Como promover o bem-estar emocional e a saúde mental sadia de gestoras e gestores escolares?
Por Rafa Ella Pinheiro / Fotos Divulgação
Conversa com o Gestor
O trabalho diário da gestão escolar está enredado em variadas demandas, resoluções e responsabilidades que atravessam os pilares administrativos de uma instituição de ensino. Para enfrentar os desafios cotidianos, a atenção para um equilíbrio emocional de gestores e gestoras é de suma importância para que a gestão se desenvolva de maneira positiva
A temática da saúde mental, assim como os seus efeitos e as suas complexidades, alcançou um lugar de destaque nas discussões sobre o cotidiano nos últimos anos. No contexto escolar, o cuidado com a saúde mental tem se mostrado cada vez mais presente nas instituições de ensino, evidenciando a urgência – e a necessidade – em intensificar práticas e ações que sejam direcionadas ao acolhimento e à atenção com a saúde mental de estudantes, docentes e funcionários.
E quando estreitamos o olhar sobre a gestão escolar, o cuidado com a saúde mental deve ser redobrado, já que muitas/os gestoras/es e diretoras/es de ensino podem apresentar sintomas ansiosos, depressivos ou relacionados a “síndrome de burnout”, um distúrbio emocional caracterizado, entre outros, por situações de trabalho desgastantes. Para adentrar nesse cuidado emocional direcionado aos gestores e às gestoras escolares, produzimos um especial com falas de especialistas do setor e de profissionais de diversas áreas da educação abordando possibilidades que podem ser adotadas para mitigar os efeitos que o complexo e denso trabalho da gestão escolar podem gerar. Confira!
Charles Betito – Fundador da MIND Station e especialista em saúde mental nas corporações
“Cuidar da saúde mental deixou de ser um tema secundário para se tornar uma necessidade urgente em tempos de crescente ansiedade e depressão. No Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 9,3% da população enfrenta transtornos de ansiedade e 5,8% lida com depressão. Esses dados alarmantes ressaltam que negligenciar o bem-estar emocional não é uma opção, especialmente para gestoras e gestores escolares, que estão na linha de frente de uma das profissões mais desafiadoras e socialmente impactantes. A saúde mental não é apenas um recurso pessoal; ela é um pilar para a produtividade, a liderança e a capacidade de inspirar transformações positivas.
Para criar um ambiente favorável ao equilíbrio emocional, é essencial fortalecer os laços de apoio dentro das escolas. Gestores frequentemente enfrentam decisões complexas e desafios inesperados, o que exige resiliência, empatia e um espaço seguro para compartilhar suas experiências. Promover um clima organizacional baseado em comunicação aberta e respeito mútuo reduz a sensação de isolamento e estimula relações mais saudáveis. Quando o diálogo flui, os líderes se sentem mais encorajados a buscar soluções colaborativas, impactando positivamente suas equipes e criando um ambiente escolar mais harmônico e produtivo.
Além disso, o cuidado com a saúde física é indispensável para sustentar o bem-estar emocional. Práticas como dormir adequadamente, adotar uma alimentação balanceada e incorporar exercícios físicos na rotina não são luxos, mas sim aliados poderosos contra o estresse e o esgotamento. Gestores que dão exemplo ao priorizar sua saúde pessoal inspiram suas equipes e promovem uma cultura que valoriza o autocuidado. Essa atitude não só melhora a qualidade de vida no trabalho, mas também eleva o desempenho coletivo, reforçando que o cuidado começa de dentro para fora.
Investir na saúde mental das lideranças escolares é mais do que uma estratégia de gestão; é uma iniciativa transformadora com impacto profundo na sociedade. Escolas que valorizam o bem-estar de seus gestores criam ambientes de aprendizado mais acolhedores e dinâmicos, onde a resiliência e o equilíbrio se tornam exemplos para toda a comunidade escolar. Em um mundo que clama por modelos de mudança positiva, priorizar a saúde mental dos líderes educacionais é plantar as sementes de uma sociedade mais saudável, produtiva e empática. Afinal, a educação é o núcleo da formação cidadã, e líderes emocionalmente equilibrados têm o poder de transformar vidas – começando pelas suas próprias.”
