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Guia para Gestores de Escolas

Especial — Escolas Verdes

Matéria publicada na edição 61 | Setembro 2010 – ver na edição online

Por um novo conceito e qualidade.

A educação ambiental é tema obrigatório do currículo escolar e repercute cada vez mais em soluções práticas de economia de energia, água e insumos como embalagens e papel. A coleta seletiva, por exemplo, serve aos propósitos de ensinar e reaproveitar, mas há escolas avançando no conceito da sustentabilidade, adotando-o no sistema construtivo, conforme experiência da rede estadual de São Paulo.    

 Por Rosali Figueiredo.

Verbete comum na mídia, em palestras, documentos, congressos, aulas e projetos interdisciplinares, a sustentabilidade vincula-se a múltiplos significados, os mais correntes dizem respeito à qualidade daquilo que se “protege”, “conserva”, “impede a ruína” e “anima”. Pois mais do que empunhar a bandeira da preservação, é preciso mobilizar novas posturas – de pais, alunos, professores e comunidade, entre outros – de forma a evitar o esgotamento ambiental. Isto trabalhando tanto sob a perspectiva do conteúdo curricular quanto da gestão dos recursos físicos e dos negócios no dia a dia escolar. A sustentabilidade vista sob esses três âmbitos – curricular, físico e administrativo – será, inclusive, abordada em um bom número de palestras do XIV Congresso e Feira de Educação Saber, entre os dias 16 e 18 de setembro em São Paulo. Neste ano o evento traz como tema geral “Cuidar do presente para garantir o futuro – O Saber agindo para um Mundo Sustentável”.

Para a pedagoga Lúcia Legan, australiana radicada em Goiás, onde fundou o Ecocentro IPEC (Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado), a sustentabilidade ou a “escola verde” deve estar presente em todas as áreas, “na arquitetura, design, gestão da água, do papel, do pátio e salas de aula”, desde a concepção do espaço físico à manutenção. Lúcia é autora do livro “Criando Habitats na Escola Sustentável”, lançado neste ano pela Imprensa Oficial de São Paulo. O guia propõe a professores e alunos formarem habitat “silvestre”, da “alimentação”, da “água”, da “energia & tecnologia” e da “cultura & economia verde” no espaço físico da escola. Segundo Lúcia, a intervenção concreta serve como estímulo às crianças, jovens e adolescentes, mostrando que eles “podem mudar o seu futuro”. Ao mesmo tempo, o habitat introduz o conceito de permacultura, que é o de se aproveitar os espaços e recursos disponíveis, tornando-os produtivos conforme as características e funções de cada elemento da natureza.

Já o professor Manuel Carlos Reis Martins, coordenador executivo do Processo AQUA, da Fundação Vanzolini, observa que a sustentabilidade pressupõe “utilizar tudo de forma que você não esgote, nem contamine ou polua, de forma a que os recursos naturais possam ser utilizados pelas futuras gerações”. Do ponto de vista das edificações, a sustentabilidade vincula-se à racionalidade no consumo de energia e água, bem como ao controle da emissão de carbono, da produção de resíduos (lixo) e do uso de materiais extraídos do ambiente natural, como a areia, nos períodos de construção e uso (Leiam mais na página…).

Teoria e prática 

“A sustentabilidade que tentamos colocar para os alunos é que eles têm que aprender a se relacionar com o planeta de forma menos predatória”, exemplifica a professora de Ciências Maria Emília Cavalcanti, que durante dez anos coordenou o Programa de Educação Ambiental do Colégio Santo Américo, localizado no bairro do Morumbi, em São Paulo. “Seria utópico acharmos que não iremos utilizar mais os recursos naturais, mas é preciso então saber usá-los de forma a não inviabilizarmos a vida para as gerações futuras.” No Colégio Santo Américo, a educação ambiental se apresenta como tema transversal a todas as disciplinas em várias etapas escolares.

A base conceitual vem do Agenda 21, documento produzido pela ECO 1992, encontro realizado no Rio de Janeiro e que passou a defender 21 ações globais indispensáveis à preservação. De forma geral, elas propõem “repensar”, “reduzir”, “reaproveitar” e “reciclar”. “Esta é uma última solução, antes devemos passar pelas fases anteriores”, defende Maria Emília. Uma das bases do trabalho na escola é a coleta seletiva, implantada há dez anos e que atua como gancho para as ações de conscientização e programas de redução do consumo, além da própria reciclagem. “A melhor forma de introduzir a educação ambiental no currículo é por meio de ações específicas, levando-as ao contexto de cada disciplina. Na matemática, por exemplo, podemos trabalhar os gráficos utilizando os indicadores de produção, redução e reciclagem do lixo.”

