Conversa com o Gestor – Primeiro Plano: Mulheres à frente das instituições
“No mercado de trabalho, os estereótipos de gênero atuam fortemente e constroem a sobrerrepresentação das mulheres nos setores mais precários, na construção social da inferioridade feminina e na articulação do pensamento machista de que a mulher não é responsável por si. Isso atua na construção da diferença de salários entre mulheres e homens, que impede a equivalência para as mesmas funções e jornadas”, destaca gerente técnica de gênero
Por Rafael Pinheiro / Fotos Divulgação
Historicamente, os gêneros que concernem à sexualidade são divididos, através de uma lógica social e cultural, em dois grupos identitários: masculino e feminino. Aos homens, o trabalho, o ambiente externo e as experimentações diárias sociais e políticas. Às mulheres, a estruturação do lar, a maternidade, a culinária e os atributos delicados da feminilidade.
Esse aspecto tradicional perdurou e consolidou imensas gerações através de séculos e décadas em diversas cidades e nações. Porém, esse modelo começou a despertar rachaduras com o tempo e a construção binária perdeu seu sentido na pós-modernidade, principalmente com o impacto de grandes revoluções de mulheres, bem como teóricos e autores pertencentes aos estudos de gênero e os grupos sociais que reinventaram corpos, vivências, desejos, subversões e conquista de direitos.
Os valores culturais que conhecemos (e consequentemente aprendemos em escalas educacionais) a construir e conceber em nossa realidade, destacam anseios distintos em homens e mulheres através de seus respectivos gêneros, ditados por uma fórmula masculina/machista que centraliza o homem em um poder absoluto, oprimindo, assim, diversas cidades pelo mundo. As figuras binárias não se restringem exclusivamente à condição do ser masculino e do ser feminino, mas transcendem essas limitações com efeitos de grande complexidade. Fato este que necessita de visualização e discussão na contemporaneidade.
O movimento pela equiparidade, por identidades diversificadas, autonomia sobre o próprio corpo, reinvindicação de direitos, lutas e resistências cotidianas, e tantas outras organizações e ativismos marcaram (e ainda marcam), de forma física ou simbólica, meninas e mulheres espalhadas por todo o planeta. Mesmo caminhando pelo século XXI, é possível observar manifestações (tanto em redes sociais como em espaços públicos) por bens essenciais de vivência.
Todas essas articulações se fazem relevantes (e necessárias, ainda) quando observamos alguns números e índices, como: todos os anos, estima-se que 500.000 mulheres sejam vítimas de estupro no Brasil, e que outros tantos milhões sofram com abusos e violências sexuais. Apenas 10% dos estupros são notificados e a maior parte dos agressores não é punida. 67% dos crimes de estupro são cometidos por parentes próximos ou conhecidos da família. Na maioria das vezes, os abusos acontecem dentro de casa, onde as crianças deveriam se sentir seguras. 70% das vítimas são crianças com menos de 13 anos. (Fonte: Plan International Brasil)
Nesse sentido, de forma positiva, avistamos uma onda na atualidade que impulsiona e empodera a fala das mulheres, suas posições, manifestos e interesses. O caráter de “segundo sexo” perde o sentindo, revelando produções femininas, posições de destaque, autoafirmação, culminando e reverberando na representatividade – educacional, social e política.
EMPODERAMENTO E DESIGUALDADE
Pensando exclusivamente em educação, Viviana Santiago, gerente técnica de gênero da Plan International Brasil, acredita que a importância de mulheres ocupando cargos de gestão/direção em instituições é essencial para o empoderamento de meninas e mulheres a sensibilização de meninos e homens. “O fato de identificar mulheres em lugares de liderança, possibilita a cada menina perceber que ali é um lugar possível, se reconhecem, então, como meninas e como possuidoras das competências necessárias para esse lugar de tomada de liderança. Para os meninos, é a possibilidade de reconhecer que esse também é um lugar para as mulheres e aceitar essa realidade”.
Outro aspecto, comenta Viviana, é o de justiça: as mulheres são metade da humanidade, e é justo que todos os processos possam ter a participação delas, ampliando, então, a capacidade de análise, diversificando os processos de tomada de decisão e intervenção.