Charles Betito – Fundador da MIND Station e especialista em saúde mental nas corporações
Silvia Rezende Azevedo Floh – Professora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
“O gestor escolar desempenha um papel crucial na coordenação do trabalho pedagógico, definindo diretrizes, metas, normas e procedimentos, supervisionando processos e implementando projetos educacionais. Ele acompanha o desempenho de professores e alunos, participa de reuniões, organiza eventos e elabora relatórios. Essa posição estratégica exige grande responsabilidade e pode levar ao desenvolvimento de burnout, estresse, depressão e ansiedade.
A saúde mental dos gestores escolares é um fator crucial para o sucesso da instituição. Para promovê-la, é essencial que os gestores reconheçam a importância da qualidade de vida no ambiente de trabalho. A escola, por sua vez, deve oferecer recursos e suporte para o bem-estar mental de seus colaboradores. Isso pode incluir acesso à psicoterapia, para que os gestores possam ter auxílio profissional na gestão das emoções e do estresse. A criação de grupos de apoio emocional também é fundamental, proporcionando um espaço de acolhimento e compartilhamento de experiências entre os gestores. Além disso, a promoção de práticas de relaxamento e mindfulness, como rodas de meditação, pode auxiliar na redução do estresse e no aumento do foco.
Estratégias para um Ambiente de Trabalho Saudável
Ambiente colaborativo: Estimular a participação ativa de todos os colaboradores nas tomadas de decisões, criando um clima de colaboração e respeito mútuo.
Valorização profissional: Reconhecer as habilidades, competências e realizações dos gestores, promovendo a autoestima e a motivação.
O desenvolvimento de habilidades socioemocionais é essencial para os gestores escolares. Isso inclui incentivar a educação socioemocional, promovendo o autoconhecimento, a gestão emocional e a resiliência para lidar com o estresse e a pressão do dia a dia. Estimular a prática da escrita reflexiva por meio de um diário das emoções também é crucial, permitindo que os gestores compreendam e gerenciem suas próprias emoções. É importante, ainda, desenvolver a resiliência emocional, ou seja, a capacidade de lidar com situações adversas com tranquilidade e positividade, mantendo o equilíbrio emocional em momentos desafiadores.
A saúde mental dos gestores escolares depende de ações conjuntas que promovam bem-estar e desenvolvimento profissional. Isso inclui investir em atividades formativas sobre competências socioemocionais e gestão do tempo, além de incentivar hábitos saudáveis, como a prática de exercícios físicos e o autoconhecimento. Férias regulares e reuniões eficientes também são essenciais para que os gestores retornem ao trabalho com mais disposição e motivação.
A saúde mental dos gestores escolares é fundamental para o bom funcionamento da escola. Ao investir na promoção do bem-estar e no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, a escola cria um ambiente mais positivo, colaborativo e propício ao aprendizado. É importante que a comunidade educacional esteja atenta aos desafios enfrentados pelos gestores e ofereça o suporte necessário para que eles possam lidar com as pressões do dia a dia de forma saudável e equilibrada.”
Silvia Rezende Azevedo Floh – Professora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Leo Gonçalves – Assessor educacional do programa Líder em Mim
“Este é um convite à reflexão sobre como podemos cultivar saúde mental e bem-estar emocional, nas escolas e em todas as áreas da vida. Cada passo de uma pessoa nesta direção traz benefícios significativos não só para si, mas para toda a comunidade ao seu redor. Assim, é essencial que essas questões sejam prioridades nas escolas, pois a saúde mental e o bem-estar emocional dos líderes educacionais impacta o ambiente escolar e a qualidade da educação. Diversos são os fatores que influem no bem-estar emocional e na saúde mental dos seres humanos, e queremos aqui refletir sobre dois deles: ‘autoconhecimento’ e ‘priorização’.
Autoconhecimento é uma ferramenta poderosa. Quando gestores escolares conhecem seus valores e suas emoções, se tornam mais eficazes em seus papéis, criam um ambiente mais saudável para si, para professores, alunos e toda a escola. Entendem as origens de suas emoções, por exemplo, e percebem o que pode lhes causar um desconforto, e esse entendimento lhes permite lidar com suas emoções de maneira mais saudável, ou mesmo se preparar mentalmente com mais autonomia, antes de um evento.
