BNCC: Como as escolas estão desenvolvendo a Base Nacional Comum Curricular na prática?
“A BNCC tem como grande diferencial o olhar cuidadoso sobre as relações humanas. É importante sabermos quem somos e é importante sabermos quem somos no meio que vivemos, pois vivemos em comunidade. Afetamos e somos afetados pela comunidade na qual estamos inseridos e esta consciência nos fortalece enquanto indivíduos. Como bem nos ensina os pilares da educação da UNESCO, é preciso sabermos nos comunicar, criticar, criar e conviver”, ressalta a escritora e educadora Janine Rodrigues
Alterações significativas adentram o sistema educacional neste ano letivo de 2020. De forma geral, todas as instituições de ensino do país – públicas e privadas – começam a implementar conhecimentos, competências e habilidades que compõem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – projeto que direciona seu olhar para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade democrática e inclusiva.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a Base é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos e alunas devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Construída por meio de uma parceria entre o MEC, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), a Base recebeu, desde 2018, o investimento de mais de R$ 200 milhões do MEC.
Na prática, a BNCC pretende que o estudante transcenda os conhecimentos tradicionais em sala de aula, desenvolvendo, assim, competências éticas, humanas e técnicas com o intuito de preparar o jovem para os desafios que emergem na contemporaneidade. “Não é simplesmente aplicar o currículo, é desenvolver algumas competências com esses alunos para que daqui para frente possam ter o seu o projeto de vida, desenvolvam o seu empreendedorismo. Isso não faz de uma hora para outra”, explicou o secretário de Educação Básica do MEC, Jânio Macedo, por meio de nota da assessoria de comunicação do ministério.
Sob a ótica pedagógica, Janine Rodrigues, escritora e educadora, acredita que os educadores estão no caminho para incluir as demandas da BNCC na rotina escolar. “O primeiro passo é conhecer, reconhecer a importância e ter interesse em sua aplicação. Em nosso trabalho percebo que ainda existe uma grande preocupação e cuidado com o aluno, mas no que se refere aos professores, ainda é preciso mais atenção”.
“De que adianta pensar nas habilidades socioemocionais dos alunos e não pensar nestas mesmas habilidades para os professores e coordenadores? Nos projetos que eu realizo nas escolas o pedido que mais recebo é: Você pode me dar exemplos? E eu adoro dar exemplos reais, pois eles nos aproximam do conceito. Eles ajudam o entendimento e, principalmente, a percepção de que é possível”, completa Janine.
COMPETÊNCIAS EM ARTICULAÇÃO
Com base na visão “conhecimento não se recebe, conhecimento se constrói”, o Colégio Vital Brazil, localizado na região oeste de São Paulo e fundado em 2011, possui, em suas propostas pedagógicas, certas competências que a Base Nacional Comum Curricular estabelece como direitos de aprendizagem do estudante, atrelado a projetos desenvolvidos pela instituição.
“A Base fortalece a intencionalidade dos nossos projetos, o saber onde estamos e aonde queremos chegar”, diz Vanessa Inagaki, coordenadora assistente do Fundamental I. Segundo ela, ainda que o Colégio já trabalhasse as dez competências previstas pela BNCC, o documento fornece uma matriz que contribui para um planejamento pedagógico mais assertivo, com uma evolução dessas competências ao longo do Ensino Fundamental.
Dois projetos trabalhados pelo colégio servem como ilustração: no projeto “Plantas ao Nosso Redor”, os alunos de 2º ano da professora Márcia Vieira dedicam-se a pesquisas sobre o mundo vegetal. Os alunos aprendem sobre algumas particularidades das plantas e, o final da pesquisa, criam apresentações em PowerPoint sobre as partes das plantas: raiz, caule, folha, flor, fruto, semente.
As pesquisas são realizadas em formato de grupos durante as aulas de informática e, de acordo com a professora Márcia, todos os estudantes que compõem o grupo fazem as pesquisas na internet sobre o tema e são engajados para desenvolver entre si o espírito de cooperação. “Uma importante competência trabalhada aí é a da cooperação, que nessa fase ainda é um aprendizado. Eles já sabem usar o teclado e o mouse, sabem o que é a internet e o Google, sabem escrever; agora precisam aprender a unir todos esses conhecimentos para o propósito de adquirir conhecimento”.
Já nas turmas do 5º ano da professora Ana Paula Piola, os alunos são divididos em grupos e, cada grupo, é responsável por estudar a fisiologia humana e produzir um podcast sobre um dos sistemas do corpo humano. No desenvolvimento do projeto, conta a professora Ana Paula, um grupo de alunas notou um problema em suas pesquisas individuais: “Eram duas informações contraditórias que elas tinham tirado da internet. Tomaram uma decisão: ‘Professora, vamos à biblioteca?’ Elas demonstraram senso crítico – sabiam que um livro seria fonte provavelmente mais confiável – e autonomia para chegar a uma solução”, diz a professora.
Na ilustração desses dois projetos, podemos acompanhar as competências trabalhadas em diversas características: a pesquisa científica, a cooperação em grupo, a comunicação, a utilização da ferramenta digital (via PowerPoint e podcasts) e, também, o desenvolvimento da argumentação entre os jovens. “Em trabalhos em grupo, nunca será tudo como eu quero. É preciso convencer os colegas”, ressalta Ana Paula.
