Especial Educação — Como levar a família para a escola
Matéria publicada na edição 01 | Fevereiro 2005 – ver na edição online
Conheça soluções adotadas por alguns colégios para incrementar a participação dos pais. São atividades culturais, esportivas, de relaxamento e até ações de voluntariado.
A vida agitada das grandes cidades, onde a imensa maioria dos pais e mães tem uma agenda recheada de compromissos profissionais, não favorece a presença das famílias nas escolas. Sempre apressados, os pais deixam e pegam as crianças na porta, sem um contato maior com professores ou coordenadores. Muitas vezes, as crianças vão para o colégio com transporte escolar, tornando ainda mais rara a convivência com o universo escolar.
Muitas instituições de ensino têm tomado iniciativas para mudar esse quadro e trazer os pais para dentro das escolas. Para a psicóloga e psicopedagoga Silvia Bedran, o convite das escolas deve ser feito com motivação, já que os pais têm uma rotina agitada e tendem a priorizar outras atividades. “As escolas precisam pensar em iniciativas criativas, com atividades inovadoras e construtivas. As crianças necessitam da participação dos pais na escola, para que possam mostrar-se e sentirem-se merecedoras de tudo que os pais lhes proporcionam”, avalia. Segundo a profissional, é importante que os eventos tenham qualidade e que a quantidade seja pequena. Silvia sugere uma atividade por bimestre.
Neuza Scattolini, diretora dos Colégios Domus Sapientiae e Montessori Santa Terezinha, acredita que a conquista do mercado de trabalho pelas mulheres e o stress da vida moderna, entre outros fatores, contribuíram para a formação de uma cultura onde se credita toda a responsabilidade da educação para a escola. “Hoje, os pais se dedicam muito ao seu trabalho e acabam deixando de lado a vida do filho. Estou tentando fazer com que os pais percebam o quanto é importante sua participação na escola”, conta Neuza, precursora dos berçários com atendimento de 12 horas (das 7 às 19 horas) com a abertura do Domus Sapientiae em São Paulo há, 26 anos.
Mensalmente, os colégios Domus e Montessori promovem palestras com psicólogos, médicos ou educadores, visando um trabalho de orientação familiar. Outra iniciativa original foram as aulas de Lian Gong para os pais, uma terapia corporal de origem chinesa. A atividade é gratuita e acontece nas duas unidades, uma vez por semana, das 18h30 às 19h30. “Queremos oferecer momentos de relaxamento aos pais para que eles tenham uma melhor qualidade de vida e conseqüentemente uma relação sadia com seus filhos”, explica Neuza. Depois do trabalho, é uma maneira de chegar em casa mais disposto e paciente. “O pai que se cuida chega em casa disponível para compartilhar momentos alegres”, complementa. Ao mesmo tempo em que oferece relaxamento, a atividade propicia o entrosamento com outras famílias. Também a Mostra Cultural, que acontece todos os anos e onde os pais podem conhecer a produção dos filhos, é uma maneira das famílias se relacionarem. “No momento em que o pai vem para a escola, ele está conhecendo o mundo do seu filho, seus amigos, seus professores”, avalia.
Participar da escola é também oportunidade para os pais entenderem como seus filhos aprendem determinadas disciplinas. Percebendo a dificuldade de muitos pais acompanharem os avanços da educação, a escola bilíngüe Red Brick instituiu em seu calendário um dia em que, através de encenações e instalações em todo o prédio, as famílias podem vivenciar e entender cada processo do aprendizado das crianças. O evento é chamado de “Um encontro para um aprendizado criativo” – ou “Getting together for a creative learning”. “É uma proposta de trabalho interativo entre pais e filhos. Os pais compreendem, assim, o processo de aprendizado, o que é muito melhor do que apenas ver o trabalho pronto”, explica Gabriela Queiroz Ferreira, diretora pedagógica da Red Brick.