Priorização está relacionada com foco, habilidade de saber o que é crucial, e assim, estabelecer limites saudáveis, como um ato de autocuidado e um exemplo para as pessoas, os alunos. Quando os líderes demonstram a importância de cuidar de si mesmos, eles inspiram outros a fazerem o mesmo. Dizer ‘não’ com respeito e autenticidade, com coragem e com consideração, reforça a responsabilidade de todos se cuidarem e priorizarem seu bem-estar e sua saúde mental.”
Leo Gonçalves – Assessor educacional do programa Líder em Mim
Marcel Raminielli Costa – Professor e CEO da IntegralMind
“Promover o bem-estar emocional e a saúde mental de gestores escolares exige uma abordagem sistêmica e integrada que deve ir além das soluções superficiais. Os desafios enfrentados por gestores escolares são complexos, muitas vezes exacerbados pelo desalinhamento entre as demandas institucionais, as expectativas familiares e as necessidades individuais. Para cuidar de quem cuida, é essencial criar um ambiente que valorize o equilíbrio emocional e o desenvolvimento pessoal como pilares fundamentais da liderança educacional.
O primeiro passo é oferecer suporte emocional personalizado, similar ao que aplicamos aos nossos alunos aqui na IntegralMind. Os gestores, muitas vezes, carregam o peso de decisões difíceis e expectativas elevadas. Uma solução eficaz que utilizamos é implementar mentorias, que são bate-papos de coração aberto e sem julgamentos, conduzidos por profissionais experientes que ajudam a identificar padrões de desgaste emocional, abordando-os de forma prática e eficaz e ajudando os gestores a manejar suas personalidades e suas tarefas de maneira harmônica. Essas mentorias criam um espaço seguro para que os gestores possam refletir, reorganizar prioridades e construir estratégias para lidar com os desafios cotidianos sem comprometer sua saúde mental.
Além disso, a comunidade é uma ferramenta regenerativa poderosa. Reuniões colaborativas entre gestores, professores e famílias podem criar um espaço para alinhar expectativas e compartilhar experiências. Essas interações fortalecem vínculos e reduzem a sensação de isolamento comum em posições de liderança. Durante esses encontros, o foco está em habilidades como comunicação empática, resolução de conflitos e gestão de crises, criando uma rede de apoio que beneficia todos os envolvidos no processo educacional.
Por fim, o bem-estar dos gestores deve ser sustentado por práticas que integrem a saúde física e emocional. A adoção de rotinas regenerativas, como mindfulness e exercícios físicos, e terapia sobre o impacto das emoções na tomada de decisão contribuem muito para o equilíbrio emocional e profissional. Gestores emocionalmente equilibrados inspiram suas equipes e são capazes de criar ambientes escolares mais saudáveis e produtivos. Educação para a vida toda começa com lideranças resilientes, capacitadas e alinhadas com sua própria saúde mental.”
Marcel Raminielli Costa – Professor e CEO da IntegralMind
Wagner Venceslau Dias – Diretor pedagógico do Colégio Anglo Leonardo da Vinci
“A rotina escolar pode ser muito desgastante quando não se prioriza dois elementos: organização e comunicação eficiente. A organização vem em função de um planejamento meticuloso, com previsão a partir de erros e acertos já realizados e com método. A comunicação eficiente cria uma cumplicidade entre os membros da comunidade escolar, de modo a compartilhar informações em conjunto e a criar co-responsabilidades de tudo o que acontece dentro e fora da escola.
Gerir uma escola com pelo menos estes dois pilares melhora o ambiente e reforça o bem-estar emocional. O desgaste gera ansiedade e um sentimento de insegurança e instabilidade. Quando a missão da instituição escolar é clara ou quando se sabe onde quer chegar, através de muita organização e comunicação, prevalece a tranquilidade e transparência.”
