Equidade educacional: uma agenda da aprendizagem socioemocional
Por Marcela Almeida
Um dos propósitos essenciais da aprendizagem socioemocional (ASE) diz respeito à promoção de sucesso na vida dos estudantes. Mas o que significa sucesso para a ASE? As pesquisas* mostram que alunos que participam de programas de ASE têm maiores chances de ingressar em universidades, conseguir um emprego satisfatório, manter relacionamentos estáveis, levar uma vida saudável e se tornarem adultos mais produtivos e conscientes socialmente. Mas o sucesso, para a ASE, significa também romper círculos que impedem crianças e jovens de prosperar.
Quando estudantes vêm de situações de vulnerabilidade, como famílias com histórico de criminalidade, de abuso de álcool ou drogas, de gravidez precoce, entre outras, mas conseguem desenvolver suas habilidades socioemocionais, eles aprendem a tomar decisões responsáveis, a planejar o seu próprio futuro, a desenvolver uma mentalidade de crescimento e muitas vezes vão buscar alternativas mais positivas para si mesmos, conseguindo quebrar esses círculos de comportamentos. Estudos mostram que a ASE pode contribuir para diminuir índices de encarceramento, de problemas de saúde pública, de violência e pobreza social, o que é também considerado um sucesso para a sociedade em geral.
Então, é preciso ressaltar que a aprendizagem socioemocional é endereçada a todos os estudantes, seja qual for a raça, gênero, etnia, cultura, idioma, deficiência, histórico ou renda familiar, já que todos têm o direito e o potencial para aprender e prosperar.
Em 2020, o Casel (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning) atualizou a sua definição de ASE para prestar mais atenção em como a aprendizagem socioemocional afirma identidades, pontos fortes e experiências de todos os estudantes. Desde então, a instituição vem declarando o seu comprometimento em avançar na agenda da equidade educacional. “Dadas as incertezas e desafios do mundo de hoje, nossos sistemas educacionais precisam priorizar a ASE para construir relacionamentos saudáveis, envolver todos os estudantes e apoiar os educadores para contribuir com escolas e comunidades mais equitativas”, afirmou Karen Niemi, presidente do Casel (2020).
Ou seja, equidade educacional para o Casel significa que todos os estudantes devem ter acesso equivalentes aos mesmos recursos e rigor educacional, em qualquer condição, eles devem ser respeitados, valorizados e afirmados em seus interesses individuais, identidades sociais, valores culturais e origens. Essa abordagem é chamada de ASE transformadora, é quando ela é implementada com as lentes da equidade.
É evidente que não se espera que a ASE por si só resolva desigualdades profundas e duradouras no sistema educacional, que vão desde recursos financeiros, modelos solidificados de gestão, oportunidades desproporcionais, sem falar nos prejuízos causados pela pandemia, que só agravaram ainda mais o cenário da desigualdade educacional em nosso país. Os educadores não têm controle sobre todos os fatores que envolvem este problema, mas eles podem ter controle sobre como veem a si mesmos, seus alunos, a comunidade escolar, o mundo e como agem nessas perspectivas.
Para que a equidade educacional seja de fato uma promessa da ASE, é preciso que os educadores compreendam que “toda aprendizagem é socioemocional e toda aprendizagem é mediada por relações que se situam em um contexto sociopolítico“.
Quando educadores têm oportunidade de refletir sobre suas visões, suposições, pré-conceitos, perspectivas preexistentes, eles estão usando componentes de duas competências socioemocionais, como autoconhecimento/autoconsciência e consciência social. Desenvolver a autoconsciência nesse sentido nos leva a reconsiderar nossas perspectivas sobre o nosso senso de identidade e como as pessoas ao nosso redor podem nos enxergar. Ao levar em conta a perspectiva do outro, estamos fortalecendo nossa consciência social, o que é fundamental para criar igualdade educacional, por duas razões:
1. Permite-nos considerar o mundo do ponto de vista de alguém diferente de nós: os alunos da minha sala de aula têm oportunidades e experiências semelhantes às que tive quando era criança? Se não, por quê? Como é a realidade deles?
2. Reconsiderar as nossas perspectivas pode levar à ação. Vemos o mundo de outra forma, o que nos leva a mudar: meus alunos tiveram oportunidades e experiências diferentes das minhas – como posso compreendê-los e ter empatia com suas necessidades? Como posso tomar a sua perspectiva sem julgá-lo, mas aprender a partir das suas diferenças?
Se a ASE é implementada sem levar em conta as origens culturais, étnico-raciais, linguísticas ou econômicas dos alunos, alguns podem se sentir mais alienados e excluídos do que pertencentes à cultura escolar. A ASE precisa valorizar as semelhanças e diferenças entre estudantes e educadores, examinar criticamente as raízes das desigualdades e desenvolver soluções colaborativas para problemas sociais e comunitários.
Como podemos efetuar mudanças e implementar a equidade educacional?
Para construir essa consciência e avançar na agenda da equidade, precisamos dedicar tempo e trabalho para fortalecer o desenvolvimento socioemocional dos educadores. É preciso criar oportunidades contínuas para que eles possam aumentar sua própria autoconsciência, de como suas várias identidades sociais em termos de raça, classe, gênero, idioma etc. moldaram suas experiências educacionais e moldam suas concepções de sucesso em suas interpretações do comportamento dos alunos.
A ASE pode ajudar a reconhecer, compreender e falar a respeito de discriminações instalados em nossa cultura, como racismo, machismo, questões de gênero, e o quanto essas questões estão enraizadas em nós como indivíduos e sociedade. Mas para isso é preciso que enfrentemos esses assuntos difíceis e mergulhemos fundo, reflitamos, questionemos, lidemos com nossas próprias emoções incômodas. Fazer progressos na equidade educacional é um trabalho de longo prazo que requer coragem, esforço coletivo e persistência. Mas o sucesso, sim, é uma trajetória possível para todos.
Marcela Almeida é diretora pedagógica do Instituto Vila Educação