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Guia para Gestores de Escolas

Respeito e diversidade: Como prevenir e combater práticas de bullying e cyberbullying?

Por Rafa Pinheiro / Fotos Divulgação

Compreendido como ações de intimidação, humilhação, insultos, apelidos jocosos, ameaças e tantas outras práticas negativas – intencionais e repetidas – o bullying se tornou uma preocupante realidade no ambiente escolar. Tanto as práticas de bullying, que ocorrem em espaços físicos, como as de cyberbullying, presentes nas plataformas digitais, em especial nas redes sociais, são temáticas complexas, delicadas e urgentes que merecem atenção e intervenção

Popularizado pelo psicólogo sueco-norueguês Dan Olweus a partir de seus estudos na década de 1980, o termo bullying (bully = “valentão”, “tirano”, “brigão”), de origem inglesa, pode ser compreendido como práticas negativas – intencionais e repetidas – que provocam consequências sérias às vítimas, tanto no aspecto físico como no psicológico. Nos últimos anos, com base em uma profusão de estudos e pesquisas sobre a temática com o intuito de mapear as práticas de bullying/cyberbullying no país, dados alarmantes comprovam uma alta incidência de atos de humilhação, intimidação e/ou violência praticados no cotidiano escolar e, também, nos ambientes virtuais.

Compreendendo a existência complexa e problemática das práticas de bullying/cyberbullying – e as suas relações diretas com as formações dos/as alunos/as – trouxemos nesta Conversa com o Gestor um especial com um time diverso de profissionais que atuam em variadas áreas da educação, comentando sobre estratégias que podem ser realizadas para prevenir e combater essas ações negativas no cotidiano das instituições de ensino.

Rafaela Paiva Costa – Doutora em educação pela UFMG e consultora pedagógica do LIV

“O bullying é um termo já bem familiar na comunidade escolar, que reúne algumas violências sobre as quais quase todo mundo consegue comentar algo, seja por experiência, seja pela observação ou abundância de relatos à volta. É, portanto, um problema que extrapola o evento episódico e está presente em contextos escolares e não-escolares diversos. Assim, se quisermos compreender o bullying como fenômeno social, entendemos que é necessário prestar atenção às nossas formas de conviver. Aprendemos a viver das formas que vivemos dentro do nosso meio sociocultural – e construímos nossas visões de mundo e modos de agir nele a partir das suas referências. De que forma temos aprendido a conviver?

A educação socioemocional é um exemplo de investimento na disseminação de práticas de convivência que estimulam o senso de pertencimento e a cultura de cuidado e autocuidado na comunidade. Trata-se de um processo pedagógico voltado para o autodesenvolvimento – a partir do autoconhecimento e da gestão das emoções, por exemplo – e fomento a uma cultura de convivência mais saudável e proveitosa para todos. São experiências escolares vividas por crianças e adolescentes, com a frequência, materiais didáticos e intenções pedagógicas apropriadas para cada faixa etária. Dessa forma, amplia-se o repertório de recursos emocionais e sociais para lidar com os sentimentos e relacionamentos, no presente e no futuro.

E a escola é um dos espaços mais determinantes no aprendizado do convívio social. Na escola e em casa, aprendemos e reproduzimos nossos modos de ser e conviver. Por isso, é onde também podemos aprender valores e hábitos de convivência que privilegiam a redução da violência e o fortalecimento da conexão consigo, com o outro e com o mundo. Esse ambiente mais favorável, social e emocionalmente, impacta na aprendizagem e no desenvolvimento global dessas gerações, assim como na forma como nós lidamos com as diferenças e com o conflito. Fornece ferramentas para combater e prevenir o bullying, entendido como sintoma de uma violência estrutural.