Wagner Venceslau Dias – Diretor pedagógico do Colégio Anglo Leonardo da Vinci
Vanessa Codecco – Head pedagógica do Twice Bilingual
“Promover o bem-estar emocional e a saúde mental de gestores escolares é fundamental para que eles possam liderar com equilíbrio, clareza e eficácia. Gestores desempenham papéis complexos que frequentemente envolvem lidar com pressões diárias, tomar decisões rápidas e inspirar suas equipes. Por isso, investir em práticas que favoreçam a saúde mental e emocional não é apenas uma questão de necessidade, mas também uma forma de sustentar uma liderança mais sólida e inspiradora.
Adotar uma rotina de autocuidado que inclua sono adequado, alimentação equilibrada e exercícios físicos pode ser altamente benéfico. Um sono de qualidade contribui para a recuperação física e mental, aumentando a capacidade de concentração e produtividade durante o dia, enquanto uma alimentação saudável fornece a energia necessária para enfrentar os desafios diários. A prática regular de atividades físicas, por sua vez, não apenas fortalece o corpo, mas também estimula a liberação de endorfinas, que ajudam a reduzir os níveis de estresse e promovem uma sensação de bem-estar.
Além disso, a prática de mindfulness pode ser uma poderosa ferramenta para gestores, pois, ao direcionar a atenção para o momento presente, reduz a ansiedade e melhora a capacidade de tomada de decisões, permitindo uma liderança mais focada e assertiva. Participar de redes de apoio ou grupos de discussão com outros gestores escolares também pode oferecer um espaço para compartilhar experiências, buscar conselhos e desenvolver soluções colaborativas para desafios comuns.
Por fim, é muito importante que os gestores façam uso de ferramentas tecnológicas capazes de automatizar tarefas administrativas, promovendo uma melhor gestão do tempo e permitindo que concentrem seus esforços em atividades mais estratégicas. Assim, poderão aproveitar oportunidades de desenvolvimento profissional e reservar momentos para pausas ao longo do dia.”
Vanessa Codecco – Head pedagógica do Twice Bilingual
Ana Crispim – Gerente de pesquisa e membra do eduLab21 – Laboratório de Ciências para Educação do Instituto Ayrton Senna
“Quando se fala de saúde mental, isso tem a ver com falar sobre os recursos e capacidades que cada um tem para lidar com os desafios do seu dia a dia e que se relaciona também com seu bem-estar. Por exemplo, quando não estamos nos sentindo bem, isso pode gerar sentimentos de insegurança, ansiedade e preocupação, o que pode afetar a maneira como nos relacionamos e como nos sentimos. Por vezes, esse pode ser um assunto sensível porque falar sobre questões emocionais é algo que pode vir com preocupações sobre como os sentimentos serão recebidos ou compreendidos. No entanto, isso ressalta a importância de continuarmos falando sobre ações de conscientização e promoção de saúde mental para que todos tenham acesso a iniciativas que possam lhes ajudar em seus desafios.
Nas escolas, é importante pensar em ações que se baseiam em estratégias intersetoriais, e que incluem escutas com equipes de saúde e educação. A partir dessa visão multifacetada, é possível pensar em estratégias preventivas e remediativas. Isso inclui mapeamentos socioemocionais nas redes, tanto para estudantes quanto para educadores, estabelecimento de protocolos claros de encaminhamento, identificação de recursos disponíveis nos territórios, e ações de conscientização voltadas para a comunidade escolar como um todo, desde o nível dos estudantes até o nível gestão. Ações como estas ajudam a mapear e monitorar os desafios enfrentados na comunidade escolar, e pensar em intervenções quando necessário.”
Ana Crispim – Gerente de pesquisa e membra do eduLab21 – Laboratório de Ciências para Educação do Instituto Ayrton Senna
Tais Romero – Diretora pedagógica da Global Me
“Promover o bem-estar emocional e a saúde mental dos gestores escolares é essencial para garantir um ambiente educacional saudável e sustentável. A ‘mochila emocional’ que todos carregamos – repleta de reclamações, tarefas inacabadas e situações mal resolvidas – simboliza o peso acumulado no dia a dia, muitas vezes sem apoio ou alívio. Essa carga emocional pode gerar impactos significativos, como o burnout, evidenciando a urgência de ações que previnam e aliviem esses desgastes.