MOSTRA CULTURAL
A ampliação do conhecimento e do pensamento científico, a reflexão sobre a empatia e o estímulo da capacidade comunicativa, são algumas das características trabalhadas diariamente no Colégio Albert Sabin – fundado em 1993, em São Paulo, como uma instituição de ensino de qualidade.
Para Dionéia Menin, coordenadora pedagógica da Educação Infantil e do Fundamental I, as competências gerais definidas pela BNCC sempre foram trabalhadas no cotidiano do Sabin, mesmo que os pais nem sempre percebam como elas estão relacionadas às aulas e atividades dos filhos. “Todo dia estamos falando de reciclagem com eles, ou da diversidade cultural de São Paulo e do país, ou estamos exercitando linguagens variadas…”, afirma a coordenadora. E, como uma forma de evidenciar essas competências trabalhadas, o colégio realizou no último ano uma Mostra Cultural.
A estrutura da mostra foi distribuída no ginásio do colégio e os estandes indicavam, em selos e banners, com quais competências propostas pela BNCC cada trabalho exposto mais se identificava. Assim, tendo como eixo da mostra o senso de responsabilidade com a preservação do planeta, um trabalho do Pré I trazia, em texturas, os diferentes tipos de revestimento do corpo dos animais; do 2º ano, sobre animais em extinção; um do 1º ano sobre biomas brasileiros; e mais um, do 3º ano, sobre a vida em ambientes extremos, como desertos e geleiras. “A ideia foi mostrar para os pais o sentido do nosso projeto pedagógico, tendo como fios condutores as competências que os alunos vão desenvolvendo ao longo das séries”, diz Karla Ramos, assessora de Língua Portuguesa e orientadora educacional.
A assessora Karla ressalta que a organização da mostra – e os trabalhos dos alunos expostos – não promoviam apenas uma das competências exigidas, mas que se articulava com outras competências ampliando as reflexões. Ela cita, como exemplo, o trabalho de uma turma de 2º ano que, embora tratasse explicitamente de descarte do lixo, estava marcado com o selo “Comunicação e argumentação – como explica a assessora, remetia à competência de utilizar diversas linguagens para expressar e partilhar as informações. “Era um painel artístico, confeccionado com material reciclado, como copinhos, tampas, embalagens Tetra Pak, algumas frases de impacto e um convite para que o público interagisse com a instalação, em várias posições”, diz Karla.
Para complementar essa ideia, a coordenadora do colégio, Dionéia Menin, destaca que a mostra “deixou claro como todas as nossas ações e projetos fazem parte de um todo, como temas diferentes podem levar a reflexões parecidas, promovendo as competências e habilidades necessárias para que o cidadão esteja preparado para lidar com o mundo”.
ENSINO MÉDIO
A etapa do Ensino Médio da BNCC foi homologada em 14 de dezembro de 2018 e está organizada por áreas do conhecimento – matemática e suas tecnologias; linguagens e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; e ciências humanas e sociais aplicadas. A carga total será de 3.000 horas: 1.800 para as competências e habilidades da Base e 1.200 para os itinerários formativos, de acordo com a escolha do aluno em sua formação técnico-profissional. A previsão é que as mudanças entrem em vigor neste ano letivo de 2020, formando as primeiras turmas em 2022.
A BNCC do Ensino Médio, que esteve em densas discussões entre educadores, especialistas e pesquisadores, começa a aparecer de forma prática em algumas instituições de ensino pelo país, incorporando em novos programas e metodologias. No Colégio Eniac, instituição referência em inovação e tecnologia do ensino básico ao superior, além de adotar uma metodologia de ensino baseada em projetos, com alta autonomia do aluno, a instituição, a partir deste ano, trabalha com a carga horária de 1.800, alinhada às diretrizes da BNCC.
Simone Vianna, assessora de inovação pedagógica do Colégio Eniac, destaca que o colégio possui, dentre outras características, o protagonismo estudantil como método pedagógico, posicionando o aluno no centro do processo de aprendizagem. “No Eniac, ‘desenhamos’ e implementamos nosso próprio modelo, intitulado como modelo 50x30x20: 50% de aulas, 30% de aprendizagem baseada em projetos e 20% de oficinas conectadas. Em linhas gerais, o modelo proporciona aprendizado flexível, dinâmico, contextualizado e pautado na experimentação prática, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e Profissionalizante”.
O processo de implantação e de adaptação à nova realidade educacional sob a luz da BNCC foi gradativa, ainda que em ritmo acelerado. De acordo com Vianna, o Eniac vem transformando seu modelo de Ensino Médio desde 2016, implementando mudanças significativas para o aprendizado. E, para essa transição, foi necessária uma preparação do corpo pedagógico, dos dirigentes e demais atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. “Falo de novos e variados métodos, espaços que vão além da tradicional sala de aula, ferramentas e outros diferentes elementos que, juntos, colaboram para o engajamento dos estudantes”, completa.
Saiba mais:
Colégio Albert Sabin – [email protected]
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Janine Rodrigues – [email protected]
Simone Vianna – [email protected]