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Guia para Gestores de Escolas

Como desenvolver práticas antirracistas no cotidiano escolar?

No cotidiano escolar, compreendido como um potente espaço para diálogos e compartilhamentos, inserir reflexões e ações que envolvam (não só) a percepção do racismo, como também práticas antirracistas, são demandas necessárias – e urgentes.

A escola, vista como um espaço privilegiado para a constituição do sujeito, torna-se um campo de possibilidades para abordar as múltiplas diferenças que atravessam os estudantes, a problematização de uma visão única (colonial e eurocentrada) de mundo. Nesse sentido, se seguirmos a fala da filósofa e ativista estadunidense Angela Davis quando, em certo momento, ela disse que “numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, como desenvolver práticas antirracistas no cotidiano escolar? A partir dessa inquietação, trouxemos neste especial algumas falas de profissionais que atuam em variadas áreas da educação, refletindo sobre as possibilidades de práticas antirracistas nas escolas. Confira!

 

Adriana Petrone – Diretora Pedagógica do Colégio Dom Bosco

“A educação antirracista vai além de reconhecer e respeitar as diferenças raciais, trata-se de adotar práticas e atitudes que combatem o racismo em todas as suas formas, promovendo um ambiente escolar mais acolhedor.

Acreditando nisso, no Colégio Dom Bosco, investimos na formação dos professores incluindo palestras, sugestão de leituras e cursos. No espaço escolar, disponibilizamos livros, brinquedos e materiais que contemplam a diversidade étnica e cultural, além de explorarmos projetos e atividades que levem o aluno a refletir sobre valores, como respeito, empatia, justiça e igualdade. Adotamos também uma política clara de enfrentamento ao racismo, ouvindo a comunidade escolar e trabalhando em cima de casos de discriminação, quando esses ocorrem. Adotando práticas antirracistas estamos contribuindo para a formação de cidadãos que respeitarão as diferenças e atuarão para construir uma sociedade mais justa e igualitária.”

Adriana Petrone – Diretora Pedagógica do Colégio Dom Bosco

 

Ana Paula Aguiar – Autora de Filosofia, Sociologia e História do Sistema de Ensino pH

“Práticas antirracistas na escola devem começar pelo reconhecimento do racismo como um problema social que precisa ser enfrentado de forma intencional e contínua. Uma abordagem eficaz é incorporar a educação antirracista no planejamento pedagógico desde o início do ano letivo, assegurando que conteúdos relacionados às histórias e culturas africanas e afro-brasileiras sejam integrados de forma transversal às disciplinas, e não apenas limitados a datas comemorativas.

Projetos como rodas de conversa, apresentações culturais, leituras de autores negros e debates críticos são excelentes ferramentas para promover a conscientização sobre a diversidade étnico-racial e valorizar a pluralidade cultural.

Além disso, criar um ambiente acolhedor, no qual todos se sintam vistos e ouvidos, é fundamental. Isso envolve não apenas ações pedagógicas, mas uma postura coletiva contra atitudes preconceituosas difundida por toda comunidade escolar.”

Ana Paula Aguiar – Autora de Filosofia, Sociologia e História do Sistema de Ensino pH

 

 

Silvana Gurgel – Coordenadora do Colégio Parthenon Bom Clima

“Cada vez mais conscientes do silenciamento imposto à população negra, haja vista a ideia de que tudo o que vem da Europa deve ser considerado universal, temos proposto intervenções antirracistas em todos os segmentos escolares. Nas aulas de Humanidades, sensibilizamos nossos alunos para o problema do racismo estrutural e do sistema de privilégios da branquitude. Por meio da Literatura, buscamos conhecer outras possibilidades de leitura e escrita, compreendendo que as narrativas e poemas escritos por negros representam uma forma de resistência, de afirmação da identidade e de combate ao racismo. Nas Ciências da Natureza, iniciamos uma revisão curricular para que as descobertas tecnológicas africanas sejam devidamente reconhecidas e estudadas. Há muitas outras ações a serem tomadas e, por isso, continuaremos trabalhando para que o tempo escolar seja também um tempo de reparações históricas.”