Criar um ambiente acolhedor e colaborativo é um passo fundamental. Histórias de profissionais que enfrentam doenças emocionais reforçam a importância de espaços que permitam o compartilhamento de desafios e sentimentos. Esvaziar a ‘mochila emocional’ requer estratégias eficazes, como escuta ativa, reconhecimento de limites e a valorização do bem-estar coletivo. Esses elementos ajudam a prevenir a solidão pedagógica e fortalecem a saúde mental dos gestores escolares.
Entre as iniciativas recomendadas estão oferecer suporte emocional e fomentar um ambiente amável e respeitoso. Espaços para diálogo e partilha fortalecem os laços entre profissionais, enquanto a valorização de relações saudáveis promove um sentimento de pertencimento e parceria. Essas ações criam uma cultura onde todos se sentem ouvidos, acolhidos e respeitados, reduzindo o impacto das pressões cotidianas.
Como afirmou Michel de Montaigne, ‘eu não faço nada sem alegria’. Essa perspectiva nos lembra que o sentido e a satisfação no trabalho escolar não significam ausência de desafios, mas sim a presença de propósito. Assim, é papel da escola ser um lugar onde gestores e equipes desejem estar, promovendo um ambiente de suporte mútuo e crescimento emocional”.
Tais Romero – Diretora pedagógica da Global Me
Cristina Tempesta – Diretora Pedagógica das Escolas Lourenço Castanho
“A escola é um ambiente de trabalho coletivo, seja para os alunos e suas famílias, seja para todos os profissionais que trabalham nela. Como coletivo ele é diverso, reúne pessoas com diferentes valores, crenças, posicionamentos políticos. Neste ambiente ainda estão famílias com modelos diversos de educação, regras e limites para os seus filhos. Isso tudo para exemplificar os desafios de gestar pessoas tão diversas em um ambiente em que os alunos estão presentes 200 dias a cada ano, ou seja, uma convivência intensa.
Com tantas diversidades latentes entre as pessoas, o ambiente escolar hoje é um lugar de gestão desafiadora, pois gesta-se diferenças não mais veladas, como talvez fosse no passado, mas abertas, imersas em disputas e até confrontos. Isso gera muitas vezes, a perda da necessária gentileza entre as pessoas, o bem viver e a convivência cordata. A isso, soma-se a busca do imediatismo gerado pelas ferramentas de comunicação, como o WhatsApp, que cria até uma falsa impressão de intimidade entre as pessoas. Dela deriva a cobrança descabida de velocidade de resposta, sendo que a concordância e a anuência a toda e qualquer solicitação, muitas vezes são as únicas respostas esperadas. É como se a regra fosse: ‘escrevo, peço, informo, quero. Logo, devo ser atendido de acordo com o meu desejo’.
Em poucas linhas esse é o ambiente em que os gestores educacionais vivem imersos para administrar a escola e todas as pessoas. Isso vale para o público interno e para o que circunda uma unidade educacional. Por isso, não tem sido tarefa fácil manter o bem-estar emocional e a saúde mental em dia para esses profissionais. A alternativa, fazer uso da própria característica da escola, um local de trabalho coletivo. Não dá para gestar uma escola sozinha, a tarefa precisa ser distribuída, compartilhada e os profissionais que estão no entorno do gestor, fortalecidos para também tomarem decisão, ou seja, gestão coletiva e compartilhada.
Aprender a viver em ambientes coletivos é um aprendizado importante para o exercício do respeito, da tolerância, da calma, da paciência, da resiliência, afinal, vivemos em sociedade. O que o gestor precisa fazer é romper com o modelo centralizador de gestão, trocá-lo por uma gestão compartilhada, onde desafios, regras e decisões sejam discutidas, definidas e executadas em um formato colaborativo. O gestor precisa se sentir como pertencente a uma equipe, como parte de um time, em que confia, orienta, gesta e divide responsabilidades. Querer centralizar e tomar todas as decisões para si, fatalmente levará a uma exaustão mental, a um mal-estar emocional, pois administrar o ambiente escolar hoje é tarefa para muitos e não mais para uma única figura, como se fazia no passado.”
