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Guia para Gestores de Escolas

Caso Suzano: Impactos psicológicos, saúde socioemocional e estratégias de segurança

Por Rafael Pinheiro / Fotos Divulgação

Na primeira quinzena de março último toda a comunidade escolar brasileira se solidarizou ao brutal massacre ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP). Diante do atentado, que culminou na morte de cinco alunos e duas funcionárias, a escola torna-se o epicentro de discussões e reflexões atuais: Como trabalhar a violência e os traumas psíquicos que envolvem essa tragédia? Ações pautadas nas habilidades socioemocionais são positivas nas mediações de conflitos nas escolas?

Colégio Albert Sabin (SP)

Recentemente fomos surpreendidos por uma ação que comoveu a todos no país: o massacre ocorrido no dia 13 de março, na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (Grande São Paulo). O adolescente Guilherme Taucci Monteiro (17 anos) e o jovem Luiz Henrique de Castro (25 anos) adentraram na instituição com alguns equipamentos (como arma de fogo, arco e flecha, machado, coquetel molotov e remuniciador rápido de revólver) e atingiram a esmo estudantes e funcionários da escola.

Naquela manhã do massacre, a dupla assassinou sete pessoas – cinco alunos (Caio Oliveira, Claiton Antônio Ribeiro, Douglas Murilo Celestino, Kaio Lucas da Costa Limeira, Samuel Melquíades Silva de Oliveira) e duas funcionárias (Marilena Ferreira Vieira Umezo, Eliana Regina de Oliveira Xavier) – e a investigação aponta que, após o ataque, um deles assassinou o outro e logo depois se suicidou. Pouco antes do massacre na escola, o comerciante Jorge Antônio Moraes (tio de Guilherme, um dos assassinos) também foi baleado na loja de carros da qual era proprietário. Além das vítimas, os autores do massacre (ex-alunos da escola) deixaram 11 feridos.

As imagens chocantes do desespero de toda a comunidade escolar; o grito de socorro de diversos estudantes que conseguiram escapar do atentado; os depoimentos de funcionários que fizeram barricadas para proteger os alunos; e familiares aflitos, atônitos e angustiados diante do ataque são pequenos recortes de uma cena monstruosa vivida pela Escola Estadual Raul Brasil e que ecoou como símbolo de luto em todas as instituições de ensino do país.

A estrutura escolar, observada como uma densa instituição que acolhe diariamente, como em um fluxo contínuo inúmeros estudantes – de diversas idades e identidades, com aspirações múltiplas, caminhos a trilhar, ávidos por conhecimento e sonhos a percorrer – retoma ao centro de uma análise plural, buscando evidenciar os impactos provocados por essa brutal ação, bem como os reflexos e desdobramentos em segurança, atendimentos psicológicos e desenvolvimentos de ações que contemplem discussões socioemocionais em sala de aula.

Dessa forma, é interessante aprofundar na reflexão sobre os meandros (e os motivos) que compõem esse massacre, identificando, na conjunção desse ato, diversos fatores que não são aleatórios. A psicanalista e mestranda em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP), Camila Morais, acredita que a situação de extrema violência ocorrida na escola em Suzano é composta por uma série de fatores, como um crescente “culto às armas” acompanhado por discursos de ódio e intolerância, culminando na ausência de diálogo.

“Nas situações em que as pessoas se deparam com as inseguranças, os medos, a tristeza, as fragilidades (entre outras tantas características inerentes a vida e ao ser humano) não encontrem recursos em si mesmos para lidar com aquilo que os afeta. É então que a violência e a agressividade tornam-se as vias de escape e de ‘resolução’”, diz Camila.

De acordo com a psicanalista, faltam espaços de diálogo e de cuidado para a população de forma geral. E o período da adolescência, de maneira geral, é repleto de transformações intensas – como as mudanças do corpo, a aceitação em diferentes grupos e situações sociais e as dificuldades nestes processos, a construção de projetos para a vida, encontrar o que faz sentido, entre outros aspectos – é fundamental para que este jovem consiga encontrar espaços nos quais se sinta acolhido e pertencente.

“Nos últimos anos temos visto crescer no mundo todo os pensamentos que pregam o ódio e a intolerância às diferenças. A cultura do ódio incita que as diferenças devem ser banidas e exterminadas, sendo a violência o principal meio para que o objetivo seja alcançado. Pessoas intolerantes e odiosas quando armadas não pensarão duas vezes antes de puxar o gatilho para ferir ou matar aquele que consideram como um inimigo”, completa Camila.

ASPECTOS PSICOLÓGICOS

“O impacto psicológico provocado por esse massacre é muito grande”, diz a psicóloga Célia Siqueira, “e pode causar transtornos de humor, ansiedade, depressão e síndrome do pânico. Por um período será necessário o acompanhamento de especialistas, principalmente para os funcionários, pois além da perda dos alunos também perderam amigos que estavam trabalhando, e precisam de todo o respaldo para que continuem exercendo suas funções passando segurança e confiança aos alunos”.

Segundo a psicóloga, o ocorrido também pode impactar a rendimento escolar dos alunos, “podendo ter dificuldade no aprendizado, principalmente por falta de atenção, e qualquer barulho que escutem, podem se assustar e automaticamente desencadear flashbacks do dia da tragédia”.

Psiquiatra Celso Lopes

Complementando essa ideia, o psiquiatra e idealizador de um programa focado em desenvolvimento socioemocional, Celso Lopes de Souza, indica que o estresse pós-traumático – em que cenas vividas naquele momento ficam retornando com memórias, às vezes até distorcidas – podem inviabilizar a vida da pessoa, não tendo produtividade nos estudos.

