Conversa com o Gestor — Prima Escola Montessori de SP
Matéria publicada na edição 76 | Março 2012 – ver na edição online
Estratégias de sustentabilidade em um mercado de nicho
Crianças e adolescentes organizados conforme grupos etários, em ambientes que dispensam a separação por classes; projetos pedagógicos aplicados de maneira individualizada; elevado número de educadores per capita: a filosofia Montessori trabalha com sucesso a formação e autonomia do aluno, mas exige muito fôlego de seus implementadores, como na Prima Montessori. Suas mantenedoras adotam quatro estratégias firmes de gestão para continuar fazendo história em São Paulo.
O cenário é instigante. Em uma sala ampla e arejada, tomada por armários e estantes em suas laterais, abastecidas por livros, jornais diários e revistas, adolescentes ocupam pequenas escrivaninhas especialmente produzidas para eles. Elas estão dispostas de maneira a formar o desenho de um cata-vento, ou seja, a cada composição, até quatro alunos ficam próximos uns dos outros. Ali eles leem, fazem exercícios e recebem orientações dos professores, de especialidades diversas, que atendem individualmente ao estudante. Cada aluno possui um planejamento pedagógico próprio, e conforme avança no aprendizado, novos desafios são lançados a ele. Tudo dentro dos parâmetros curriculares estabelecidos pelo MEC.
Neste ambiente, estão agrupados estudantes do Ensino Fundamental II, ora cumprindo tarefas individualizadas, ora em grupo. Também na Educação Infantil e Fundamental I há ambientes únicos, que reúnem em um mesmo espaço o que seria correspondente às várias séries de cada ciclo. No Berçário e no Maternal, as instalações são próprias e separadas. Assim é a Prima Escola Montessori, que há 31 anos iniciou um trabalho inovador e ainda surpreendente para o contexto educacional brasileiro.
A filosofia, introduzida pela médica italiana Maria Montessori há cerca de 100 anos, elimina a figura clássica da sala de aula, na qual os professores adotam um padrão único de “transferência” do conteúdo para o coletivo, no tradicional fluxo linear emissor-receptor, recorrendo a uma mesma abordagem para todos, independente das respostas que cada um venha dar ao conceito apresentado. Na Prima Montessori, pelo contrário, a interlocução é individual, não se vê professores recorrendo a tons elevados de voz para serem ouvidos. Tampouco ficam clamando pela atenção do aluno, já que a relação de ensino-aprendizagem deve fluir como um processo natural.
“O maior investimento que a gente faz aqui é na conquista de autonomia e independência do aluno para o manejo dos instrumentos de aprendizagem”, pontua Edimara de Lima, diretora pedagógica e uma das três mantenedoras da escola. Ou seja, a perspectiva adotada é a do estudante como corresponsável pela construção de seu conhecimento.
A diretora explica que “o grande aprendizado” que uma escola pode oferecer à criança e adolescente no Fundamental está na alfabetização. Mas que, além disso, a metodologia Montessori contribui para “um ganho de autonomia”. “Além de ler e entender, o aluno tem que aprender a identificar o índice de um livro, ler a orelha, saber se é a obra que procura, manejar dicionário, construir uma frase na busca do Google, ou seja, delimitar uma pergunta que possa conduzi-lo a um resultado correto”, exemplifica Edimara. Neste processo, o estudante se prepara para lidar com diferentes situações e desafios, entre eles as avaliações externas e os vestibulares. Edimara conta, por exemplo, que um estudante do 9º ano da Prima Montessori conseguiu acertar 48% das provas do último Enem, exame voltado aos concluintes do Ensino Médio.
Familiares buscam proposta diferenciada
No entanto, apesar dessa relação mais humana e produtiva em termos de autonomia e aprendizagem, Edimara reconhece que os pais “assustam diante de uma escola bonita e diferenciada”. “A gente mexe com muita coisa em relação ao imaginário das pessoas, como o fato de a prova não ser o único instrumento de avaliação ou as salas serem agrupadas”, diz. Nessas pouco mais de três décadas de vida, a curva de crescimento do número de alunos da Prima Montessori estacionou. Com novas e modernas instalações físicas, a escola poderia acolher até 260 alunos, em vez dos 210 matriculados. Ela disponibiliza um educador a cada 7 estudantes, ou seja, há espaço e estrutura para agregar mais gente, mantendo uma proporção que permita aos professores e auxiliares conhecerem as especificidades de cada um no grupo em que trabalham.