Cristina Tempesta – Diretora Pedagógica das Escolas Lourenço Castanho
Alessandra Alves Chaves Neves – Psicóloga Clínica, Neuropsicóloga e Orientadora Pedagógica do Colégio Progresso Bilingue Santos
“Pensar na saúde mental é sempre muito importante, pois o trabalho do gestor escolar necessita muito desse equilíbrio. Além do seu conhecimento técnico, suas habilidades e o socioemocional são um diferencial fundamental para que a organização escolar aconteça com excelência.
Saber lidar com as pessoas, conseguir entender qual a necessidade de cada um de nossos professores e funcionários e atuar em cima disso exige muito deste profissional. Alguns colaboradores precisam de mais apoio, dividir as ideias e ter um feedback mais contínuo no andamento do ano. Outros vão precisar de mais espaço para poder utilizar sua criatividade e trabalhar suas ideias com maior autonomia. Estar nesse lugar realmente precisa de um equilíbrio físico, mental e emocional principalmente se o gestor escolar não perceber que ele não está sozinho.
Saber delegar tarefas é uma habilidade fundamental para quem se disponibiliza para estar nessa função. Estar cercados de profissionais competentes que vão conseguir responder as necessidades dessa administração vai fazer toda a diferença.
Outra habilidade de suma importância é saber administrar o tempo, dar ênfase apenas ao trabalho pode causar grande impacto a saúde física e mental. Entender a necessidade de priorizar a família e os momentos que lhe causem prazer e relaxamento vão ser primordiais. Assim terá o equilíbrio para lidar com a rotina escolar que é muito dinâmica com muitas demandas e proporciona grandes desafios todos os dias. Quando o profissional negligencia esses pontos é quando nós observamos os primeiros sinais de estafa mental ou burnout.”
Alessandra Alves Chaves Neves – Psicóloga Clínica, Neuropsicóloga e Orientadora Pedagógica do Colégio Progresso Bilingue Santos
Micaela Gluz – Coordenadora de Educação do Instituto Cultiva
“Em 2024 o Instituto Cultiva realizou uma pesquisa com gestoras e gestores da rede pública da cidade de São Paulo sobre as principais dificuldades enfrentadas por eles e suas equipes em diferentes dinâmicas de seu trabalho, 60% apontaram as funções burocráticas – como o preenchimento excessivo de documentos e planilhas, por exemplo – como o principal obstáculo para a realização de seu trabalho na área pedagógica.
Somando essa burocracia ao item ‘Dificuldade para realizar debates e reuniões para a construção pedagógica’, constatamos que 70% dos gestores entrevistados estão hoje sobrecarregados por uma rotina que pouco impacta as comunidades escolares onde atuam. E o pior: esse dia a dia os afasta cada vez mais de seu principal trabalho naquele local: o cuidado com os alunos e o diálogo entre si.
O resultado dessa realidade é desarticulação da equipe gestora, a falta de diálogo entre pares e tomadas de decisões verticais, que enfraquecem a gestão e impactam no bem-estar emocional e saúde mental das gestoras e gestores, assim como na comunidade escolar em geral.
Como então resolver essa questão? Primeiramente entendemos que o foco da escola deve estar em construir uma Gestão Democrática dentro das instituições, priorizando o diálogo entre pares e interinstitucionalmente, colocando como prioridade o cuidado como ação no cotidiano escolar, por meio da escuta ativa. Não é à toa que as unidades escolares que praticam o exercício da Gestão Democrática acabam se tornando referências comunitárias e de bem-estar. Elas não terceirizam o cuidado nem o pertencimento. Essa gestão é o início da resposta, pois promove a capacidade de sempre reviver o diálogo.”