Também na Escola Vera Cruz, com três unidades localizadas na zona Oeste de São Paulo, a coleta seletiva representa um dos principais elos entre o ensino e a prática. Segundo Teruco Hayashida, assessora de Ciências da escola, professora com 35 anos de experiência e graduada em Biologia pela Universidade de São Paulo, “ficar no discurso não resolve, propomos atividades e discutimos as consequências das ações humanas”. A Escola Vera Cruz introduziu a coleta ainda nos anos 80, mas há cerca de nove criou uma área para compostagem do lixo orgânico na unidade do Ensino Fundamental I e II.  “Cada aluno exerce uma responsabilidade diante do projeto, de acordo com a série. Do 2º ao 5º ano trabalhamos conteúdos mais palpáveis, como o consumo de água, energia e alimentos e a produção do lixo.” Nesta fase eles ajudam na coleta dos materiais.

Mas a partir do 2º semestre do 6º ano se envolvem diretamente na separação do lixo e em ações educativas junto aos menores. Trabalham na composteira, depositando no local os resíduos orgânicos. Analisam o material, levantam situações de desperdício e acompanham o processo de formação do adubo até o 2º semestre do 7º ano. Neste momento, começam a cuidar da embalagem, distribuição e venda do produto, em sacolas decoradas pelos próprios estudantes e com renda destinada a entidades. “A composteira dá o exemplo prático de que a reciclagem funciona na natureza e pode ser simulada pelo homem”, afirma a professora.  No 8º ano os alunos do Vera realizam uma viagem de três dias à Ilha do Cardoso, no Litoral Sul de São Paulo, para observar in loco a interação entre os seres vivos e os diferentes tipos de ambientes, naturais e não naturais. Região de manguezal, o cenário mexe profundamente com os alunos, observa Teruco, pois o mangue é muito importante para o equilíbrio do ecossistema do Atlântico Sul.

No Colégio Santa Maria, localizado no Jardim Marajoara, zona Sul de São Paulo, a professora do 5º ano Denise Maria Guain Teixeira destaca o Projeto Bota Pilha Nessa Ideia, iniciado em 2009 com a 5ª série, em parceria com uma empresa de reciclagem e um banco. É responsabilidade dos estudantes do período instalar e cuidar dos pontos de coleta de pilhas e baterias distribuídas em vários setores da escola, além de trabalhar a conscientização com os demais colegas, por meio da realização de teatrinhos de fantoches entre os pequenos ou da produção de materiais de divulgação, como o Boletim Santa Coleta (de circulação mensal e produzido em esquema de revezamento entre as classes). O Bota Pilha é desdobrado no conteúdo curricular, como, por exemplo, nas aulas sobre eletricidade, o que levará os estudantes, agora em setembro, a construírem uma pilha, afirma Denise, professora da turma. O propósito da escola, porém, não é apenas fazer a coleta, e sim levá-los a refletirem sobre a redução do consumo, “incorporando isso como hábito desvinculado de notas ou premiações”. Entre os demais projetos desenvolvidos pela escola, relacionam-se a própria coleta seletiva, o aquecedor solar de baixo custo, a hidroponia (técnica de cultivo sem solo) e a arrecadação de verba para a construção de cisternas no Nordeste.

O exemplo 

“Para ensinar sustentabilidade, nossas escolas precisam ficar mais sustentáveis”, defende a pedagoga Lúcia Legan. “Precisamos experimentar a sustentabilidade e a escola é o lugar perfeito”, reitera a autora da obra “Criando Habitats”. Mas Lúcia deixa uma dica valiosa aos mantenedores: “comecem pequeno!” Ou seja, a escola pode dar os passos iniciais mudando algumas posturas administrativas, como, por exemplo, articulando-se com os fornecedores de sua região para adquirir os insumos e evitar grandes demandas por transporte. E isto deve ser levado para a área pedagógica conforme surjam os resultados, sugere Lúcia, como se fosse “medir a nossa pegada ecológica” e transformá-la em conteúdo para o ensino de Ciências ou Matemática, por exemplo.