Outra estratégia definida pela escola para estimular a participação dos pais é o Sábado Curioso. Quatro vezes por ano, pais e crianças visitam uma exposição de arte, com a assessoria de profissionais da escola. Como a escola atua com educação infantil, e seus alunos têm de um ano e meio a seis anos, é preciso guiar o olhar das crianças nas exposições. Numa das visitas, as crianças levaram cortadas em pedaços de papel, miniaturas das obras de arte, e tinham que identificar a qual obra pertenciam as partes. Assim, a ajuda dos pais é estimulada e o passeio torna-se divertido e interessante para todos. “As datas são divulgadas no início do ano, no calendário da escola, para os pais se programarem. Já chegamos a reunir 80 famílias num único passeio. Todos acabam se conhecendo e entendendo melhor que tipo de escola escolheram para seu filho”, diz Gabriela.
Esportes e voluntariado
A atividade escolhida para estimular a presença dos pais na escola deve estar diretamente ligada ao perfil de cada instituição. No Colégio Oshiman, por exemplo, há uma ênfase na parceria família–escola. Todos os anos acontece a Undokai, uma gincana poliesportiva que consegue a adesão de praticamente 100% das famílias, segundo Mayumi Kawamura Madueno Silva, sócia diretora do Oshiman. Todos participam dos jogos, competições e brincadeiras: pais, mães e alunos. Antes da festa, professores e alunos mais velhos deixam o local limpo para receber os convidados. Os pais trabalham na recepção e, no final do evento, eles mesmos varrem, limpam e desmontam toda a estrutura da festa. A limpeza dos banheiros fica para os alunos mais velhos. Além da cooperação na organização, os pais ainda levam alimentação para sua família e doam um prato para os outros convidados.
Mais um evento que mobiliza as famílias do Oshiman é o almoço japonês, que acontece uma vez por semana. “São mães que, voluntariamente, se mobilizam para apresentar a verdadeira culinária japonesa para as crianças”, conta Mayumi. Um grupo prepara os alimentos. Na hora do almoço, outra turma de mães chega para servir os alunos. “São mães que trabalham fora e vêm correndo no seu período de almoço para ajudar”, comenta.
Apesar de ocupar um prédio com área de 3.200 m2, o número de alunos da escola é de apenas 270 (com idades variando entre um ano e meio a 15 anos), para permitir um envolvimento mais profundo no relacionamento entre alunos, professores, pais e dirigentes. “Como ficamos com os alunos em período integral, os pais precisam estar conscientes do que está acontecendo aqui com as crianças”, completa a diretora.
Além de atividades artísticas e esportivas, a participação dos pais pode ainda extrapolar os limites da escola. É o que acontece na unidade Alphaville do Colégio Pentágono. Luiz Trientini, diretor geral, lembra que quando assumiu a direção da unidade, um de seus projetos pessoais era criar um grupo de voluntariado dentro da escola. “Fiz o convite para algumas mães e elas compraram a idéia”, diz. O grupo faz um trabalho junto à Secretaria de Saúde da Prefeitura de Santana de Parnaíba, cidade onde fica a escola, doando 35 cestas básicas e leite para famílias de pacientes de doenças graves. As mães conseguiram parcerias com supermercados e empresas que ajudam com doações.
Luiz reservou até uma sala da escola para o grupo de voluntariado. “É um prazer abrir a escola para os pais”, avalia. Por causa do trabalho, o Pentágono recebeu o selo de Escola Solidária em 2004 do Instituto Faça Parte, vinculado à Unesco. “Com essa ação ganhamos aliados. Os pais passam a ver a escola não só como local de estudo dos filhos, mas como uma forma deles se completarem como pessoas. São pais que se transformam em ferrenhos defensores da escola”, atesta Luiz, que também oferece atividades esportivas para os pais, como basquete e natação.