A desigualdade entre gêneros é impulsionada por uma cultura machista – fator cultural este alimentado por todas as correntes sociais em nosso país. Dentre os principais caminhos válidos para desconstruir padrões e estereótipos, é educar para uma equidade de gêneros. “Esse é um desafio que está para todas as pessoas da sociedade. Todos atuam no processo de socialização das crianças e é preciso começar por aí: não é papel apenas da família, apenas da escola, apenas das religiões, etc. Em todos os espaços e interações que estamos/temos, nos enviam mensagens sobre o que significa ser menina, menino, mulheres e homens. Enviam modelos, verdades, normas. Nos dizem o que é normal, o que não é normal, o que é possível, o que é próprio de cada gênero. Nesse sentido, é preciso que revisitemos essas mensagens”, explica Viviana.
A escola, então, tem a tarefa de construir outra abordagem de gênero, que seja plural, justa. De acordo com a gerente, é preciso que enxerguemos o fato que a instituição já opera um currículo e uma prática baseada nos papéis tradicionais de gênero, que tiram a visibilidade da participação das mulheres enquanto sujeitas construtoras da história, reitera o lugar dos meninos e homens como heróis salvadores e trava o desenvolvimento do potencial das crianças a partir de leituras de gênero de suas habilidades, e assim sucessivamente.
“Um desafio para todos: Identificar esse discurso, analisá-lo e estabelecer uma nova fala, que potencialize a justiça de gênero desde a infância. A criança aprende com as outras crianças, com a família, com a TV, com os aplicativos, com a escola, então tudo precisa ser observado e revisto”, completa.
Movido pelo questionamento “O que você pode fazer pela igualdade de gênero na infância?”, a Plan International Brasil, organização não-governamental que trabalha em 71 países para promover os direitos das crianças, criou o #Desafio da Igualdade – campanha que pretende abrir os olhos da sociedade brasileira para os pequenos hábitos que levam ao machismo institucional e propõe uma reflexão sobre a educação que é dada às crianças sob a ótica da igualdade de gênero. Além disso, a campanha traz diversos materiais para que o tema seja tratado pela família e na escola, entre eles, o caderno “Educação sobre Gênero na Infância”.
No decorrer de suas 46 páginas, o caderno explica porque é necessário falar sobre gênero, além de esclarecer alguns conceitos, como papeis e socialização de gênero, equidade de gênero, estereótipos de gênero, etc. O material destaca, ainda, como tratar deste tema em casa; como meninos e homens podem promover (e praticar) a igualdade de gênero; e como a direção e gestão de instituições podem prevenir conflitos na escola. Além disso, existem alguns pontos-chave de aprendizado que precisam ser entendidos pela sociedade, como a influência de gênero em toda a vida, que todos são importantes, e principalmente a diferença entre sexo e gênero, a violência sexual, entre outros.
Para mais informações, acesse: http://desafiodaigualdade.org/#downloads
MERCADO DE TRABALHO
Segundo dados divulgados pelo Fórum Econômico Mundial, em um ranking no qual compara a igualdade de gêneros entre os países, em 2014, no que se refere a equiparação dos salários, o Brasil ficou com a 71ª colocação, caindo nove posições em relação a 2013, quando estava na 62ª. De acordo com o relatório, o país apresentou uma “ligeira queda na igualdade salarial e renda média estimada” para o sexo feminino.
Para Gaya Machado, coach especialista em desenvolvimento do potencial humano, as mulheres brasileiras conseguiram alcançar a igualdade com os homens em quesitos importantes como saúde e educação, mas ainda que cheguem ao mercado de trabalho com o mesmo nível de preparo, enfrentam barreiras de todo tipo, sendo a mais grave a salarial.
De acordo com dados do relatório de Desigualdade de Gênero, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, os indicadores brasileiros colocam o Brasil entre os mais desiguais do mundo, no grupo dos países (acompanhado de Japão e Emirados Árabes) que fizeram investimentos importantes na educação das mulheres, mas que não conseguiram remover as barreiras à participação delas na força de trabalho.