No LIV, acreditamos que não há receita. Mas, existem alguns conhecimentos e práticas para a organização do ambiente e das vivências que promovem a inteligência emocional e as habilidades socioemocionais para o bem-viver individual e coletivo. Exemplos disso são as brincadeiras, a contação de histórias e os jogos que estimulem o reconhecimento das emoções, na infância, ampliando o vocabulário emocional e a capacidade de expressar e gerir estados emocionais, assim como a lidar com os dos outros. Ou ainda, o fortalecimento de espaços seguros de fala e escuta na rotina escolar e doméstica, nos quais sejam acolhidos com empatia todos os sentimentos e experiências. Esses espaços favorecem o autoconhecimento, o senso de pertencimento e o manejo dos relacionamentos – recursos estratégicos para as escolhas e transformações da adolescência.”

Rafaela Paiva Costa – Doutora em educação pela UFMG e consultora pedagógica do LIV

 

Simone Alves Freitas Dias – Coordenadora do Ensino Fundamental Anos Finais do Colégio Marista Arquidiocesano (SP)

“Em união, família e escola formam alicerces importantes para que os estudantes consigam desenvolver conhecimentos e habilidades como empatia, solidariedade e pensamento crítico. No intervalo do Ensino Fundamental – Anos Finais, os alunos do Colégio Marista Arquidiocesano participaram de uma apresentação sobre bullying, marcando o início da campanha ‘Sou Marista e Respeito as Diferenças’, para um colégio sem bullying.

A turma, acompanhada da professora Viviane Dias dos Santos, da disciplina de Língua Portuguesa, e do professor Djair Costa da Silva, de Interioridade, leram as cartas que fizeram sobre o tema. A campanha busca conscientizar os jovens sobre a importância do respeito e da empatia, visando a prevenção e o combate às violências física e psicológica.

Foi um momento de reflexão e acolhida, em que todos os estudantes puderam refletir sobre o tema. Também deixamos um mural para os alunos manifestarem por escrito os seus sentimentos em relação ao assunto. O Colégio Marista Arquidiocesano possui ainda um projeto para proporcionar diálogos e reflexões sobre o cotidiano escolar, denominado ‘Escola para Pais’. As atividades de 2023 incluem um ciclo de palestras sobre temas relevantes envolvendo crianças e adolescentes, acolhida, união, empatia e inspiração para as situações do dia a dia na caminhada do desenvolvimento humano. Nas salas de aula do Ensino Fundamental – Anos Finais e do Ensino Médio estão sendo disponibilizados QR Codes para que os alunos acessem um espaço de denúncias sobre bullying, que podem ser feitas de forma anônima. É uma maneira concreta do colégio mapear os possíveis casos.”

Simone Alves Freitas Dias – Coordenadora do Ensino Fundamental Anos Finais do Colégio Marista Arquidiocesano (SP) 

 

Sandra Dedeschi – Gestora de Conteúdo da Semente Educação

“Bullying é uma forma de violência física e/ou psicológica, em que um ou mais autores agridem intencional e repetidamente a um colega considerado mais vulnerável por diferir da maioria em algo, seja em suas características físicas ou psicológicas. Sendo considerado como uma manifestação de violência, torna-se relevante que as escolas estejam preparadas para intervir e mediar situações que possam surgir entre os pares. Além de planejar ações para lidar com o problema, é indispensável investir energia na sua prevenção.

Para sua prevenção, enfatizamos a necessidade de promovermos, nos espaços escolares, o desenvolvimento do autoconhecimento de nossas crianças e adolescentes. Esse é um modo efetivo de prevenção. A capacidade de conhecer suas próprias fortalezas, limitações e potenciais, favorece que o sujeito atribua valor a si próprio e se torne capaz de ver o valor do outro com o qual convive.

Um bom trabalho preventivo nas escolas pode contribuir para a sensibilização e fortalecimento de nossos alunos, de modo que, quando eles tomarem conhecimento de que um colega está sendo alvo de violência, tenham ferramentas para agir. Assim, é preciso garantir por meio de ações constantes, estruturadas e planejadas, o trabalho preventivo com todos os estudantes.

