Especial Autismo: Educação Plural e Inclusiva
As problematizações que cercam o autista atravessam diversas camadas sociais, evidenciando preconceito e uma dificuldade considerável à ingressão educacional e profissional. A inclusão plena perpassa pelo respeito à diversidade e pela condição de sujeito de direitos, redimensionando o olhar sobre a normalidade e buscando a compreensão dos sentidos, expressões e características de cada um.
Por Rafael Pinheiro
Avaliar todas as questões que envolvem o crescimento é uma forma peculiar em tratar o fenômeno educação como um processo longo e humanitário; denso e plural; complexo e duradouro. A instituição escolar é vista pelos alunos, principalmente pelos olhares do ensino de base e posteriormente o ensino fundamental, como o primeiro nível de uma escala funcional, coletiva e estrutural. E, nesse período, além dos materiais lecionados, das brincadeiras e do convívio agradável com os demais alunos, alguns distúrbios de desenvolvimento podem suscitar como, por exemplo, o autismo.
Segundo a Associação Brasileira de Autismo – ABRA, o “autismo é um distúrbio caracterizado por alterações presentes desde idade muito precoce, tipicamente antes dos três anos de idade, com impacto múltiplo e variável em áreas nobres do desenvolvimento humano, como as áreas de comunicação, interação social, aprendizado e capacidade de adaptação”.
As causas do autismo são desconhecidas e acredita-se que sua origem esteja em anormalidades em alguma parte do cérebro ainda não definida de forma conclusiva e, provavelmente, de origem genética. Além disso, admite-se que possa ser causado por problemas relacionados a fatos ocorridos durante a gestação ou no momento do parto.
De acordo com a ABRA, algumas manifestações no cotidiano das crianças podem indicar o desencadeamento do autismo, como: regressão; rejeitar aconchego; a criança é excessivamente calma, sonolenta ou chora sem consolo durante prolongados períodos de tempo; não compartilha sentimentos; não aprende a se comunicar com gestos comumente observados na maioria dos bebês; fixação do olhar nas mãos; problemas de alimentação; problemas de sono; aparecimento, em alguns casos, de epilepsia no começo da vida da criança ou na adolescência. Essas manifestações citadas são as mais comuns, mas não são condições necessárias ou suficientes para o diagnóstico do autismo.
FALTA DE CONHECIMENTO
Segundo a diretora da Escola Cristã Reverendo Olavo Nunes, psicopedagoga e também mãe de um menino autista de 7 anos, Raquel Liane, o preconceito da sociedade e a falta de interesse na doença, prejudica diretamente o convívio social entre autista e não autista, já que no próprio contato com a sociedade eles não têm a aceitação necessária para que possam se sentir seguros em ambientes de convívio social. “Devemos olhar para eles como olhamos para uma pessoa comum. Com interesse, paciência e tolerância, alguns conhecimentos específicos, atendimentos profissionais adequados e apoio da família, qualquer autista se desenvolve e tem uma vida normal”, diz Liane.
Muitos autistas têm dificuldades de aprendizagem ou habilidade acadêmica fora do comum, mas boa parte também possui aprendizagem igual a de qualquer outra pessoa. Apenas uma minoria apresenta grave comprometimento intelectual. Por isso, os estereótipos precisam ser evitados ao tratarmos dessa doença. Segundo a diretora, não é possível querermos condicionar todos os autistas a características tão específicas e rígidas. “A pessoa com autismo é um ser humano com características muito mais abrangentes do que apenas as que se referem à doença”.
Diante da falta de conhecimento da sociedade em torno da doença e seus múltiplos preconceitos relacionados a este tema, as crianças autistas e seus pais são os mais afetados pelos estereótipos criados. O importante, ao tratar-se da criança com autismo, é envolvê-la em um ambiente seguro e estável, com pessoas dispostas a dar o estímulo necessário para que ela desenvolva suas habilidades da melhor maneira possível.
A intervenção precoce também é algo importante, pois quanto antes a criança for diagnosticada autista e tiver atendimento, melhor será para seu desenvolvimento futuro. “Os pais devem estar atentos ao comportamento da criança, se ela é muito quieta e dificilmente chora, se evita o olho no olho, se tem interesse exagerado por objetos que giram, se chora muito mostrando-se irritadiça, se não consegue compreender as regras sociais e especialmente o “não”, ela pode ser autista e deve ter à sua disposição o tratamento indicado.”, explica Liane.
São vários os profissionais que podem auxiliar a o autista a desenvolver suas habilidades e facilitar sua comunicação com os outros. Trabalhando em conjunto com a família e amigos do paciente autista estão o fonoaudiólogo – na aquisição e ampliação da linguagem; o psicomotricista – para aqueles que apresentam alguma dificuldade motora; o psicólogo – ajudando a criança a se relacionar com os outros, compreender o mundo a sua volta e apoiando os pais na dificuldade; o neuropediatra ou o psiquiatra infantil – acompanhando e medicando quando é necessário; o psicopedagogo – auxiliando nas dificuldades de aprendizagem.