Mas o mercado de uma escola diferenciada torna-se também diferenciado. Pesquisa contratada pela Prima Montessori em 2010 revelou que 99,5% dos pais e mães dos seus estudantes possuem (ambos) nível superior e atuam profissionalmente. “São pais muito preocupados com o perfil da educação que está sendo oferecida, não querem o padrão de escola que tiveram, mas um lugar que ofereça algo além do conhecimento. Querem também mais contato com a direção, os professores e a coordenação, um trabalho personalizado”, analisa Edimara.
Com renda média mensal superior a 15 salários mínimos, muitos já tiveram experiência anterior com a metodologia Montessori no Exterior, pois são brasileiros que residiram fora ou famílias estrangeiras, revela a diretora. “São pessoas que valorizam muito a vida familiar e o conforto, mas sem luxo”, observa, destacando que os pais programam atividades em que toda a família possa participar. “Eles estão preocupados com o excesso de consumo, têm uma visão de mundo mais consciente, às vezes não sabem como colocar isso em prática, mas já estão motivados.” Os valores das mensalidades da Prima Montessori estão próximos aos das escolas da região frequentadas pela classe média ou média alta.
Dentro deste perfil, a interlocução da escola com os pais também segue uma dinâmica atípica para os moldes tradicionais. Há uma agenda variada de atividades com grupos de familiares, seja para promover a socialização e a reflexão, seja para apresentar relatórios periódicos sobre o desenvolvimento do aluno. Entre fevereiro e março, a escola programou dois encontros de “Diálogos com os pais” (para a Educação Infantil e o Fundamental I). No final deste mês está prevista uma “Reunião de acompanhamento escolar” (RAE) para pais de adolescentes que estão em ciclos correspondentes ao 7º e 9º ano. São agendadas ainda reuniões individualizadas com o professor (sempre acompanhadas pelo coordenador ou a direção), bem como programados almoços comunitários aos sábados, seminários somente para os familiares adultos (também aos sábados), e o chamado “Trabalho conjunto”. Nesta atividade, aos sábados, o pai ou a mãe realiza junto com a criança algumas tarefas propostas pela escola. É uma oportunidade, segundo Edimara, para a família conhecer o estágio de desenvolvimento do filho.
As contas na ponta do lápis
Toda essa estrutura exige investimento contínuo, paralelamente ao acompanhamento minucioso de cada Real recebido e dispendido pelas mantenedoras. Edimara montou a Prima Montessori juntamente com Victoria Ayroza Saracchi, diretora administrativa e financeira, e Maria Angelina Franceschini Brandão, diretora de marketing e atendimento. As três se reúnem todas as quartas-feiras, deliberam e tomam decisões conjuntas. Cada uma responde com autonomia por sua área, mas as três estão bem afinadas em torno das quatro estratégias de gestão que a escola tem adotado para conseguir se manter sustentável mesmo diante de um grupo pequeno de alunos. Elas envolvem: negociação dos preços dos fornecedores e programação de compras; administração de recebimentos (para evitar atrasos ou inadimplência); constituição de caixa reserva para investimentos futuros; e formação e treinamento de profissionais.
No primeiro caso, Edimara conta que “tudo nesta escola tem três orçamentos”. Há uma gerente especialmente designada para atender as demandas do pedagógico, da cozinha, manutenção, do viveiro, da limpeza e secretaria. “Tem que aprender a centralizar compras, a dialogar com fornecedor, porque o gestor tem que conseguir preço sem abrir mão da qualidade. Além disso, precisa aprender a diluir seu custo”, ensina Edimara, que frequentou vários cursos da área administrativa oferecidos pela Associação Comercial de São Paulo para poder fazer bem a lição de casa.