O desenvolvimento das competências socioemocionais, principalmente aquelas ligadas às relações interpessoais, têm importante papel como uma das ações preventivas contra o bullying. Destacam-se as competências ligadas às relações interpessoais, como a iniciativa social e a assertividade, da família do ‘Engajamento com os outros’ e as da ‘Amabilidade’, que afetam diretamente o coletivo: empatia, respeito e confiança. Visto que o bullying é um problema de convivência, parece-nos indispensável trabalhar de forma intencional para a promoção dessas competências, pois assim, nossos alunos terão ferramentas para evitar que ele ocorra.”

Sandra Dedeschi – Gestora de Conteúdo da Semente Educação

 

Ana Carla Crispim – Psicóloga, pesquisadora e gerente de pesquisas no Instituto Ayrton Senna

“A escola é um espaço que é promotor de socialização, onde os alunos devem ser respeitados por suas singularidades e por sua diversidade. Quando se fala de um ambiente acolhedor e inclusivo se reforça o caráter de socialização e de acolhimento de diversidade das escolas. Criar esse tipo de ambiente envolve fomentar um ambiente em que as pessoas confiam umas nas outras, que se sintam parte daquela comunidade e que consigam criar redes de apoio. O que tem a ver com o sentimento de pertencimento escolar que cada estudante sente na sua escola e que é um fator protetivo para comportamentos relacionados a violência, seja por agressões físicas ou dinâmicas de bullying, por exemplo.

Dinâmicas que afetam a integridade física, psicológica ou emocional dos estudantes, e que afetam a forma como eles interagem entre si, são dinâmicas que vão afetar tanto o sentimento de pertencimento quanto de segurança dos estudantes nas escolas. Isso acontece tanto pelo bullying quanto pelo cyberbullying. Formas de lidar com bullying e cyberbullying envolvem um trabalho integrado da equipe escolar junto com outras áreas, como especialistas das áreas da saúde e da assistência social. Esse trabalho deve ser feito para/com todos os envolvidos, incluindo perpetradores, vítimas e testemunhas. A partir dele devem ser pensadas estratégias preventivas e remediativas, assim como devem ser pensados protocolos claros de encaminhamento.

Por meio das estratégias escolares, é possível atrelar um trabalho intencional de desenvolvimento socioemocional, pois existem pesquisas nacionais e internacionais, que indicam que um dos benefícios desse desenvolvimento se relaciona com a mitigação dos efeitos de bullying e da violência. Esse trabalho precisa ser feito de forma intencional, sequencial, ativa e explícita nas salas de aula e é interessante que também exista algum tipo de monitoramento socioemocional para que se possa ter dados sobre como os estudantes estão se percebendo em sua trajetória escolar.

Quando se fala sobre esse trabalho com um recorte específico para mitigar os efeitos do bullying, ou trabalhar com a prevenção dele, sabemos por meio de pesquisas do eduLab21 que é importante trabalhar competências de autogestão e amabilidade, como responsabilidade e respeito. Essas competências auxiliam os estudantes a construírem vínculos com seus colegas e os auxiliam a sentirem-se seguros na escola. Isso favorece sua compreensão sobre o quanto suas ações também são importantes para que os outros se sintam seguros no mesmo ambiente, e por consequência, apoia a formação de vínculos a partir da reciprocidade e respeito. Além disso, para mitigar os efeitos do bullying, é similarmente importante desenvolver competências de resiliência emocional, como a tolerância à frustração e a autoconfiança, que são competências importantes para desenvolver formas de lidar com diversos sentimentos, como frustração ou raiva, por exemplo. São essas competências que auxiliarão os estudantes a manejarem seus sentimentos durante situações que lhes desafiam no dia a dia e irão apoiá-lo na compreensão dessas emoções.”