Gaya Machado pondera que esta visão preconceituosa e dualista ainda está muito presente entre empregadores brasileiros, mas ela acredita que tende a perder espaço.
“Cada vez mais os empregadores estão percebendo que as mulheres têm tanta capacidade quanto o homem no mercado de trabalho. As competências dos gêneros se complementam, uma vez que as características diferentes de cada sexo permitem que os profissionais olhem os desafios do trabalho por ângulos diferentes e encontrem soluções e possibilidades que poderiam passar despercebidas se olhadas apenas por uma determinada forma de enxergar as coisas”, explica.
Quando a questão da gravidez entra em pauta, a coach afirma: “Como mulher, eu poderia dizer que sem as mulheres não haveriam novas gerações, homens, maridos, filhos, mas não vou recorrer a uma explicação simplista. Como profissional especialista em desenvolvimento humano, acompanho o aprimoramento profissional de diversas mulheres, nos mais variados setores, e posso afirmar que a mulher que retorna de uma gravidez adquire novas competências, novas habilidades e formas de enfrentar os desafios do mercado de trabalho que deveriam ser melhor exploradas, uma vez que só agregam diferenciais às suas funções anteriores”.
“Na minha opinião, o perfil do gestor escolar passa por este período de transformação onde a mulher tem ganhado espaço e demonstrado o quanto alguns talentos inerentes ao perfil feminino são essenciais na liderança de uma instituição de ensino.
Acredito que as gestoras conduzem a função de forma mais democrática e permitem que seus funcionários participem do processo de tomada de decisão, além de incentivá-los a desenvolverem relações interpessoais dentro da empresa. A sensibilidade feminina permite a criação de equipes mais heterogêneas, que se complementam e trabalham de maneira democrática, contribuindo para o sucesso do projeto escolar. Estas características são bastante perceptíveis na instituição onde atuo, porque nossa equipe se sente valorizada, tornando o ambiente estimulante para os que trabalham na instituição e acolhedor para os alunos e pais.
Por outro lado, quando se trata de gerir uma instituição de educação, ainda percebo que os homens são mais valorizados, é mais comum você encontrar homens em cargos de direção do que mulheres. Mas espero que o movimento pelo empoderamento feminino, que para minha alegria vem crescendo a cada dia mais, em diversas áreas, proporcione o reconhecimento da mulher também na educação” Marta Cristina A. de Mello Soares, Diretora Pedagógica do Colégio Batista Brasileiro Unidade de Bauru, SP.
“Empoderamento feminino é um termo atualmente muito usado, porém dentro de nossas escolas – Casinha Pequenina, Colégio Friburgo e Parâmetros -, a palavra não faz tanto sentido já que nossa instituição é comandada principalmente por mulheres.
Empoderar-se significa obter poder para si, o que na minha condição não é necessário. Partindo do pressuposto de que quem quer empoderar-se não possui, a princípio, poder; não cabe em nossa instituição esse movimento porque dentro de nossos colégios, gêneros não são diferenciados e a escolha de cargos não passa por essa questão. Desde a fundação não acontece essa diferença. Somos vanguarda, acredito.
Mulheres estão à frente de instituições de ensino há muitos anos. Comandamos as escolas com muito orgulho. É triste ter de haver um movimento para a equidade de gêneros. Estamos, afinal, em 2017; já era hora de isso ser um processo natural. Essa luta deveria estar extinta. Sei muito bem que na área de educação a tradição é ter mulheres no comando. Porém também sei que, muitas vezes, a gestão da maioria das escolas é feita por homens. Isso deveria ser analisado com mais profundidade.
Sou a favor da busca por essa equidade porque sei que não é fácil conquistar esse equilíbrio. Pessoas estão cada vez mais competitivas. As mulheres têm que, ainda, lutar pelos seus direitos, infelizmente. Profissionais deveriam ser analisados por suas competências” Iracy Garcia Rossi, Diretora Pedagógica do Colégio Friburgo, SP.
