à pessoas que de alguma forma nos “afetam”.
Eu me frustro quando tenho expectativas. Logo, seria correto pensar que não existe frustração além da expectativa.
“Você culpa seus pais por tudo” traz à tona a relevância / importância da família, mais do que a própria constatação de que os filhos culpam os pais por tudo…
“São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer”, ilumina a ideia de que os filhos são reflexo dos pais, muitas vezes inclusive, no que mais criticam.
Além disso, o “culpar” e a constatação de que serão “crianças como você quando você crescer”, demonstra uma expectativa (de muito filhos e de muitos pais) de que os pais deveriam entregar a seus filhos todos os mapas e segredos da vida que os impeçam de tropeçar e fracassar, desconsiderando que eles mesmos, os pais, estão em contínuo processo de aprendizado buscando serem a melhor versão de si mesmos.
Caminhamos dessa forma, de culpa em culpa, por estradas que nos trouxeram aos dias de hoje, e a despeito de termos todos os recursos mais modernos e avançados em mãos e a informação a um clique de distância para mais de 5 bilhões de pessoas, em mais de 8 bilhões de dispositivos móveis conectados às redes de internet no mundo, vivemos em uma sociedade composta essencialmente por gente fraca e sem propósito, que estão aprisionados em modelos mentais divergentes do que o futuro nos demanda em termos de evolução.
Transportando-se no tempo para exercitar ao menos mentalmente a resiliência
Exercite imaginar-se ou imaginar alguém de nosso convívio, na pele de alguém que nasceu no ano 1900 e logo aos 14 anos de idade teve que enfrentar as incertezas de uma primeira grande guerra mundial, que terminaria apenas 4 anos depois, deixando um saldo de 22 milhões de mortos.
E na esteira desse evento, 2 anos de terminada a guerra, aos 20 anos de idade teve que enfrentar uma pandemia (gripe espanhola) que mataria mais de 50 milhões de pessoas em todos os continentes.
E que, quando imaginava que a vida estava “quase voltando ao normal”, aos 29 anos, teve que sobreviver em meio à uma crise econômica mundial que derreteu a Bolsa de Nova York e trouxe eventos de inflação, desemprego, fome e taxa de suicídios em níveis severos…
E aí, a vida tá fácil? Mas relaxa que o exercício ainda precisa ficar um pouquinho mais desafiador ao pensar que aos 33 anos, esta mesma pessoa ainda veria os nazistas chegando ao poder, o que eclodiria uma segunda grande guerra mundial que deixou um rastro desolador de 60 milhões de corpos, a somar ainda o Holocausto em que morrem 6 milhões de judeus, terminando este ciclo infeliz no seu “feliz aniversário” de 45 anos.
Para coroar esta “vida tranquila”, aos 64 anos ainda vê começar a guerra do Vietnã, que duraria até seus 75 anos. E se viveu no início dos anos 80, ainda roeu algumas unhas com a guerra fria.
Hoje, no embalo da canção “Pais e Filhos” do Renato Russo, eu, que mesmo inconscientemente, muitas vezes, passei a minha vida inteira culpando meus pais por tudo, depois de 6 anos como pesquisador na área da educação, culpo a educação por tudo. Culpo as escolas por tudo.
Explicando a indignação
O modelo de escola do jeitinho que conhecemos hoje e seu sistema de recompensas, que se moldou entre 1800 e 1900 durante a revolução industrial, criou toda a geração “tranquila” que fez do mundo um lugar muito “gostoso” de se viver entre 1900 e 2000, e que depois deu uma guinada dos 80 para os 8 na construção da estrutura atual, em termos de força e presença de espírito dos dias de hoje, comprovada quando nos deparamos com tanta gente surtando por terem que se isolar socialmente por alguns meses, por terem que dar conta de serem pais e mães professores para seus filhos, reclamando diretamente do conforto de suas casas providas de energia elétrica, água limpa, internet e comida na mesa. Reclamando que a máscara está deixando nossas orelhas deformadas, narizes achatados e pele irritada.
Quando “me livrei” da escola em 1996 para ser um Lifelong Learner, tinha a nítida sensação de que continuar aprisionado no modelo ao qual eu já estava acorrentado durante grande parte da minha vida, me traria mais problemas que soluções (e nem estou falando de matemática, muito menos da dislexia que descobri apenas aos 19 anos, que me acompanhou a vida inteira e nenhum professor percebeu).
Eu que já havia tomado instintivamente uma medida um tanto mais “libertária”, durante minha adolescência, com relação a religiosidade e o exercício da minha espiritualidade, hoje, um pouco mais maduro, percebo que foi pelo mesmíssimo motivo: – Pelo fato das religiões terem assumido e se consolidado como estruturas “escolares”, inclusive, mesmo antes das escolas do jeito que conhecemos hoje, surgirem. Diga-se de passagem, mantém-se presentes até hoje no contexto educacional como mantenedores de diversos grupos e redes educacionais.