Ana Carla Crispim – Psicóloga, pesquisadora e gerente de pesquisas no Instituto Ayrton Senna

 

Luciana Allan – Cofundadora e diretora técnica do Instituto Crescer

“Prevenir e combater o bullying é uma questão urgente e, somente com um novo olhar, criatividade e conhecimento técnico, seremos capazes de pautar o tema de uma forma que respeite a diversidade. O diálogo e a abertura para mudança, bem como processos que valorizem a cultura de paz, são bons caminhos para mitigar este problema que aflige e afasta muitos estudantes da escola. Um plano de ação deve envolver toda a comunidade escolar, inclusive pais e familiares que podem ajudar a sensibilizar. Um ambiente acolhedor que tem a empatia, a gentileza e a solidariedade como valores essenciais, também colabora. Outras estratégias podem fazer parte do dia a dia, tais como: abrir um canal para ouvir e acolher as angústias dos estudantes; promover pesquisas de clima escolar para entender em que medida os alunos se sentem seguros na instituição e o quanto o respeito e a confiança estão presentes, levam a bons resultados. Por fim, criar comitês de respeito à diversidade que, de forma criativa e inovadora, busquem formas de reparar os danos. Essas estratégias podem ser um caminho mais interessante do que promover a punição dos culpados. Pequenas atitudes, a prática pelo exemplo, a comunicação efetiva e a liderança democrática têm o poder de transformar qualquer ambiente, fazendo com que a escola seja um lugar que promove encontros e oportunidades de aprendizagem para todos aqueles e aquelas que buscam ter e perseguir seus sonhos.

A sociedade civil organizada também pode ajudar por meio das entidades não governamentais. No Instituto Crescer, por exemplo, atuamos há mais de 20 anos na formação docente, qualificação profissional e desenvolvimento comunitário, para que as pessoas estejam preparadas e com condições de sonharem e transformarem positivamente suas vidas. E com base nessa experiência, posso dizer que outro pilar essencial de combate ao bullying é a correta capacitação dos professores, para que eles consigam trabalhar essa questão de forma assertiva dentro da sala de aula.  Existe hoje uma grande lacuna na formação docente, o que tem prejudicado a experiência de ensino para o estudante e impossibilitado uma vivência que o engaje em momentos de aprendizagem significativa. Números recentes do MEC trouxeram à tona dados preocupantes relacionados à qualidade do ensino superior, comprovando essa tese. Além dos conhecimentos acadêmicos, é fundamental que os professores desenvolvam habilidades socioemocionais, como empatia, resiliência e inteligência emocional, habilidades tecnológicas e aprendam a ter um olhar atento e diálogo com a comunidade do entorno. Todos esses aspectos são fundamentais para lidar com a diversidade de perfis e necessidades dos alunos e ajudam a promover um ambiente acolhedor e estimulante, capaz de estabelecer relações de confiança entre as partes.

No Instituto Crescer, disponibilizamos projetos que apoiam e preparam esse professor para lidar com os alunos e prevenir a prática de bullying e cyberbullying. O Caminhos da Cidadania, por exemplo, é uma ação social e educativa do Grupo CCR com a parceria técnica do Instituto Crescer que tem objetivo de promover a formação continuada e o empoderamento de educadoras e educadores de redes municipais de ensino. Presente em seis Estados, o projeto cultiva vínculos de amor para socializar e conviver com a diversidade. Oferece Jogos Educativos (https://www.caminhosparaacidadania.com.br/area-do-professor/jogos-educativos?categoria=105364) que podem ajudar o professor a levar a conscientização para os alunos de uma forma lúdica e materiais de orientação: foi lançada na última semana uma série de vídeos sobre a Cultura de Paz nas Escolas, abordando bullying, racismo e acessibilidade. Disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=0GaYjIQJ6sY