“Esse atentado tem uma interrupção com um fator emocional muito forte que dificulta a motivação dos alunos. Então deverá ser feito um trabalho muito minucioso para reestruturar essa motivação. E as pessoas que, depois de dois meses, ainda persistirem (em um mês já podemos até pensar nisso), e não conseguirem retomar as atividades na escola, precisam de ajuda especializada urgente”, ressalta Celso.

Nesse aspecto, sobretudo o que tange a saúde emocional, o psiquiatra ressalta que a escola é um excelente local “para trabalhar as habilidades socioemocionais, que são iguais as outras habilidades cognitivas”, além de afetar de modo positivo o desenvolvimento dos estudantes, apresentando “claramente menos problemas com violência, menos problemas sociais, de abuso de substâncias”.

DESENVOLVIMENTO SOCIOEMOCIONAL

Em um olhar contemporâneo, os debates que cercam os efeitos da educação, ressaltam uma urgência: as ressonâncias e repercussões socioemocionais. “O trabalho na educação básica deve ser integral, portanto deve levar em consideração o aluno em suas dimensões cognitivas, procedimentais e atitudinais – as habilidades atitudinais se referem aos aspectos subjetivos”, afirma Marcelo Krokoscz, diretor do Colégio FECAP, localizado em São Paulo.

Especialistas da educação afirmam que o desenvolvimento das habilidades socioemocionais são importantes para a formação dos alunos. Pois, se não forem bem trabalhadas, acabam interferindo ou até mesmo prejudicando o aprendizado cognitivo, reverberando, também, nos relacionamentos sociais.

No Colégio FECAP, conta Marcelo, os temas socioemocionais são tratados de forma direta. A metodologia que trabalha esse tema é composta por algumas atividades, como: uma equipe de orientadores educacionais com dedicação integral à disposição dos alunos diariamente; um orientador educacional para cada série; conversas coletivas com os estudantes sobre o cotidiano na escola a fim de ouvir as suas inquietações, sugestões, bem como propor atividades de vivência pessoal e interpessoal.

“As atividades não são matérias, não tem prova, lição ou conteúdo. Não estão na grade curricular, mas fazem parte do programa pedagógico da escola. Os orientadores precisam ter perfil bastante adequado e capacidade para gerenciar conflitos permanentemente, independente da natureza – sejam eles pessoais, familiares e ou escolares”, complementa o diretor.

Já o Colégio Albert Sabin, fundado em São Paulo com o lema “ensinar é criar oportunidades”, desenvolve há três anos um trabalho com todos os funcionários do colégio (professores, auxiliares, seguranças, administrativo) pautado na “comunicação não violenta” – para que saibam mediar conflitos e administrar situações em uma linguagem não violenta. O projeto é desenvolvido em conjunto com o Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral), de pesquisadores da USP, Unifesp, Unesp e Unicamp, que estuda os desafios da Educação Moral para definir em que consiste uma personalidade moral e como a escola contribui para sua formação.

A partir dessa perspectiva, o colégio promove alterações em suas estratégias eficientes de intervenção, como: utilizar linguagem descritiva sem juízos de valor e sem tomar partido; serenar os ânimos; quando necessário usar a autoridade, ser firme e breve; não expor alunos com reprimendas públicas (especialmente na adolescência, idade mais suscetível a essa situação); entre outras.

“Estamos fazendo uma reflexão profunda sobre a postura do professor como mediador de conflitos”, diz a coordenadora do Fundamental I do Colégio Albert Sabin, Dionéia Menin. “A ideia é não conter conflitos pela autoridade do professor (heteronomia), mas aproveitá-los como oportunidades para que os alunos expressem seus pontos de vista, entendam o outro e cheguem a conclusões sobre certo e errado (autonomia)”, completa.

PROTEÇÃO ESCOLAR

Além das reflexões e problematizações necessárias que cercam os aspectos psicológicos, os impactos psíquicos diante de atentados brutais como esse em Suzano, é preciso estreitar o olhar sobre um aspecto primordial em todas as instituições de ensino: as dimensões estratégicas de segurança.

Para Alexandre Nascimento Ferreira, consultor em segurança escolar, algumas medidas de proteção, como o sistema de clausura – onde a pessoa só terá acesso ao ambiente após a identificação e autorização – “se um criminoso sabe que terá dificuldade para cometer o crime, aquilo cria uma defesa em seu subconsciente trazendo uma reflexão da ação”.

“A tecnologia está muito acessível a todos e temos que aproveitar o máximo para tentar prevenir tragédias como essa de Suzano. Outro aspecto que merece atenção é a forma pela qual os jovens muitas vezes utilizam símbolos relacionados à violência para serem validados e respeitados perante seu grupo, e isso também pode e deve ser trabalhado dentro da escola”, diz Alexandre.

Segundo o consultor, um objeto simbólico que paira no imaginário dos jovens e remete a tríade de poder, virilidade e defesa pessoal, é a valorização do porte de armas de fogo (mesmo que proibido por lei). “Apesar de não figurar entre as principais ocorrências de violência nas escolas, a presença e o uso de armas no ambiente escolar devem ser trabalhados”, conclui.

 

Saiba mais:
Alexandre Nascimento Ferreira – [email protected]
Camila Morais – [email protected]
Celso Lopes de Souza – [email protected]
Célia Siqueira – [email protected]
Colégio Albert Sabin – [email protected]
Marcelo Krokoscz – [email protected]

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