Administração a quatro mãos
Há casos de escolas onde a participação dos pais inclui a gestão administrativa. Na Scuola Italiana Eugenio Montale, mantida por uma associação educacional sem fins lucrativos, há um comitê de gerenciamento formado por seis pais, eleitos a cada dois anos. A gestão é formada ainda por seis representantes dos associados fundadores e beneméritos, por um representante da associação de ex-alunos e por um do Consulado da Itália em São Paulo. Para Sandra Papaiz, presidente do comitê gestor, a atuação dos pais remete à própria origem da escola. “A Eugenio Montale foi fundada há 23 anos por um grupo de pais e professores. Os alunos eram filhos de italianos que vinham trabalhar no Brasil e pretendiam que seus filhos mantivessem a cultura italiana”, explica.
Os pais do comitê funcionam como conselheiros da associação. Em reuniões com a presidente, o comitê se articula conforme as necessidades dos temas em pauta. Se a idéia é estudar redução de despesas da escola, por exemplo, os pais com maior conhecimento financeiro se comprometem a estudar o assunto. Dada a diversidade de profissões entre os pais do comitê – há engenheiro, psicóloga, advogado, professor – é feita uma divisão em subgrupos que se responsabilizam por algumas áreas da escola: manutenção, financeira, marketing e relações públicas, jurídica, pedagógica.
Duas das mães do comitê – Eliana Giampietro Saraiva e Simona Perego Quiriconi -, fazem a ponte entre a administração da escola e os pais. Elas se reúnem de uma a duas vezes por semestre com os pais, para ouvir reclamações e opiniões sobre o colégio. “Há conflitos, porque alguns pais confundem serem associados com serem donos da escola. Eles não participam e querem apenas que solucionemos os problemas deles”, diz Eliana.
Além do comitê, cada classe tem um pai representante. A função dos representantes é ser um facilitador do contato com os pais e um intermediador das questões da sala com a escola. Para Eliana, que matriculou o filho na Eugenio Montale justamente pela transparência na administração, esse tipo de gestão só funciona em escolas com sistema de associação ou cooperativa. “Em escolas tradicionais, os pais nem sonham com esse tipo de participação. Eu mesma não me imaginava fazendo parte do comitê gestor de uma escola”, lembra. Até para escolher o novo uniforme dos alunos foi definido uma comissão de pais. Sandra Papaiz acredita que a participação das famílias e o espírito comunitário da escola é balizada por uma idéia comum a todos: manter a qualidade do ensino. “Queremos manter a qualidade e a filosofia de ensino que praticamos, sem onerar demais os pais”, completa.
Idéias para colocar em prática
Anote algumas sugestões que costumam atrair a participação dos pais na escola:
– Palestras interativas: as pessoas, de forma geral, necessitam trocar experiências e sentir o apoio do outro. Palestras interativas são uma boa oportunidade para os pais perceberem que vivem com seus filhos situações semelhantes à de outros.
-Brechó: acontece no início do ano letivo. As famílias doam livros e uniformes semi-novos e recebem senhas. Depois de organizar todo o material doado, com auxílio de funcionários e pais voluntários, a escola abre o brechó. Os pais retornam e trocam suas senhas pelos produtos de seus interesse.
-Passeios: visando a interação entre pais, pais e funcionários e pais e coordenação, podem ser organizados passeios a museus, feiras culturais, jantares, chás, peças teatrais, etc.
-Eventos na escola: são importantes para que os pais se insiram no mundo dos filhos, a escola. O importante é organizar eventos com qualidade. Olimpíadas esportivas e mostras de talentos (como pai e filha cantando juntos, ou mãe tocando violão com o filho) entusiasmam crianças e adultos. E já que parceria é uma das palavras do momento, que tal dar oportunidade para que pais, das mais diversas áreas profissionais, transmitam e troquem seu saber com os alunos? Palestras de pais falando sobre suas profissões para alunos do ensino médio costumam ser interessantes.
Consultoria: Silvia Bedran, psicóloga e psicopedagoga