Outro projeto do Instituto Crescer para a Qualcomm, o Aluno Sempre Conectado (ASCON), facilita o acesso a novas tecnologias wireless a pessoas e comunidades com o intuito de atingir um ensino mais conectado e inovador. A iniciativa capacita os professores sobre tecnologia de ponta e outros tópicos, e surgiu para contribuir com o desenvolvimento da educação básica e foi abraçada pela Secretaria Municipal de Educação (SME) de Goiânia (GO), vigorando atualmente nas escolas da rede pública da capital. O episódio 2 da matriz de design instrucional do ASCON, por exemplo, orienta os professores na realização de uma atividade em sala de aula orientativa quanto ao cyberbullying. A proposta é que os alunos analisem as redes sociais de alguns dos influenciadores digitais apresentados no quadro e compartilhem entre si um exemplo de cyberbullying e um exemplo de hating (discurso de ódio) nos conteúdos existentes lá. Após a atividade, ainda na mesma ferramenta, os alunos refletem e desenvolvem uma estratégia que poderia ser usada para deixar as suas redes mais seguras.”

Luciana Allan – Cofundadora e diretora técnica do Instituto Crescer

 

Priscilla Frossard – Orientadora Educacional do Ensino Fundamental anos Finais do Colégio Poliedro Campinas

“Sabemos que hoje o bullying é uma das principais formas de violência no ambiente escolar. Entendemos ainda que o cyberbullying, apesar de acontecer longe dos muros escolares, perpassa as relações e os vínculos de amizade, muitas vezes, formados também nesse ambiente. Nesse sentido, cabe-nos enquanto educadores pensarmos estratégias pedagógicas intencionais para a prevenção e a atuação nos casos de agressões e violências desse e de outros tipos.

Para nós do Poliedro Colégio, a inteligência emocional, a autonomia, o autoconhecimento, o conhecimento do mundo e o protagonismo, eixos temáticos que direcionam a nossa proposta pedagógica, possibilitam que nossos estudantes construam novas habilidades e competências relacionadas à convivência e à construção de sua personalidade ética.

Nas aulas de Projeto de Vida, os alunos são convidados a vivenciar na prática situações cotidianas em forma de problemas em que juntos são levados a desenvolver o protagonismo, a cooperação e a criatividade, sempre de maneira reflexiva, autônoma e ética. Nesse espaço, os alunos também são convidados a participar de atividades que desenvolvam o senso crítico/moral e ético, respeitando as fases de desenvolvimento que cada estudante se encontra.

Mas entendemos também que devemos olhar para o clima escolar, formando, além dos alunos, os professores e toda a equipe que atua direta ou indiretamente com os estudantes, alterando espaços físicos de forma que os jovens se sintam acolhidos e protegidos, organizando redes de apoio entre os próprios alunos e, principalmente, abrindo espaços onde os jovens se sintam ouvidos e tenham voz. Sentindo-se, assim, responsáveis pelas relações entre pares, a empatia, o cuidado e o respeito entre si tornam-se inegociáveis também entre nossos jovens.”

Priscilla Frossard – Orientadora Educacional do Ensino Fundamental anos Finais do Colégio Poliedro Campinas

 

Ana Paula Yazbek – Diretora do espaço ekoa (SP)

“Bullying é um tema complexo que merece atenção cotidiana das escolas, dos educadores e dos familiares. É preciso entender o que ele é e como se instaura, e agir preventivamente para que não se torne uma marca das relações estabelecidas entre as crianças. Falando de modo breve, o bullying é uma forma de violência sistemática, física e/ou psíquica, que ocorre em grupos de pares – crianças ou jovens. São ações que se repetem, na qual um indivíduo, ou pequenos grupos sofrem humilhações, ataques físicos ou verbais, inicialmente de formas pouco visíveis aos adultos/educadores. Escolas que não têm projetos de ações preventivas costumam agir tardiamente nas situações de bullying, isto é, quando ele já está instaurado.