Na Escola Vera Cruz, há uma preocupação constante com a gestão do espaço físico e dos recursos “alinhada a uma perspectiva de responsabilidade ambiental”, exemplifica o gerente financeiro Marcelo Chulam. “Nossos prédios contam com medidas diretas de redução do consumo de água e energia elétrica e também de resíduos.” Marcelo destaca ainda o sistema de aproveitamento das águas da chuva para uso em jardins, a instalação de válvulas redutoras de fluxo de água em torneiras e de caixas de descarga com volume reduzido embutidas na parede, além de um menor uso de materiais químicos por meio da diluição dos produtos de limpeza.

“Vale ressaltar também os esforços para a redução de consumo de papel, a partir de soluções tecnológicas como correio eletrônico na comunicação com os profissionais e os pais, e o portal na internet para a distribuição de material digitalizado para os estudantes”, enumera o gerente. Os profissionais são estimulados a reciclar e reutilizar papel, diz. Segundo a pedagoga e ambientalista Lúcia Legan, o grande desafio das escolas está em conscientizar e agir para “controlar nossos desejos de consumir”.

 

Repensando o sistema construtivo

A Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão ligado à Secretaria de Estado da Educação em São Paulo, está promovendo a construção de duas escolas dentro do conceito de sustentabilidade, uma já está em obras, na zona Norte, e a outra, na área central de São Paulo, em fase final de projeto. O trabalho é acompanhado pelo engenheiro civil Luiz Henrique Ferreira, um dos responsáveis pela adaptação para o Brasil do referencial adotado pelo Processo AQUA, baseado em um sistema francês (o Démarche HQE). O AQUA concede certificação aos edifícios que atendam a 14 categorias de qualidade ambiental. Mas Luiz Henrique ressalva que o conceito atinge também as construções existentes. “Dar atenção somente às novas será insuficiente para evitar o esgotamento dos recursos naturais”, acredita.

“A sustentabilidade no ambiente físico envolve o aproveitamento da luz natural e da ventilação, a acessibilidade, uso, manutenção, consumo de recursos materiais, bem como a sua relação com o entorno”, define o coordenador do AQUA, professor Manuel Carlos Reis Martins. “Estamos preocupados com o impacto da edificação durante toda a sua vida, não somente na construção, pois, na verdade, 80% dos custos relacionados a ela ocorrem após a conclusão das obras”, explica.

Segundo o engenheiro Luiz Henrique, a sustentabilidade nos sistemas construtivos envolve dois tipos de tecnologia: a passiva e a ativa. A primeira vincula-se ao desenvolvimento do projeto, que “deve aproveitar de maneira correta a ventilação e a iluminação (tecnologia passiva bioclimática)”. As novas escolas da FDE, por exemplo, foram projetadas com brise soleil, uma espécie de quebra-sol, que proporciona o sombreamento da fachada, evitando a incidência do sol diretamente sobre os alunos e promovendo conforto térmico e visual (evita o ofuscamento). Dispõem ainda de um sistema de captação de água da chuva para uso em descarga e de ventilação cruzada, em que o ar entra fresco pelas janelas e sai do lado oposto, já quente, através de aberturas deixadas na parte superior das paredes que fazem limites com os corredores internos.

A tecnologia ativa, por sua vez, diz respeito aos equipamentos. Os dois projetos da FDE preveem o uso de painéis termo-solares para aquecimento da água dos chuveiros e das torneiras da cozinha, de sensores de presença e de torneiras com fechamento automático, entre outros. Para as edificações prontas, Luiz Henrique recomenda duas estratégias. A primeira recai sobre a gestão do consumo dos recursos naturais e dos materiais, “para evitar o desperdício, já que as escolas têm uma limitação de recursos muito grande”. Isso se traduz em uma verificação minuciosa de eventuais pontos de vazamento de água, trocar válvulas de descarga por caixas acopladas embutidas na parede e dotar as salas de aulas com circuitos elétricos independentes, iluminando somente a área ocupada.

A segunda estratégia vincula-se a um diagnóstico de “como essa escola se relaciona com o meio ambiente”.  O engenheiro sugere observar o impacto da instituição sobre a vizinhança em termos de sombreamento, conforto acústico, lixo, tráfego e outros. O importante, segundo ele, é assegurar o conforto térmico, acústico, visual, olfativo, além da saúde, qualidade do ar, da água e do ambiente físico para todos, usuários e vizinhos.

Saiba mais:

CERTIFICAÇÃO AQUA
www.processoaqua.com.br
[email protected]

LUCY LEGAN
ECOCENTRO IPEC
www.ecocentro.org
[email protected]

LUIZ HENRIQUE FERREIRA
www.casaaqua.com.br
[email protected]

DENISE MARIA GUAIN TEIXEIRA
[email protected]

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