(Re)construindo as relações da comunidade escolar
A sala de aula é testemunha de inúmeras disputas: qual será a brincadeira, de quem é a vez, quem vai se sentar ao lado da janela, entre outras. A motivação mobiliza os conflitos de relações que tem enorme valor no contexto educativo e pedagógico. O compartilhamento do espaço exige que crianças e adolescentes aprendam a negociar e essa não é uma capacidade inata, mas uma lição que aprendemos com a prática. As medidas de isolamento social esvaziaram os espaços de convivência e agora o desafio dos educadores é (re)construir as relações da comunidade escolar na volta ao presencial.
O avanço da imunização possibilitou o retorno de algumas atividades presenciais. Ainda estamos em pandemia, mas com uma vida social um pouco menos restrita, e este período de transição entre o isolamento total e a reabertura das atividades traz aspectos fundamentais que ressignificam o papel da escola – e, mais especificamente, do ambiente educador – para o desenvolvimento socioemocional dos estudantes. Os protocolos sanitários continuam os mesmos, mas, por outro lado, as crianças voltaram a se olhar e a dividir o espaço.
Imaginem que durante os últimos meses, muitos dos nossos estudantes permaneceram em casa restritos às relações com adultos que, por melhores que sejam, estão, muitas vezes, estruturadas verticalmente. Agora é a hora de voltar a brincar, retornar ao lúdico e aos contatos mais horizontalizados com os colegas de classe – em resumo, felizmente, voltamos com a bagunça organizada da sala de aula e a restabelecer as relações de amizade e confiança que acontecem na escola e que, talvez, nunca foram tão importantes e celebradas.
Através da transmissão das aulas online, a escola entrou no espaço familiar e os educadores estabeleceram uma conexão com o conhecimento pautada pelas novas tecnologias – ambiente nativo para os nossos estudantes, que nos ensinaram a ser menos “cringe”. Com o retorno ao presencial, o educador potencializa o papel de mediador das relações, proporcionando parcerias entre grupos de alunos, ocupando o espaço da escola, refazendo e ressignificando as relações da comunidade escolar.
Se aprendemos algo com as aulas online foi a importância do espaço escolar como um ambiente educador. A ideia do espaço da sala de aula como único ambiente educacional se tornou obsoleta. O espaço educador é o das interações, todo ambiente em que diferentes formas de pensar se encontram – ou seja, a escola inteira. O potencial dessa visão é imenso, mas exige corresponsabilidade, o comprometimento de todos os atores da instituição de ensino no processo educacional.
Contudo, não podemos confundir a reconstrução das relações interpessoais com uma tentativa de ignorar o que passou. Pelo contrário, o desafio será integrar a experiência dos estudantes no planejamento pedagógico. Não adianta tentar centralizar em conteúdos que não tenham conexões com tudo que o aluno vivenciou durante a pandemia. Em outras palavras, a experiência com o isolamento social não será importante apenas do ponto de vista socioemocional, mas também no processo de ensino e de aprendizagem.
Entendo que há a tentação de, assim que possível, deixar toda a experiência da pandemia para trás. Contudo, este é um período que pela dimensão e impacto não poderá ser varrido para debaixo do tapete. O desafio da educação em 2021 será aprender a trabalhar com as lacunas, as carências e a materialidade deste momento da história.
Atentos à segurança e aos protocolos sanitários, voltamos a ter o prazer da convivência – e aos conflitos das relações presenciais (tão importantes para a formação humana). O mais importante é entender como lidar com os novos papéis que a escola assume sem perder de vista a função principal da instituição e o compromisso com o saber. Nós, educadores, trabalharemos juntos para colaborar, administrar situações do dia a dia e, sobretudo, construir o conhecimento a partir destes desafios. Confio que faremos a diferença.
Prof. João Carlos Martins é Diretor-Geral do Colégio Renascença (SP)