Numa escola de educação integral como o espaço ekoa, o convívio entre as crianças é tratado como conteúdo de aprendizagem e cotidianamente situações de conflitos são trabalhadas com as crianças. Acreditamos que a escola precisa assumir sua responsabilidade educativa frente ao bullying e para isso deve estabelecer um projeto efetivo e contínuo para combatê-lo.

E a prevenção se dá por ações múltiplas cujo foco é construir a cultura pela paz. Para tanto, podemos destacar algumas possibilidades: criação de fóruns de discussão de situações emblemáticas cujos envolvidos ou são pessoas públicas ou anônimas que se envolvem em dilemas morais ou situações controversas. Exemplo: o recente caso dos estudantes de medicina ao fazerem gestos obscenos na torcida de um campeonato. Pode-se colocar os alunos para discutir o que pensam sobre isso, o que levou tais estudantes a agirem assim, quais sanções caberiam a eles, entre tantas outras possibilidades. Outro exemplo: pode ser retirado de situações e debates recorrentes nas redes sociais e a partir deles compartilhar reflexões sobre a disseminação do ódio propagados indiscriminadamente.

Além de olhar para fora, cabe olhar para dentro da escola, para como as relações são estabelecidas e como o convívio pode se tornar mais amistoso, mesmo quando há divergências. E, frente as situações de bullying, cuidar (reforço a palavra cuidar) dos envolvidos. E o cuidado deve se dirigir na proteção do aluno vítima do bullying e na responsabilização do(s) causador(es). É preciso saber que este é um trabalho contínuo, processual e não linear. Que não se esgota em uma única conversa e que há avanços e retrocessos, como em todos os processos que envolvem aprendizagem.”

Ana Paula Yazbek – Diretora do espaço ekoa (SP)

 

Alessandra Salles-Rustico – Coordenadora SEL na Beacon School

“Ao longo da história, o bullying sempre existiu. Todos sabemos o quanto pode doer, o quão prejudicial ele pode ser e como ele pode deixar traumas que podem afetar a vida toda das crianças – não apenas as que sofreram – mas também as crianças que praticaram bullying. Um dos princípios que compartilhamos na Beacon School é que, embora nem todos precisem ser ‘melhores amigos’, todos precisamos respeitar e ser gentis uns com os outros.

Desde 2020, acrescentamos à nossa prática um método desenvolvido por Anatol Pikas denominado Método de Preocupação Compartilhada (MPC). Esse método é aplicado quando há suspeita de que o bullying esteja acontecendo ou quando há necessidade de impedir que atitudes potencialmente desrespeitosas aumentem. Funciona como um sistema de entrevistas com o aluno que supostamente esteja praticando o bullying (o autor), o aluno que estaria sofrendo bullying (o alvo) e alguns colegas que podem ou não estar envolvidos na situação (espectadores). O objetivo de um MPC é que o ‘autor’ compreenda que o que está acontecendo é uma forma de violência inaceitável. A prática também oferece a todos os envolvidos um espaço para se sentirem ouvidos ao expressarem os seus próprios sentimentos, ao mesmo tempo em que dá uma oportunidade para que os alunos reparem os seus próprios erros, além de convidar os ‘espectadores’ a refletirem sobre as consequências das suas ações.

Outra ação que realizamos para prevenir o bullying foi criar a Safeguarding Policy, um procedimento de proteção para ajudar a manter as crianças seguras. Todos os funcionários da escola, desde o departamento operacional até a equipe pedagógica, receberam treinamento para detectar e denunciar abusos, caso ocorram. Assim que o incidente é relatado, a equipe que lidera o Safeguarding se reúne para endereçar os próximos passos, realizar intervenções e conceber um plano de ação a fim de garantir que todas as crianças estejam protegidas e seguras contra quaisquer danos.