Para mim, as igrejas haviam se apossado do “controle de acesso a Deus”, tanto quanto a escola com relação do controle de acesso ao conhecimento. Este modelo ainda hoje é tão forte, que é possível apurar facilmente fazendo uma única e singela pergunta para uma criança de 6 anos: Por que você vai à escola?
A resposta, quase que invariável é:
– Para estudar. Para aprender.
Como se a escola fosse de fato o único lugar onde este “fenômeno” seria possível.
E para trazer mais uma faceta da “culpa”, objeto central das reflexões deste artigo, se as igrejas, dogmáticas, trazem a reboque do pecado, a culpa, o que dizer da escola com seu sistema de recompensas, que valoriza tanto o resultado refletido em notas e culpa de quem não estudou?
Pesquisa recente mostra que 50% das crianças entrevistadas, tem medo de não voltar para a escola. Não sei sobre a pluralidade de públicos que foi objeto da pesquisa, mas os que têm medo de não voltar podem ser crianças em condições de vulnerabilidade que se não forem para a escola deixarão de ter minimamente 2 refeições ao dia. Ou ainda, crianças que criam vínculos sociais fortes com amigos na escola… muito menos porque estão sentindo falta de ir para a escola porque estão com vontade de gabaritar na prova de física.
E as outras 50% que não têm medo de não voltar para a escola?
Ano após ano, igrejas e escolas perderam “fieis”, por não perceberem que as pessoas não querem através delas obterem autorização ou licença, nem para falar com Deus, nem sobre o que desejam conhecer/aprender.
Não perceberam (ou se rogaram por desentendidos), que as pessoas apenas ansiavam por sacerdotes/professores que os inspirassem a encontrar em si seus próprios canais para acessarem a energia que comanda o universo, “Deus” ou o “Conhecimento”, palavras quase que sinônimas pelos seus significados tão libertadores.
Da mesma forma que eu não quero um padre, pastor, monge, rabino ou pai de santo para intermediar meu contato com o divino, quero um professor que me inspire a aprender, instigue minha curiosidade e me ajude a aplicar meus conhecimentos. Que acolham com carinho e atenção minhas habilidades.
Como eu já disse em um outro artigo meu, por mais que haja resistência, TUDO começa, passa e (nunca) termina, por educação. A escola deveria ser o primeiro abraço da sociedade acolhendo seus cidadãos, pois, como já nos mostrou o filme coreano: Parasita (quem não assistiu assista!) – as habilidades não acolhidas por uma sociedade, em condições de desigualdade extrema, podem se tornar armas contra si mesma.
Não por acaso também, que eu trouxe para o exercício de pensamento proposto por este artigo, a música “Pais e Filhos”, uma vez que os pais são os primeiros professores da vida de uma criança e a família, a primeira escola. Fundamentos que não podem ser esquecidos ou distraídos pela tônica dinâmica da vida do mundo de velocidade vertiginosa em que vivemos.
E o que fazer com o conhecimento?
Avaliar e aferir conhecimentos não é a parte mais importante da educação. O que não se aprende em um momento, pode ser aprendido em outro contexto baseado no interesse e na necessidade. Já as habilidades de vida, interações socioemocionais e habilidades naturais, uma vez não suportadas e desenvolvidas no tempo certo, se tornam crenças limitantes incrustadas no perfil psicológico, com as quais as pessoas precisarão conviver, muitas, pelo resto de suas vidas.
Precisamos conduzir nossas crianças e jovens por uma trilha que não cultue culpas. Um ser humano sem culpas certamente é muito mais capaz de entregar o melhor de si. Imagine… por que não uma sociedade com menos culpas e mais entrega?
“É preciso amar, as pessoas como se não houvesse amanhã”, deveria ser a essência no mundo V.U.C.A, acrônimo que contextualiza o mundo Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo…Lembrando que amar, muito mais que gostar, se apaixonar ou querer estar junto no sentido romântico da palavra, em sua essência mais ampla, deve ser sinônimo de respeitar.
Desta forma me permito despedir-me com um fraterno AMO VOCÊS, com a segurança de ser compreendido!
Por Luiz Fernando Orlandini: formado em marketing, empreendedor na área de tecnologia há mais de 20 anos. Escritor do livro “A educação do Século XXI – Método do olhar”, criador da Plataforma Schoolastic, a primeira Inteligência Artificial orientada ao levantamento de Indicadores a partir do monitoramento dos padrões de preferência cerebrais de estudantes de todas as idades.