Silvana Gurgel – Coordenadora do Colégio Parthenon Bom Clima

 

Roberta Rosa – Vice-Diretora Educacional do Colégio Marista São José-Barra

“Uma escola que deseja formar sujeitos antirracistas deve, primeiramente, comprometer-se com a formação de seus professores e funcionários. Eles precisam estar preparados, bem informados e empoderados para promover e valorizar a diversidade no cotidiano escolar. No Colégio Marista São José-Barra, mantemos diálogos constantes com toda a comunidade escolar e para fortalecer nossas ações, criamos um grupo de trabalho para Educação Antirracista. Nossa agenda inclui celebrações das culturas afro-brasileiras, discussões sobre racismo estrutural e a proposição de soluções para promover a igualdade racial. Valorizamos as abordagens afrocentradas em sala de aula, permitindo que os estudantes conheçam diferentes pontos de vista. Histórias e perspectivas que antes não eram abordadas ganham destaque em nossas aulas.”

Roberta Rosa – Vice-Diretora Educacional do Colégio Marista São José-Barra

 

Diego Cuesta – Professor de História do Ensino Fundamental (anos finais) do Colégio Ofélia Fonseca

“A construção de projeto de educação antirracista de forma contínua pressupõe um processo de aprendizagem espiralar, busca mobilizar todos os corpos no sentido da construção da escola como um ethos formador de estudantes plenos de experiências e habilidades e que colaborem ativamente no combate ao racismo em nossa sociedade. Para tal, propomos a criação de abordagens que fomentem um currículo decolonial que seja profundamente interdisciplinar, ao valorizar múltiplos saberes e experiências culturais; enraizado na oralidade e na ancestralidade africanas. Deve-se assumir uma pedagogia que rompa com as estruturas coloniais e hegemônicas, promovendo encontros, encruzilhadas e atualizações constantes de conhecimento para toda comunidade escolar. Visitar museus e exposições com a temática da arte, história e cultura afro-brasileira pode semear bons resultados no combate ao racismo no cotidiano da escola. Conhecer verdadeiramente nossas origens enquanto povo brasileiro contribui para que formemos uma consciência de nossa própria identidade.

Sabemos que muitos educadores e educadoras neste país já produzem práticas inovadoras no campo da educação antirracista. Conhecer autores e autoras, como bell Hooks, Nei Lopes, Allan Rosa, Djamila Ribeiro, Bárbara Carine e Grada Kilomba, entre tantas outras, é fundamental no momento do planejamento do currículo, pois o giro epistêmico transformador que tais leituras promovem justificam necessidade de se reinventar a práxis pedagógica. É através de ações inspiradas num tempo espiralar, em oposição ao pensamento individual, racional e cartesiano, que reforçaremos o pensamento da coletividade ou aquilombamento na escola. Para finalizar, nunca é demais recordar um provérbio africano que fala sobre o poder do Ubuntu ‘Eu sou porque nós somos’”.

Diego Cuesta – Professor de História do Ensino Fundamental (anos finais) do Colégio Ofélia Fonseca 

Maria Corrêa e Castro – Consultora em articulação do Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista)

“A escola é o espaço onde as crianças e os jovens constroem experiências que levarão para o resto de suas vidas. Cabe ao professor mediar a construção desses conhecimentos e proporcionar um espaço de boa convivência, de experimentação e de crescimento. Para que os processos educativos possam refletir experiências de educação para as relações étnico-raciais, as instituições precisam refletir sobre a vida, que é diversa e essa diversidade precisa estar presente, também, nos livros didáticos e paradidáticos, na literatura e demais materiais usados em sala de aula. Crianças negras precisam ser acolhidas, ter suas histórias respeitadas, reconhecidas e contadas de forma afirmativa no ambiente escolar e todos precisam reconhecer as contribuições que as populações negra e afrodescendente, indígena e quilombola deixaram como herança para a construção da sociedade brasileira. Com isso, práticas como a promoção de leitura e atividades, que implementem as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, devem fazer parte do cotidiano escolar.”

Maria Corrêa e Castro – Consultora em articulação do Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista)

 

Iara Souza – Psicóloga e autora do livro “A importância do sucesso do vazio”

“A psicoeducação pode ser uma ferramenta poderosa para fomentar reflexões sobre preconceitos e estereótipos, por meio de atividades que promovam o autoconhecimento e a empatia. Isso inclui rodas de conversa, onde alunos, professores e pais possam discutir questões raciais e compartilhar vivências, além da inclusão de conteúdos que valorizem a história e a cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar. Tais práticas ajudam a desnaturalizar discriminações sutis ou explícitas que ocorrem no ambiente escolar.