“Dirijo hoje um Centro, na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, voltado à melhoria da Educação no Brasil. Trata-se de um centro que trabalha com aconselhamento técnico de governos, mentoria de dirigentes públicos, pesquisa aplicada e organização de propostas de aprimoramento de processos e cursos nas áreas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Há muito tempo sonhava com criar este Centro, como um ‘Think Tank’ que se inspirasse nas melhores práticas nacionais e internacionais em Educação. Para preparar-me para ele, deixei meu cargo de Secretária Municipal de Educação do Rio de Janeiro, após 5 anos de trabalho, para presidir a unidade de Educação Global do Banco Mundial em Washington e construí uma parceria com o Brookings Institute e o Centro de Educação Internacional de Harvard, onde atuei como professora visitante.
O Centro pôde ser inaugurado em novembro e já a todo vapor com algumas publicações e contratos em andamento para apoiar a educação de alguns estados e municípios.
A Educação brasileira precisa, urgentemente, melhorar. Já estamos com as crianças e adolescentes, em sua grande maioria, na escola. Agora devemos assegurar que elas ali permaneçam e, de fato, aprendam o que é relevante para atuar no século XXI!” Claudia Costin, Professora da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais e professora visitante da Universidade de Harvard, EUA.
“Eu estou no mundo acadêmico há, aproximadamente, uma década. A minha chegada na área educacional é um pouco diferente das tradicionais e aconteceu mais tarde, quando eu já estava com 40 anos. Mas nada disso foi obstáculo para o meu crescimento. Não senti limitação nas empresas que trabalhei nem na que estou atualmente. Sempre tive um posicionamento de confiança da diretoria do CERS.
Um grande desafio ao se trabalhar educação é lidar diretamente no sonho e senso de realização das pessoas. Atuamos na autotransformação do ser, no estímulo integral de todas as potencialidades do indivíduo. Propiciamos mudanças de atitudes, construímos novas pontes e permitimos contínuo crescimento. Quer coisa mais gostosa do que isso? Saber que ao final de um dia, um mês, uns anos que seja, seu trabalho contribuiu para tantas possibilidades de melhoria?
Minha equipe é 100% formada por mulheres. Nós organizamos uma pós-graduação com 6 mil alunos, em dez cursos, com dez coordenadores e mais de 150 professores. Além disso, por sermos um curso EAD, temos ainda 12 tutores que fazem a interface com os alunos no ambiente virtual” Andrea Bemfica, Gerente de Pós-Graduação do CERS (Complexo de Ensino Renato Saraiva).
“Iniciei as atividades na Eduinvest, em 2016, após 28 anos de atuação no mercado de planejamento estratégico, com o intuito de implantar o conceito de Rede VIAe: plataforma onde novas práticas, discussões e produtos voltados à educação acontecem. Passei por empresas dos mais diversos setores da economia, o que me ajudou a analisar a educação sob diversas perspectivas.
Vim de um mercado bastante “masculino”, totalmente voltado às decisões difíceis, números, análises de mercado onde, durante o tempo em que atuei, muitas vezes não tinha pares femininos. Ao chegar na educação, descobri que, de alguma forma, o cenário se repetia: apesar de haver muitas mulheres atuando como educadoras, são poucas aquelas ocupando altos cargos na gestão do negócio.
Os desafios do setor são grandes. Para quem vem do mundo corporativo, a primeira estranheza é verificar a velocidade de implantação das mudanças. O setor acadêmico é caracterizado pelas grandes discussões, um aprofundamento teórico que, apesar de necessário, se não utilizado de forma prática, pode nos fazer perder grandes possibilidades de evolução.
Mas, em nenhum momento senti preconceito por ser mulher. Sempre tive a minha posição respeitada e apoio nos momentos em que precisei. Mas sei que, nesse aspecto, sou privilegiada e consigo enxergar dificuldades que colegas possam encontrar em outras instituições que não dão a liberdade que tenho na empresa onde trabalho” Andrea Barros, Diretora Institucional da Eduinvest (Colégio Anchieta e Colégio Anhembi Morumbi), SP.
Saiba mais:
Andrea Barros – [email protected]
Gaya Machado – [email protected]
Marta Cristina A. de Mello Soares – [email protected]
Plan International Brasil – www.plan.org.br
Viviana Santiago – [email protected]