Bullying: os riscos da simplificação do tema
Do que estamos falando quando se usa o termo Bullying? Termo da moda que, como tantos outros, são repetidos à exaustão e acabam por virar uma palavra vazia.
Estamos falando de violência física? De ameaças? De provocações? De intimidações? De humilhações?
Eu, particularmente, travo quando ouço alguém usar essa palavra, e, inconscientemente, ao invés de levar aquela queixa ou comentário como urgente ou séria, passo a esperar uma tempestade em copo d’água.
Porque, normalmente, se alguém alega que está sofrendo ou intervindo por alguém que sofre bullying, o que se segue é uma descrição de conflitos banais da idade, e não situações realmente limites (que existem e devem ser cuidadas).
Preocupada que sou com a questão da agressividade, seja verbal ou física, temo que essa generalização não contribua para entender os conflitos do ambiente escolar, nem para resolvê-los.
Já vi mãe tachar de bullying atitudes de provocação típicas da idade ou da fase, daquelas que irmãos fazem entre si. E a solução sugerida reside sempre no controle do problema através de vigilância e repressão.
A lógica que preside tal discussão é similar a do direito penal, e há duas premissas básicas: de que há meninos “maus” que se divertem em fazer os outros sofrerem de verdade, e que os que sofrem as agressões são incapazes de reverter o quadro por si sós. Criamos uma dualidade entre os que devem ser punidos, controlados, detidos, talvez banidos, e aqueles que têm que ser tutoriados, cuidados, protegidos.
Nesse processo, na maior parte das vezes, cristalizamos destinos através das nossas ações. De um lado, reforçamos a fragilidade, a dependência, menosprezando a capacidade daquelas vitimas, daqueles sofredores, de se transformarem em algo mais. Não pela vingança, pelo olho por olho, mas pela capacidade de dizer não, de resistir, de angariar aliados, de mostrar dignidade.
E pelo outro lado, demonizamos crianças, colocando nelas um selo de antissocial antes mesmo que elas possam se encontrar. Não tentamos entender porque eles sentem essa necessidade de atingir o outro, simplesmente os reprimimos. Mas com isso não promovemos nenhuma mudança de comportamento – quando a vigilância baixa, tudo volta.
Outro dia, em uma assembleia sobre respeito na escola, uma aluna chamou a atenção para o fato de que muitas das pessoas que praticam bullying já foram vítimas de atitudes semelhantes. Crianças que sofrem violência revidam tornando-se violentos. O círculo se fecha. Como rompê-lo?
Baseada na minha experiência a única saída é estabelecer uma rede de apoio e compreensão para todos, vitimas e agressores. Afinal, é preciso acreditar que uma criança pode mudar. Apoiar uma criança agressiva não é sinônimo de passar a mão na sua cabeça. É persistir na busca de compreensão dos mecanismos que a fazem agir assim, é fazê-la olhar de frente as consequências de seus atos, é analisar com ela como é possível mudar. O fato de uma criança ter um aliado, alguém que acredita no seu futuro, já é um bom começo. É claro que temos de banir da escola a violência, mas não creio que só através de medidas disciplinares tradicionais possamos vencer esse desafio.
Maria Amélia Marcondes Cupertino é formada em Ciências Sociais pela USP, com mestrado em Educação na UNICAMP, e especialização em História Oral pela Essex University, na Inglaterra. Foi professora de Ensino Fundamental, Médio e Superior (UNIP, Escola de Sociologia e Política). Foi pesquisadora na UNICAMP na área de políticas públicas voltadas a crianças e adolescentes. Trabalhou na Fundação Abrinq na análise e financiamento de projetos para melhoria do ensino público (Programa Crer para Ver). Desde 1998 trabalha como Coordenadora no Colégio Viver.
Por Maria Amélia Marcondes Cupertino