Os alunos da Beacon também têm aulas semanais de aprendizagem socioemocional (SEL – Social Emotional Learning), nas quais aprendem habilidades para a vida toda, desenvolvendo autoconsciência, autocontrole e habilidades interpessoais. As aulas são elaboradas de forma a incentivar e motivar os alunos a compreender melhor seus pensamentos e emoções, ao mesmo tempo em que praticam habilidades relevantes para a construção de relacionamentos e para lidar com conflitos. Ensinar gentileza e criar oportunidades de conexões por meio do trabalho em grupo também ajudam os alunos a desenvolverem mais empatia e promover uma cultura escolar positiva.

O bullying pode ser evitado quando os pais, educadores e toda a comunidade estão mais atentos às microagressões do cotidiano. De acordo com o Instituto Nacional de Saúde, ‘microagressões são ações ou palavras sutis, muitas vezes não intencionais, que são prejudiciais à raça, gênero, orientação sexual ou outro marcador de identidade de alguém’. Em outras palavras, devemos observar a forma, o vocabulário e a linguagem corporal que uma pessoa utiliza como um sinal para buscar promover a diversidade de forma pacífica e prevenir o bullying e o cyberbullying. O modo como os alunos conversam entre si e as palavras que usam são importantes e fazem a diferença.

Para sermos mais efetivos como educadores é fundamental apoiar os alunos na identificação dos seus pontos fortes, bem como equipá-los com uma série de estratégias e recursos para lidar com situações de conflito, isso irá empondera-los a lidar melhor com os desafios que surgirem no seu caminho.”

Alessandra Salles-Rustico – Coordenadora SEL na Beacon School

 

Luciane Maia Insuela Garcia – Coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental 2 do Colégio Agostiniano Mendel (SP)

“A questão do bullying é algo muito recorrente no Brasil. Três em cada dez alunos no país afirmam sofrer bullying ‘algumas vezes ao mês’, segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), mais importante avaliação de educação básica do mundo. Após a pandemia, com a volta das aulas presenciais, o tema passou a ser ainda mais debatido no meio acadêmico.

É certo que, em caso de bullying, o melhor a se fazer é buscar ajuda. E a conscientização ajuda muito. Por isso, no Colégio Agostiniano Mendel, trabalhamos as questões socioemocionais de nossos alunos por meio de projetos pedagógicos, palestras, aulas temáticas, vivências e diversas atividades voltadas para esse tema. Professores e alunos debatem e aprendem diariamente sobre o tema em sala, mostrando casos e explicando como agir em situações em que os estudantes sofram qualquer tipo de assédio.

Mas sabemos que algumas situações não chegam ao conhecimento de professores ou da orientação educacional, muitas vezes por vergonha ou medo. Diante disso, o colégio criou o projeto ‘Oi, Mendel’, um canal direto e sigiloso, via WhatsApp, para denúncias de bullying. Todas as informações recebidas são tratadas e apuradas por uma equipe multidisciplinar, composta por professores, orientadores pedagógicos e psicólogas. Cabe à equipe de psicólogas do Mendel fazer o acompanhamento e o encaminhamento correto das denúncias. Caso seja necessário, familiares são acionados para que as resoluções sejam feitas em conjunto.

O ‘Oi, Mendel’ funciona como um canal de desabafo. O aluno pode contar o que acontece por meio de uma ferramenta que ele tem fácil à mão, em seu celular. E, a partir dos relatos, fazemos um trabalho em conjunto com os alunos e as famílias, o que tem gerado resultados surpreendentes. Buscamos não só acolher quem sofreu a violência, mas também trabalhar o aluno que praticou o bullying. Na maioria das vezes, aquele que pratica atos desse tipo também tem dores e questões a serem conversadas, e nossa obrigação como educadores é acolher a todos.”

