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Guia para Gestores de Escolas

Atenção gestores, professores e educadores, não culpem os alunos! Falta reinventar a beleza da Matemática

“Ensinar Matemática passa muito mais pela arte de mostrar sua beleza do que associar seus domínios às utilidades que possam ter em nossas vidas.”

No grandioso mundo da Educação, talvez um dos maiores desafios para professores, gestores e pais seja fazer com que o aluno avesso às chamadas “Ciências Exatas” passe a ter interesse e prazer em tais domínios. Não é fácil reverter a situação, mesmo porque tem sido muito complicado até entender por quais razões tal aversão aparece. O resultado acaba levando, via de regra, a problemas pedagógicos consideráveis, baixa autoestima e até se transformando em situações de indisciplina. E, possivelmente, dirão alguns, tudo poderia ser evitado, já que a Matemática é o saber mais utilizável e familiar na nossa relação com o mundo. Afinal, nós a usamos diariamente, nas compras, vendas, mensurações, estimativas… Mas, será que poderia mesmo ser diferente?

Arrisco-me a lançar discordância, ou até duvidar formalmente, de que a nossa “matemática do dia-a-dia” possa mesmo servir de parâmetro para avaliarmos e interferirmos na situação de fracassos na Matemática acadêmica. Aliás, vou mais longe. Tenho grandes razões para crer que a forma de se ensinar Matemática possa ser um dos fatores – senão o mais poderoso – na produção de tais fracassos. Inicialmente, quero pontuar que existe uma diferença muito clara entre o que podemos denominar “uso da matemática”, com o que chamo “fazer Matemática”.

Usar elementos e saberes matemáticos para a nossa vida cotidiana não é o mesmo que decodificar propriedades, desenvolver algoritmos mais complexos, deduzir fórmulas ou aplicar teoremas geométricos em fenômenos naturais. E, a menos que me demonstrem o contrário, o que fazem (ou o que queremos que façam) os alunos na chamada Educação Básica de nosso País, coincide justamente com as proposições do segundo rol. Em outras palavras, queremos que façamMatemática.

Não sendo objeto desta discussão uma possível análise ou revisão curricular, nem questionamentos acerca de dissonâncias entre objetivos e metodologias, quero me atrever a lançar uma dúvida nova no já intrincado debate sobre os descaminhos da Educação Matemática. (Neste momento, aceito sem ressalvas a decisão do caro leitor, que esperava ser agraciado com soluções simples e rápidas, de abandonar esta leitura. Falemos, então, aos que conseguirem resistir.)

Pergunto-me há mais de trinta anos, pois já estou na estrada faz tempo, sobre o que me levou a amar, desejar e querer mais e mais fazer Matemática. Certamente, não foram os cálculos de possíveis lucros fictícios nem as agruras de calcular prestações a serem pagas numa compra ditada pela professora. Nunca tive nenhum prazer com essa tão decantada “luta humana pela sobrevivência” que muitos insistem em associar ao uso “por excelência” da Matemática. Na verdade, lutamos pela sobrevivência há dezenas de milhares de anos porque não houve outro jeito. Mas, será que essa foi a parte boa? Isto foi o que fez realmente Pitágoras, Galileu, Newton e tantos outros nos presentearem com grandes descobertas e inovações nos campos de números e formas? Se depender de mim, a resposta vai por outro caminho.

Apesar de reconhecer claramente que a minha relação com a vida é essencialmente estética, creio que a maioria das pessoas prefere o belo ao trabalhoso, ou – para não ser taxado de tendencioso – ao útil. Desde cedo, minha atração pela Matemática sempre foi movida pela beleza que encontrava nos números, nas formas e naquilo que percebia que poderia fazer com eles. As combinações, as comutações – já cheguei, aos sete anos, a ficar horas tentando me explicar (com feijõezinhos) como 2 X 3 pode ser igual a 3 X 2 – as simetrias, as “coincidências” geométricas . . . Meus grandes mestres – alguns professores e vários familiares – me mostraram que a Matemática é linda, muito linda. A beleza das pessoas e do mundo é matemática. Sua utilidade? Bem, acho que não queriam me magoar. Seduziram-me deslavadamente, porém, a partir da beleza dos números. Mas, sobretudo, me espantaram. Sim, pois fizeram com que buscasse minhas próprias respostas. E que gostosas eram aquelas viagens! Que bom que aquilo tudo existia.

Hoje, com sinceridade, não vejo isso na maior parte dos casos de que cuido. O aluno que entra em meu consultório quase sempre já vem incapaz de ver qualquer beleza em números, formas ou deduções. E quando vou analisar sua trajetória escolar, percebo que se alfabetizou pelos exemplos tirados da luta pela sobrevivência, por concretizações triviais – desprovidas da poderosa fantasia infantil -, e que, hoje, luta com cálculos, funções, determinantes etc. Quando foi tempo de se apaixonar, encontrou-se, ainda menino, com banalidades que queriam ser eficazes. Hoje, quando poderia mergulhar no mundo que é realmente encantado e encantador – acessível, como dizia Galileu, aos que dominam seu idioma -, sente-se perdido, e, o que é pior, tendo de dar resultados – afinal, todos ainda lhe vêm cobrar uma carreira universitária.

Para mim, não resta dúvida de que ensinar Matemática passa muito mais pela arte de mostrar sua beleza do que associar seus domínios às utilidades que possam ter em nossas vidas. Ser útil não basta! Servir para alguma coisa não significa ter grande importância. A Matemática é grandiosa justamente por ser mais que ferramenta. Como diria Platão, ela toca no eterno. Não pode ser reduzida a escrava de ninguém.

Hoje, busco nas pessoas que ensinam e incentivam Matemática, nos que refletem e planejam e, até mesmo, naqueles que simplesmente vestem, alimentam e mandam seus filhos para a escola, um fôlego diferente. Ou, melhor, um suspiro diferente. Um brilho de encanto e um olhar de desafio parecido com o que recebi há muitos anos. Uma promessa que declare: “o mundo é maravilhoso e você, agora, poderá desvendar toda essa beleza”. Mas, tenho visto pouco disto. Infelizmente! Sobram feições sisudas, olhares lamentosos e, até, acenos pragmáticos. Mas, sinto que isso é pouco. Sem dúvida, há os que buscam novos caminhos (muitos dos quais já não estão mais lendo este texto). Mas, falta algo. Não sei ao certo o quê. Algo que possa voltar a seduzir. Uma semente. Sim, um ou alguns grãos tão poderosos quanto os que usei, aos sete anos, para declarar uma paixão. Um amor que me dá prazer até hoje.

Por Prof. João Luiz Muzinatti*

 
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Prof. João Luiz Muzinatti é Mestre em História da Ciência. Engenheiro, é também professor de Matemática, Filosofia e Ciências em nível de graduação, pós-graduação, e Ensino Fundamental e Médio.
Atua ainda como diretor do ABC Dislexia (com atendimento a alunos, consultoria, cursos e palestras em Educação), além de consultor do MEC (Ministério da Educação) em Filosofia para a TV Escola – programas “Acervo” e “Sala de Professor”. Foi diretor do Colégio Santa Maria, em São Paulo; coordenador pedagógico do Colégio Franciscano Pio XII (também em SP); e diretor do Espaço Ágora – Terapêutico e Educacional.
Trabalhou como engenheiro daFlender Latin American – consultor no Chile, e escreveu e lançou o livro de poesias “Inventário de mim” (Ed. Scortecci) .
Mais informações[email protected] ; www.abcdislexia.com.br 

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