Outra forma de proceder à racionalização dos custos é montar uma “programação de compras”. Entre o final e o início do ano, por exemplo, a escola tem gastos elevados com limpeza, manutenção ou troca da tapeçaria e das almofadas, itens muito utilizados em seus ambientes. Também precisa reformar cerca de 30 a 40 peças das escrivaninhas customizadas. Tem ainda que encomendar cadernos com papel reforçado para os alunos em processo de alfabetização, já que eles costumam forçar muito o lápis (também especial) nesse ciclo de vida. “Há uma programação de prioridades”, tudo calculado na ponta do lápis.
Por outro lado, a escola se prepara para evitar situações de atrasos ou inadimplência. Segundo Edimara, janeiro costuma ser um período crítico para as instituições da rede privada, pois é um mês em que geralmente os familiares saem da rotina e deixam alguns pagamentos para trás, justamente em um momento de custos altíssimos. Assim, no ato da rematrícula, a escola já recebe um cheque pré-datado para o mês, emitindo boletos somente a partir de fevereiro. E em meio a esse movimento entre gastos e recebimentos, a Prima Montessori conseguiu sedimentar o “hábito de poupar para depois investir”. Foi assim que pôde construir uma nova quadra. “Tínhamos metade do dinheiro e a outra metade fomos tirando, ao longo dos meses, da parcela que seria poupada”, conta. “A meta é manter uma reserva permanente em valor equivalente às despesas de um mês”, diz a mantenedora.
Finalmente, a Prima Montessori investe recursos e tempo na formação de seus educadores, visto que trabalha com uma metodologia que exige muito preparo do profissional. “Está cada vez mais difícil contratar, o jovem que sai das universidades não está dando conta das necessidades básicas de uma escola convencional, quanto mais de uma escola de segmento”, enfatiza Edimara. O programa de treinamento da Prima Montessori envolve duas frentes: contratar estagiários e formá-los no dia a dia junto com seus educadores, reservando ainda aos estudantes seis sábados anuais para seminários de capacitação; e promover duas semanas pedagógicas anuais para professores e coordenadores, que se encontram na escola durante cinco dias, em horário integral, especialmente para estudos e aperfeiçoamento. A Prima Montessori é uma das poucas escolas da rede privada que conseguiu implantar um plano de carreira.
Em relação ao cenário atual da educação, Edimara de Lima avalia que não há alternativa às escolas senão trabalhar a formação dos profissionais, já que “a grande questão que está aí é como administrar o conhecimento. O foco mudou, continuamos a ensinar o conteúdo, mas o que a gente espera do aluno é diferente, é saber como, quando e porque usar o conceito.”
A ESCOLA
Localização: Jardim Prudência, zona Sul de São Paulo
Ciclos escolares: Berçário, Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II
Regime de aula: opções de meio período, semi-integral e integral para a Educação Infantil; após o 2º ano do EFI, dois dias por semana têm horário integral, com alimentação fornecida pela escola
Nº de alunos: 210
Equipe de educadores: 32 (Há um plano de carreira que contempla cinco categorias: estagiários, professor auxiliar, professor monitor e professor titular)
Equipe gestora: 3 diretoras-mantenedoras e 3 coordenadoras
Equipe de apoio: 8 funcionários e duas empresas terceirizadas
Mensalidades: entre R$ 1.241,00 (Educação Infantil, meio período) a R$ 2.114,00 (para o ciclo equivalente ao 9º ano). OBS.: a alimentação e todo o material pedagógico utilizado pelo aluno ao longo do ano são fornecidos pela escola, incluindo lápis, canetas e cadernos, e inclusos nesses valores Instalações: 3.700 metros quadrados de área total, entre salas de aula, pátios, cozinha, refeitório, quadra, área de recreação infantil, viveiro etc. (apenas uma parte dos imóveis é alugada, outra é própria).
Por Rosali Figueiredo
Fotos Rita Barreto
Saiba+
Edimara de Lima
www.primamontessori.com.br
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