Ações antirracistas também envolvem capacitar educadores para identificar e intervir em situações de racismo, por meio de treinamentos contínuos. Além disso, é necessário criar canais de escuta ativa para que estudantes se sintam à vontade para relatar discriminações, garantindo suporte emocional e medidas reparadoras adequadas. Dessa forma, a escola não apenas coíbe comportamentos racistas, mas também se torna um espaço ativo na construção de uma sociedade mais justa e equitativa, estimulando todos a se posicionarem contra o racismo de forma consciente e ética.”

Iara Souza – Psicóloga e autora do livro “A importância do sucesso do vazio”

 

 

Maria Suelí Periotto – Doutora em Educação e superintendente educacional e supervisora da linha pedagógica da rede de ensino da Legião da Boa Vontade

“A questão antirracista permeia conteúdos da matriz curricular da nossa rede e tem como finalidade provocar reflexões por meio de ações e de práticas educacionais, uma vez que essas iniciativas ocorrem continuamente ao longo de todo o ano com os estudantes, para além da época comemorativa do Dia da Consciência Negra, ocasião em que naturalmente colocamos em destaque ainda mais fortemente essa data para expandir atividades e discussões sobre o tema.

Ao planejar ações e ao incluir atividades com ênfase antirracista em suas aulas, os professores incentivam os estudantes a refletirem sobre as questões históricas e contemporâneas enfrentadas pelos negros, com produção de desenhos/pinturas, poemas e composições musicais, que são direcionados muitas vezes para saraus apresentados pelos próprios alunos, com a criação de maquetes e diversificadas expressões artísticas, à escolha dos estudantes. Assim, por meio da Arte, surgem possibilidades de abordagem com eles, envolvendo os desafios e as conquistas da população negra, destacando seu inestimável legado ao nosso país. É um caminho justo e necessário para superarmos barreiras ainda existentes em pleno século XXI.”

Maria Suelí Periotto – Doutora em Educação e superintendente educacional e supervisora da linha pedagógica da rede de ensino da Legião da Boa Vontade

 

Ione Oliveira de Carvalho – Diretora do Departamento de Docentes da APROFEM, o Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo

“Durante muito tempo o ‘apagamento cultural’ tratou de manter a ‘ordem’, ou seja, manter a visão segregacionista de superioridade de uma etnia em detrimento de outras, escondendo e negando a inteligência, a capacidade, a competência e as contribuições das raças/povos tidos como ‘inferiores’ para que, como tal, pudessem ser justificadas uma série de atrocidades. Porém, é chegado o ‘tempo de rebeldia’ que surge através do conhecimento, do desvendar o passado, de mostrar toda a contribuição vinda desses povos feita através da Ciência, da Cultura, da Religião. É preciso trabalhar o reconhecimento da autoimagem, a elevação da autoestima e a representatividade, ensinando a reconhecer atos preconceituosos e atitudes racistas, bem como apresentar e divulgar associações, entidades, institutos e sites onde buscar conhecimento e os órgãos a quem recorrer, em caso de preconceito ou racismo. Essa é, certamente, nossa maior contribuição e o nosso maior ato de rebeldia.

De forma prática, alguns recursos que podem ser usados em sala de aula para ajudar a combater o racismo e o preconceito: em aulas de Geografia, explorar o continente africano, suas características e dos povos que ali vivem – junto com os alunos, usar a criatividade em diversos formatos (produção de texto, vídeo, desenhos, fotografias, jornais, podcasts etc.). Em aulas de História, refletir sobre a desigualdade histórica no nosso país, a partir de acontecimentos históricos que envolvem os povos africanos. Também é bacana trabalhar, ainda, a arte, a cultura, personalidades da música, teatro, cinema e expressões artísticas características dos povos africanos. Propor leituras de autores(as) negros. Com os pequenos, o lúdico pode fazer parte das aulas com músicas, danças, jogos, histórias e brincadeiras que tenham origem ou conexão com a cultura africana. Análise de notícias (o que ocorreu, quem escreveu/divulgou? Foi imparcial? Quais conotações? Qual sua opinião? O que você falaria para quem fez isso?) e reflexões de citações de personalidades, também são boas ferramentas.

O importante é promover a diversidade, o pensamento e a análise crítica, incentivar o diálogo e a conscientização. E, para isso, o educador deve sempre, também, ‘educar-se’ e examinar seus próprios preconceitos para desconstruí-los e ser um agente de transformação.”

