Acolhimento seguro
Por Eric Amorim
Imagine a seguinte cena: “Ei, filho, não suba na mesa! Já disse, não pode subir na mesa, se cair… você vai ver”. Até que… TI BUMM!!! Cena muito comum nas residências e que a professora ou o profissional da escola acaba adaptando para a realidade escolar – “se continuar a fazer isto, levo você para a coordenação/direção”.
No momento em que passamos por um acidente nosso corpo e as nossas emoções vão a mil. “Meu Deus, e agora?”. E então passamos pelas três piores sensações da vida: vergonha, medo e dor.
Nesse cenário onde a criança sofreu um acidente, no qual havia sido informada das consequências de sua ação imprudente, em qual das três sensações ela está: dor, medo ou vergonha? Bem, dependendo da situação, até as três simultaneamente. Logo, temos que entender e acolher, tanto no sentido físico como nas emoções. E é aí que muitas vezes erramos.
Normalmente reagimos ao acidente de três formas:
- Infantilização: Imediatamente pegamos no colo e começamos, “aí tadinho, fez dodói, quer beijinho pra sarar?”. Nesse momento a criança inicia com a perda de fôlego e abre um berreiro incontrolável, talvez por horas. Imagine você recebendo esse mesmo atendimento por um médico no hospital após um acidente, será que não teríamos a mesma reação que a criança?
- Julgamento: “O que foi que eu te falei? E agora? Eu sabia que isso iria acontecer”. Uau, o que será que está passando na mente da criança agora: “não posso confiar nele, pois quando estiver com medo, dor ou vergonha, será assim que irá me ajudar”. Responda para você mesmo: alguma vez fez algo errado quando criança e disse “só não conta para meus pais”? Se sim, provavelmente seus pais já agiram assim com você um dia e é esta a percepção de julgamento que imagina que eles teriam com você.
- Avaliação/Acolhimento: “Está tudo bem!”. Esta pode ser a primeira coisa que diga quando ver um acidente, “está tudo bem”, e por qual motivo? Pois, enquanto avaliamos a cinemática (vamos abordar a cinemática mais adiante), a criança tem que se sentir acolhida em suas emoções e segura quanto ao físico. Logo, essa frase já acalma o coração e a mente da criança, e até mesmo de um adulto.
Quais são os riscos de não ter um acolhimento seguro?
- Traumas emocionais: Como vimos, ao passar o sentimento de julgamento quando está vulnerável com dor, medo e/ou vergonha, podemos perder a confiança futura da criança. Infelizmente existem muitos casos em que crianças que se engasgam com brinquedos e são encontradas embaixo da cama ou dentro de um armário, talvez com medo de pedir ajuda aos pais por conta do julgamento. Agora, quando infantilizamos, a criança tende a repetir as situações frequentemente para chamar a atenção.
- Traumas físicos: No momento de um acidente, principalmente com crianças pequenas, tendemos a pegá-las no colo imediatamente para acalmá-las. Acredite, esse acalmar está muito mais relacionado a nós do que com a própria criança, pois quem está com dor não quer se pego no colo. Mas existe um risco enorme nisso; ao levantar ou pegar no colo, sem avaliar o risco de lesões, podemos agravar ainda mais as consequências se não avaliarmos antes, então nada de pegar no colo imediatamente!
Quando e como fazer esse acolhimento?
Precisamos avaliar a cinemática! Cinemática são todas as variáveis existentes em um acidente, como: qual a altura da queda, se estava correndo, se caiu protegendo a cabeça, o impacto com o chão era grama ou piso, e como foi a reação da criança.
Esta avaliação não demora mais do que cinco segundos, em seguida abaixe-se próximo à criança, coloque a mão sobre o ombro dela para que possa sentir sua presença, e avalie a questão física como sangramentos e hematomas. Mas atenção, principalmente, aos movimentos naturais espontâneos, ou seja, analise como ela está se mexendo, pois se houver fratura ou lesão mais séria não irá conseguir ou irá apresentar queixas. Seja calmo e claro “me diga onde bateu, como foi…”, temos que avaliar o neurológico (quando for batida de cabeça) e físico, sem dar vasão nesse momento para o emocional.
Quedas são frequentes durante toda a infância, mas as estatísticas de morte são baixas comparados a outros acidentes como trânsito (30%). As quedas (5%) têm alto impacto na internação hospitalar com quase 50% das internações por acidentes (fonte DATASUS). Oriente sempre a equipe escolar para agir com a avaliação da cinemática antes de efetivamente levantar a criança. Melhor que agir rápido, é agir certo.