Entrevista — Edimara de Lima: Inclusão – A grande questão está na formação dos professores
Revista Direcional Escolas – O que você tem observado como experiência de inclusão na educação básica, tanto em escolas públicas quanto privadas?
Edimara de Lima – O que temos visto como inclusão escolar está longe de ser o esperado pela legislação e o descrito em alguns documentos internacionais. Algumas realidades mostram apenas a presença física do aluno com necessidades educacionais especiais (NEE), nossas escolas estão voltadas para trabalhar com uma média de alunos, portanto, aqueles que escapam a este padrão são naturalmente excluídos. Esta exclusão não atinge somente portadores de deficiências sensoriais ou físicas, mas também o aluno com altas habilidades ou que somente tem um ritmo mais lento do que o determinado pelo professor como aceitável.
Escolas que não trabalham com médias de classe (expectativas de desempenho dentro de um padrão médio) construíram estruturas mais flexíveis e podem dar melhor atendimento às diferentes modalidades de aprendizagem em seus diferentes ritmos. Isto não significa abrir mão da excelência acadêmica como temem alguns. Vejam os resultados obtidos pela escola Amorim Lima e por outras que se baseiam no projeto da Escola da Ponte, pelas Escolas Waldorf e as Montessori.
Revista Direcional Escolas – A lei é realista ao determinar que todos os estudantes tenham acesso à mesma experiência de aprendizagem em um grupo pautado pela diversidade? Há situações em que o convívio dessa heterogeneidade seja impossível em um ambiente de aprendizagem?
Edimara de Lima – Não vejo obstáculos advindos da legislação, a heterogeneidade é muito rica e desafiante e não é empecilho ao desenvolvimento de projetos pedagógicos bem estruturados. A diversidade é mal vista por projetos educacionais que partem do princípio de homogeneidade, isto é todas as crianças de seis anos devem ser alfabetizadas no primeiro semestre letivo do primeiro ano do ensino fundamental. Ora existem crianças que podem ser alfabetizadas aos quatro ou cinco anos assim como outras que só atingirão este patamar aos oito ou nove. Agora se eu parto do princípio da singularidade do ser humano a diversidade será bem vinda, pois enriquecerá as relações sociais e o aprendizado.
Parâmetros são necessários e não engessam o trabalho do professor, a grande questão está fora dos limites da educação básica e de suas escolas: a formação do professorado. Nos cursos de formação não há informação sobre “necessidades educativas especiais”, não há informação sobre como fazer o encaminhamento clínico de alunos, o que observar, como analisar o observado para se chegar à conclusões eficientes; não estamos falando de elaborar diagnósticos, isto não compete à escola. Repensar o currículo dos cursos de formação são a reforma essencial para a “exclusão de escolas excludentes”, esta tarefa é de responsabilidade do MEC, mas cabe à sociedade a cobrança desta.
A realidade, aliás, é muito pior que isso, não há formação de professor. O MEC descaracterizou o curso de Pedagogia, que formava diretores, orientadores, supervisores e excepcionalmente podia lecionar matérias no curso de Magistério. Tiraram essa característica do curso de Pedagogia para formar professor, mas não adequaram o currículo para formar professor!!! Eles não têm ideia do que seja um plano de aula!!! Não têm prática, como um médico que não fez residência. Além disso, o conteúdo de Fundamental I não é dominado por alguns pedagogos. Já o especialista tem conteúdo, mas não tem didática.
O Estado (seja município, estado ou a federação) deveria ter centros de apoio à escola e à família, pois algumas especialidades terapêuticas essenciais ao desenvolvimento de alguns indivíduos são desconhecidas na rede pública de saúde como terapeutas ocupacionais e psicopedagogos, por exemplo. Alguns exames, simples como a audiometria ou testes de acuidade visual não são obrigatórios na grande maioria das escolas, estes cuidados básicos eliminariam um grande número de dificuldades e aprendizagem que são confundidas com necessidades educacionais especiais.
Revista Direcional Escolas – Em sua opinião, qual é o conceito de “inclusão” previsto pela legislação e qual deveria ser o acolhido?
Edimara de Lima – A legislação fala de inclusão irrestrita, mas a prática nos faz ver que esta posição é utópica; tudo e todos possuem um limite. Um dos pontos que limita é o risco que oferece ao próprio aluno ou ao grupo classe. Adolescentes bipolares que não estejam acompanhados clinicamente podem em momento de raiva descontrolada machucar um colega ou um professor… Transtornos de comportamento não controlados podem colocar o rendimento e a segurança de uma classe em risco.
Não acredito em regra única, escolas possuem estruturas físicas e humanas diferenciadas, e uma pode dar acolhimento ao que outra não consegue. Competências são diferentes por inúmeras razões e a discriminação não está necessariamente entre elas; admitir seu despreparo frente a uma necessidade específica pode ser um ato de amor e coragem, agora estar despreparado para qualquer necessidade especial é desrespeito à lei e principalmente à essência da condição de educador.
Revista Direcional Escolas – Em sua experiência, quais os comportamentos e posturas você identificou entre os pais em relação a isso? Eles próprios têm dificuldades e/ou expectativas que dificultariam a “inclusão” de seus filhos?
Edimara de Lima – Pais são tão diferentes entre si como os alunos de uma classe.
Há os que aceitam a “missão” e inconscientemente se alimentam das dificuldades do filho, pois elas são a razão de sua existência. Estas famílias sabotam – inconscientemente – a ação da clínica e da escola. Muitos pais fazem da “causa” algo maior do que o filho.
Há os que não aceitam a realidade e trafegam na “rota do milagre”, mudam de escola, médico, tratamentos… Já vi crianças de oito anos com nove escolas no Curriculum. Esta negação provoca uma sonegação de oportunidades de desenvolvimento e as inúmeras fugas não levam a lugar nenhum.
Há os que aceitam e batalham junto… Junto com o filho… Junto com a Clínica… Junto com a escola. As crianças e jovens que vivem esta realidade são felizes, pois aceitas pela família conseguem a aceitação dos seus pares, pois são mais seguras. A união dos esforços trazem bons resultados, talvez não sejam aqueles sonhados, mas são os melhores possíveis naquele momento, naquele contexto.
Muita gente fala da discriminação de outrem… Há discriminações sutis dentro da própria família, uma escola para o filho “mais frágil” e outra para o filho “normal”, não percebendo que alimentam a cadeia discriminativa com tais posturas; muitos argumentos justificam estas escolhas; Fulano precisa de espaço preservado… Como vai se sentir com o irmão avançando mais rápido? Como se estar em ano superior em outra instituição fosse algo invisível!
Revista Direcional Escolas – Um recado final?
Edimara de Lima – As escolas não excludentes pagam um preço social e financeiro pela sua postura inclusiva, principalmente as da rede privada, como se fossem uma linha “mais light”. Há uma tendência de se olhar para essas escolas como pouco comprometidas com a qualidade na aprendizagem. Ou seja, as posturas discriminativas não atingem somente os alunos com necessidades educativas especiais, mas também às instituições que os acolhem. Em tempos de meritocracia, escolas não excludentes (comprovadamente inclusivas) deveriam ter facilidades junto aos órgãos governamentais e mereceriam campanhas de valorização junto à sociedade.
Há situações que precisam de abordagem especializada que a escola não especializada não dá conta, é até desonesto com a criança. Mas tem uma linha de inclusão que não admite o trabalho da escola especializada, nem que uma escola regular se diga impossibilitada de atender a algum tipo de demanda.
Edimara de Lima é diretora pedagógica da Escola Prima Montessori, de São Paulo.
Mais informações: [email protected]