Ione Oliveira de Carvalho – Diretora do Departamento de Docentes da APROFEM, o Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo

 

Tamiris Hilário – Especialista em DEI e assuntos étnicos-raciais na Diversitera

“O ponto de partida mais coerente, consistente e correto é o cumprimento dos dispositivos legais que já preveem ações inclusivas no contexto escolar, por exemplo as leis 10.639/03 e 11.645/08, que versam sobre o ensino antirracista – de história e cultura africana, afro-brasileira, afro-ameríndia e indígena. Implica o preparo do corpo docente e a revisão curricular, uma vez que não basta apenas inserir novas informações, perspectivas e práticas, mas revisitar as existentes criticamente e avaliar se estão, de fato, adequadas a um pensamento diverso e inclusivo. Há autores negros nas aulas de Literatura? É de conhecimento geral que a biblioteca de Alexandria ficava em África? Será que os jogos matemáticos de algumas populações africanas da Antiguidade podem tornar o ensino de Ciências Exatas mais lúdico? Nosso vocabulário está atualizado e abraça o patrimônio linguístico de outras culturas? Questões como estas são pertinentes. Além disso, embora as leis obriguem as instituições a fazê-lo especificamente nos Ensinos Fundamental e Médio, com boa disposição e compromisso é possível iniciar ações de sensibilização já na Educação Infantil.

Outro aspecto relevante é o fortalecimento do tripé escola + família + comunidade do entorno, fazendo com que ele se corresponsabilize por elas. É que ações antirracistas perdem potência se não tiverem sentido coletivo. Então, de nada adianta o professor propor atividades incríveis se, por exemplo, a escola não tiver recursos para acolhê-las. Tem brinquedos, mas nenhuma boneca ou heroi não caucasiano; tem midiateca, mas nenhum livro, mídia ou recurso pedagógico de autoria negra ou indígena. E agora? Do mesmo modo, a escola se alinhar a um currículo e calendário diverso, mas os pais e a comunidade criarem barreiras para que os estudantes participem, pois não compreendem o valor disso. Há relatos de estudos relacionados aos orixás sendo rechaçados por professores e livros infantis com temática antirracista sendo questionados pelos pais. Se todo mundo não caminhar junto, vamos falhar.

Vale apenas ressaltar que os marcadores étnico-raciais destacados (pretos, pardos e indígenas), ao serem trabalhados, puxam os demais para diálogo e presença perene nas escolas – para além de marcos celebrativos, como o mês da consciência negra. Demonstram a importância da pluralidade e dos riscos de uma história única. Portanto, não se trata de privilegiar este ou aquele grupo em detrimento de outros. Todos (árabes, asiáticos, africanos, europeus, latinos etc.) ganham com a aplicação correta das leis supracitadas, e a implementação de iniciativas antirracista, uma vez que o conhecimento sobre as diferentes características e narrativas que constituem o povo brasileiro se alarga para todos os envolvidos.”

Tamiris Hilário – Especialista em DEI e assuntos étnico-raciais

 

 

 

SUGESTÕES DE LEITURA
Sobrevivendo ao racismo: Memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil
Autora: Luana Tolentino

 

Desde muito cedo, Luana Tolentino enfrentou o peso das expectativas sociais e das limitações impostas pelo racismo. Ela encontrou forças para ser uma voz da resistência e transformou isso em livro. A educadora desabafa sobre as difíceis batalhas diárias de ser uma mulher negra no país, ao descrever em detalhes a infância marcada pelo preconceito e a atuação como ativista comprometida com a causa antirracista. Com prefácio do aclamado escritor Itamar Vieira Junior, a obra lançada pela Papirus 7 Mares, segundo ele, “desmente que o Brasil é uma sociedade igualitária”.

Racismo e antirracismo na educação – Repensando nossa escola (7ª edição revista e atualizada)

Organizadora: Eliane Cavalleiro

 

Assim que foi lançado, em 2001, o livro “Racismo e antirracismo na educação – Repensando nossa escola” (Selo Negro Edições) se tornou um clássico e um guia inspirador para toda uma geração de educadores. É essa premissa que justifica a publicação da edição revista e atualizada, na qual autoras negras se aprofundam nas diversas formas de combater o racismo dentro das escolas, obra sob organização da professora Eliane Cavalleiro.

“Nesse cenário desafiador, a presente coletânea não apenas mantém sua relevância como também se revela uma oportunidade para estabelecer um diálogo franco e aberto sobre a diversidade, incluindo um olhar sobre a branquitude. Além disso, ela se destaca como um espaço de reflexão sobre asflagrantes desigualdades no desempenho educacional de nossas crianças. Nesse sentido, nos instiga a identificar os desafios presentes e a promover ações concretas para transformar essas realidades.” – Trecho da apresentação de Eliane Cavalleiro à nova edição.

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