Micaela Gluz – Coordenadora de Educação do Instituto Cultiva
Juliana Salles – Diretora de Pessoas e Cultura Avenues São Paulo
“Na Avenues, acreditamos que o bem-estar emocional de alunos, professores e gestores é essencial para propiciar um ambiente em que a aprendizagem aconteça de forma saudável. Não à toa, temos como base da nossa cultura escolar os valores de Acolhimento, Segurança e Respeito. A partir de pesquisas de engajamento internas, identificamos que os fatores que propiciam o bem-estar emocional e a saúde mental de gestores escolares passam por terem um ambiente de trabalho em que haja confiança e apoio da liderança, em que se sintam reconhecidos por suas contribuições e em que possam se desenvolver profissionalmente. Por isso, criamos práticas que fomentem relações de trabalho colaborativas, em que haja comunicação aberta e frequente. Nossa rotina inclui encontros semanais individuais e em equipe entre gestores e seus líderes, onde são discutidos tanto desafios quanto conquistas, abrangendo o trabalho e, caso desejem, aspectos da vida pessoal. Nestes e em outros espaços regulares de diálogo, asseguramos que as necessidades de todos sejam ouvidas e que possam compartilhar desafios e soluções, além de promover momentos de pausa e reflexão para equilibrar as demandas diárias.
Outro aspecto fundamental é o investimento no desenvolvimento profissional contínuo, com o estabelecimento de metas individuais e coletivas, acompanhadas de planos específicos para atingi-las. Além disso, realizamos workshops e formações em liderança que não apenas aprimoram habilidades técnicas, mas também oferecem ferramentas para o gerenciamento do estresse e o cultivo da resiliência. Alguns exemplos são a formação em coaching cognitivo e o desenvolvimento baseado em liderança generativa. Acreditamos que gestores emocionalmente preparados são mais capazes de tomar decisões conscientes e inspirar suas equipes, o que tem um impacto positivo em toda a comunidade escolar.
Por fim, enfatizamos a importância de cuidar da saúde mental de forma preventiva, oferecendo acesso a recursos de bem-estar dentro e fora da escola. Entre essas iniciativas, destacam-se os espaços de convivência ao ar livre, a academia e uma alimentação balanceada, que inclui café da manhã, almoço e lanches. Oferecemos também o benefício Total Pass com diversas opções de modalidades de atividades físicas, de mindfulness e orientação nutricional. Gestores emocionalmente saudáveis criam uma cultura escolar mais equilibrada e produtiva, o que reflete diretamente no sucesso da escola e no bem-estar de toda a comunidade.”
Juliana Salles – Diretora de Pessoas e Cultura Avenues São Paulo
Dayana Rosa – Gerente de Programa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS)
“Além de um espaço de aprendizado e socialização, a escola também é um espaço de cuidado. Em seu papel de educar para o futuro, está a contribuição que a instituição escolar pode trazer à construção da Cultura do Acolhimento. As gestoras e gestores escolares têm o potencial de fazer escolas acolhedoras e devem ser incluídas nas políticas públicas que buscam diminuir o sofrimento e promover a saúde mental – e este é um papel do Estado.
A saúde mental é, muitas vezes, determinada socialmente e isso significa que fatores externos, como condições de trabalho, interferem na qualidade de vida e no bem estar emocional das pessoas. Com as gestoras e gestores não é diferente. É historicamente notável que a sobrecarga de trabalho é lugar comum entre os profissionais de educação – além do impacto de outras externalidades como a desvalorização, a sobrecarga de trabalho e os crescentes índices de violência no ambiente escolar.
As políticas precisam considerar essa realidade para implementar transformações efetivas e, para isso, é fundamental a produção de dados e evidências científicas. E esse é um problema a ser enfrentado, já que hoje não existem informações oficiais sobre a saúde mental da comunidade escolar. A Lei n. 14.819/2024, que cria a Política Nacional de Saúde Mental nas Comunidades Escolares, sancionada em janeiro do ano passado, é uma conquista que tem o potencial de mudar esse cenário. A Lei prevê, principalmente, a articulação entre o Programa Saúde na Escola (PSE), a Rede de Atenção Psicossocial do SUS e o Sistema de Assistência Psicossocial. E, junto a isso, institui que grupos de trabalho do PSE deverão produzir relatórios anuais sobre as ações de saúde mental que ocorrerão nas escolas – um passo fundamental e necessário para a construção e de políticas públicas baseadas em evidências.
Ainda há muito se fazer. Após um ano da sanção da Lei, ela continua sem regulamentação. Existe um obstáculo entre a escola e o gabinete dos implementadores de leis. Enquanto gestores escolares e gestores políticos não se aproximam, o processo de adoecimento dos profissionais da educação continuará existindo.”
Dayana Rosa – Gerente de Programa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS)
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