EDUCAÇÃO & INCLUSÃO
“A relação da escola é de respeito e acolhimento como acontece com os demais alunos, considerando as diferenças individuais de cada um, pois acreditamos que a inclusão se efetiva quando as situações de aprendizagem atendem as necessidades individuais e coletivas. Inicialmente, realizamos entrevista com a família e, durante o processo, acontece encontros com os profissionais que atendem as crianças junto aos professores, orientação e coordenação. Definimos os objetivos para cada criança em cada trimestre, semestre e ano letivo”, destaca Irmã Marli Araújo da Silva, Diretora do Colégio Nossa Senhora das Neves.
O colégio, situado em Natal, Rio Grande do Norte, possui um trabalho de inclusão inserido no Projeto Político Pedagógico da instituição, utilizando, assim, estratégias específicas que respeitam a individualidade das crianças, como o planejamento adaptado a partir do planejamento da turma bilíngue da International School.
“Atualmente temos três crianças autistas nas turmas bilíngues, que contam com aulas de inglês todos os dias da semana, com uma hora de duração e a prática pedagógica do sistema International School, que possui um programa bilíngue diferenciado no que diz respeito a inclusão, como personagens com diversas necessidades especiais em seu material didático”, destaca a Irmã.
Já no Colégio Legolar, em São Luís, Maranhão, a escola possui proposta de educação inclusiva, e prepara-se para atender as crianças com suas necessidades individuais. “Para as crianças com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo), atuamos de acordo com as habilidades de cada uma, com planejamento individualizado, atividades adaptadas e com as estimulações indicadas pelas terapias”, diz Alynne Iglésias, Coordenadora Pedagógica.
De acordo com Alynne, as crianças que apresentam dificuldades escolares, como TEA, são inseridas em salas regulares, com acompanhamento de professoras pedagogas que recebem formação e orientações da equipe pedagógica e dos especialistas da escola e das instituições onde são acompanhadas em contraturno, para a condução das aprendizagens. “As atividades propostas pela escola foram pensadas na educação inclusiva. Além disso, a proposta educacional do programa bilíngue da International School preza pelos preceitos da inclusão, uma vez que estimula o respeito a diferença por meio de personagens com necessidades especiais em seus livros didáticos”.
Atualmente, a escola possui três alunos com autismo, inseridos em um contexto em que todos os nossos alunos participam de todas as atividades da escola, alguns com Planejamento Individual, mas mesmo nesse contexto, não deixam de participar. “As aulas são lúdicas, com material bem colorido, com muita estimulação sonora e uma proposta inovadora e é isto que mais atrai a atenção destes alunos”, ressalta Alynne.
MERCADO DE TRABALHO
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), são mais de 70 milhões de pessoas com autismo no mundo e, desse número, são 2 milhões somente no Brasil. Felizmente a inserção desses cidadãos no mercado de trabalho é cada vez mais comum. O Grupo Prepara, uma das maiores redes de franquias do segmento de educação do Brasil, tem notado a procura por parte de jovens autistas, principalmente pela English Talk, escola de inglês da rede, que oferece aulas da língua estrangeira por meio de um método diferenciado.
“Com o ensino individualizado, aulas interativas e recursos on-line, como games e atividades virtuais, e o apoio do professor, os jovens estimulam seu desenvolvimento cognitivo: fala, linguagem, percepções auditiva e visual, concentração, memória e outras capacidades. Há ainda as atividades escritas e práticas que ajudam a fixar o idioma na memória”, explica Jacques Castilla, Diretor da unidade Tatuapé, que há um ano possui quatro alunos autistas em seu quadro.
De acordo com o diretor, esses estudantes já superaram as expectativas dos pais e professores. Os quatro autistas fazem parte de uma turma especial com outros portadores de déficits intelectuais, hiperatividade e paralisia cerebral leve (PC) que já estão inseridos no mercado de trabalho. Um dos alunos, por exemplo, atua como assistente administrativo.
“Acompanhar o desenvolvimento desses jovens é cooperar com a inclusão de maneira justa. Isso é muito satisfatório, pois colaborar com o enriquecimento profissional e pessoal de alguém é o suficiente para sabermos que estamos no caminho certo”, finaliza Jacques.
AUTISMO TEM CURA?
Rica em detalhes e na descrição cronológica dos fatos, desde o nascimento até o 15° aniversário do filho Bernardo, Luciana Mendina apresenta na obra “O autismo tem cura?” os mais comuns questionamentos em torno do autismo. É, de certo modo, um acalento para familiares de crianças autistas.
Respeitando as peculiaridades de cada caso, a jornalista explana sobre as características e sintomas que fizeram (algumas ainda fazem) parte da vida de Bernardo e da família, como a falta de expressão facial, a recusa por alimentos, a fixação por metais, a rejeição ao espelho e a habilidade com a montagem de quebra-cabeças, além de derrubar mitos como a falta de emoção, a genialidade e a agressividade.
Com uma linguagem concisa, direta e completamente descomplicada, promovendo uma leitura acessível a todos os públicos, Luciana constrói de forma clara todos os personagens e dá vida até para as passagens mais simples do enredo. Com o sonho de ser biólogo, Bernardo sempre estudou em colégios convencionais e leva uma vida como os demais adolescentes de sua idade.
O autismo tem cura? é uma obra que trata do verdadeiro amor nas 192 páginas. Editado e publicado pelo Instituto Langage em novembro de 2015, o livro tem o prefácio assinado pelo Senador Cristovam Buarque.