Luciane Maia Insuela Garcia – Coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental 2 do Colégio Agostiniano Mendel (SP)

 

Ana Paula de Souza Colling – Professora do Instituto Âncora Educação

“As escolas são ambientes repletos de diversidade onde os estudantes aprendem, além de habilidades e competências nas diferentes áreas do conhecimento, a desenvolver atitudes de respeito para com o próximo. Desse modo, precisamos que os espaços escolares cumpram seu papel na formação integral dos estudantes, colaborando, entre outros, na construção de atitudes que priorizem a tolerância, reciprocidade, empatia e respeito com as diferenças.

Embora situações envolvendo bullying e cyberbullying sejam, em alguns casos, difíceis de se perceber, existem comportamentos que podem ser observados e, em muitos momentos, auxiliam professores, funcionários e/ou gestores na identificação de casos. Entre esses comportamentos podemos destacar a queda no rendimento nos diferentes componentes curriculares, mudanças de postura, irritabilidade e tristeza dentro dos ambientes da escola, além de faltas sem justificativa que demonstram a perda de ânimo em frequentar a escola e a busca por isolamento, algo não muito comum em crianças e adolescentes.

Perceber os estudantes, estar atento as situações como as citadas acima, auxiliam na identificação de casos de bullying e cyberbullying dentro das escolas e, nesse momento, faz-se necessário ações que possam fornecer apoio para que os medos e as angústias sejam superados, tais como atendimentos individuais, dentro ou fora da escola, para que esse estudante possa expressar-se e ser escutado para sentir-se seguro.

Por fim, cabe salientar a importância de ações preventivas sobre bullying e cyberbullying dentro das escolas, tanto com estudantes, seja por meio de atividades em pequeno ou grande grupo que promovam a discussão e troca entre eles sobre como essas situações que afetam nossa vida em sociedade e podem ser prejudiciais, como com professores para que saibam identificar e auxiliar seus alunos, bem como com pais, para que sejam o suporte necessário aos seus filhos no enfrentamento de situações de bullying e cyberbullying. As escolas devem ser ambientes seguros que formem cidadãos críticos e participativos, que respeitem as diferenças e saibam conviver com todos, independente de suas particularidades, visto que todos somos diferentes e a diversidade deve ser valorizada e, assim, precisam promover ações que promovam o autoconhecimento, o autocuidado, a empatia, a cooperação, a responsabilidade e a cidadania.”

Ana Paula de Souza Colling – Professora do Instituto Âncora Educação

 

Marcos Giroto – Fundador e CEO da SuperGeeks

“Prevenir e combater o bullying e o cyberbullying nas escolas requer um esforço conjunto que envolve alunos, pais, professores, funcionários escolares e a comunidade em geral. No contexto escolar, é essencial adotar uma política de tolerância zero para o bullying, acompanhada por programas de conscientização tanto para os alunos quanto para os pais. Muitas vezes, notamos que alunos que praticam o bullying têm pais que não estão plenamente envolvidos em suas vidas. Isso pode ser uma busca por atenção ou mesmo um reflexo do comportamento que observam em casa.

Portanto, é fundamental sensibilizar os pais sobre a importância da política de tolerância zero. No ambiente digital, especialmente em relação ao cyberbullying, as escolas devem implementar uma disciplina de letramento digital que aborde questões como o impacto negativo do cyberbullying na sociedade, além de temas como segurança online e pensamento crítico. Identificar casos de cyberbullying pode ser desafiador devido ao anonimato da internet, portanto, os pais devem monitorar ativamente as atividades online de seus filhos, usando softwares de controle e monitoramento que podem bloquear palavras e sites indesejados, além de alertar sobre comportamentos preocupantes.

As escolas também devem realizar campanhas de conscientização junto aos pais, orientando-os sobre como agir em situações de cyberbullying. Em relação aos educadores, é crucial que toda a equipe escolar receba treinamento regular sobre o tema, com atualizações constantes para lidar eficazmente com o bullying e o cyberbullying. A colaboração de todos os envolvidos é essencial para criar um ambiente escolar seguro e inclusivo.”

Marcos Giroto – Fundador e CEO da SuperGeeks

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