Especial — Responsabilidade Social e Projetos Comunitários
Matéria publicada na edição 64 | Dezembro 2010/ Janeiro 2011 – ver na edição online
Além dos muros da escola
A prática da responsabilidade social começou incipiente nos anos 70, diante da necessidade de empresas poluidoras combaterem sua imagem de vilã e atenuar os danos às comunidades e ao meio ambiente. Entre as escolas, especialmente confessionais e de formação humanista, o conceito cresceu ao assumirem bandeiras contra a exclusão social. E depois da nova LDB, valorizou-se como recurso de formação do aluno, sinônimo de comprometimento com a cidadania e, por que não, um bom instrumento de divulgação institucional.
Por Rosali Figueiredo
Parceria entre escolas, familiares e comunidades, formação cidadão do aluno, voluntariado, protagonismo juvenil, desenvolvimento de habilidades e competências e emergência do senso de responsabilidade pela vida fundamentam muitas das propostas pedagógicas apresentadas pelas instituições da educação básica. Invariavelmente, dão o tom de seus comunicados aos pais, sites, materiais de divulgação e propaganda, revelando a preocupação em atender a um dos princípios fundamentais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), de 1997: “O ensino de qualidade que a sociedade demanda atualmente expressa-se aqui como a possibilidade de o sistema educacional vir a propor uma prática educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade brasileira, que considere os interesses e as motivações dos alunos e garanta as aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem.”
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB/ Lei Federal 9.394/96), por sua vez, havia anteposto como “objetivo maior” do Ensino Fundamental, “propiciar a todos formação básica para a cidadania, a partir da criação na escola de condições de aprendizagem”, entre elas, “a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”, bem como “o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”. Envolver os estudantes em projetos sociais tornou-se parte do ensino-aprendizagem, uma nova “responsabilidade da escola” e uma forma de “sensibilizar o aluno para uma realidade diferente, a qual ele provavelmente não teria acesso sem a ação educativa”, observa Gonzalo Vergara Barba, professor de Espanhol, Ensino Religioso e Filosofia e coordenador da área no Colégio Madre Paula Montalt, localizado na zona Oeste de São Paulo.
Para o vice-diretor do Ensino Fundamental II do Colégio Móbile, Antônio de Freitas da Corte, “o objetivo é a conquista da autonomia moral do aluno, a qual se aprende em um ambiente de diversidade social, pluralismo de idéias, respeito aos diferentes modos de ser e interdependência”. De origem laica e localizado na zona Sul de São Paulo, o colégio pauta seu projeto pedagógico sobre dois grandes pilares, observa Antônio de Freitas: formação social e acadêmica. Já no Colégio Magister, instituição também laica criada há 40 anos na zona Sul de São Paulo, busca-se “abrir um espaço para o aluno aprender a olhar o próximo”, observa Carlos Enrique Garcia, professor de Teatro e coordenador de eventos e projetos sociais na instituição. “A ação o estimula a melhorar, a crescer social e individualmente, a cuidar e desenvolver um potencial para fazer algo no futuro. Essa é a essência da responsabilidade social e do voluntariado jovem”, resume.
Ação ou responsabilidade social?
Conforme avalia o professor Gonzalo, do Madre Paula Montalt, a moderna Pedagogia, introduzida por nomes como o sociólogo suíço Philippe Perrenoud ou a educadora brasileira Terezinha Rios, entre outros, abriu o olhar das escolas para a necessidade “de se estabelecer parcerias com os pais, o bairro e o que acontece nele”. Para as escolas que já tinham uma tradição de trabalho social, como as confessionais ou comunitárias, isso veio a reforçar uma importante linha de trabalho. Mas no conjunto, verifica-se que a introdução paulatina de atividades com preocupação ambiental e assistencial fomentou propostas mais duradouras e consistentes, por meio de parcerias com associações civis e ofertas de cursos do EJA (Educação de Jovens e Adultos).
O educador e professor universitário Marco Antônio Pratta, doutor em Filosofia e História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), observa que o olhar em direção ao outro tem uma de suas origens em “uma leitura mais social da Bíblia”, motivada por um contexto social de grande desigualdade e de reação a regimes políticos autoritários, antidemocráticos. Inspiradas na Teologia da Libertação dos anos 60 e 70, “muitas congregações religiosas abandonaram a atuação educacional, cuja justificativa era o fato de atingir uma parcela privilegiada da população”. Outras, porém, passaram a desenvolver um novo projeto pedagógico, “mais preocupado com as questões sociais, a formação da cidadania e a atuação da população civil”.
Há, entretanto, diferenças entre as atividades esporádicas e a prática efetiva de responsabilidade social, caracterizada por um trabalho contínuo. “As ações pontuais atendem a um dado momento, mas acreditamos que para que tenham resultado, é preciso lançar um olhar maior que a doação. E a escola, como agente da educação, pode contribuir com a formação”, acredita o vice-diretor do Magister, Carlos Enrique Garcia. A própria mantenedora mudou sua forma de atuar há cerca de cinco anos, quando “percebeu que não adiantava tocar projetos isolados, então resolveu adotar uma comunidade que estivesse se organizando socialmente”.
É a Associação ProBrasil, do Jardim dos Álamos, em Parelheiros, extremo sul de São Paulo. “Passamos a desenvolver atividades lúdicas e recreativas com as crianças da comunidade, pois queríamos fazer com que ela crescesse, melhorasse a qualidade de vida, além de estimular o movimento cultural”. A proposta de mudança partiu da coordenação pedagógica, passou a contar com o apoio gradativo da mantenedora e resultou no projeto “Interagindo com o Saber”.
Ela se baseia no compromisso voluntário de alunos do Fundamental II e Ensino Médio. Os demais participam de forma indireta, por meio das campanhas de arrecadação de roupas, livros, presentes e alimentos. Acompanhados pelo vice-diretor e um professor voluntário, os estudantes do Magister realizam uma visita mensal à Associação, organizando e monitorando atividades com 40 crianças, entre 6 e 11 anos. A entidade, entretanto, atende-as diariamente, recebendo suporte do Magister, que custeia os honorários de um monitor e promove dois eventos anuais – a festa junina e um jantar beneficente – com vistas a angariar verba para a Associação.
“Janela de experiência de vida”
No Colégio Móbile, além da participação voluntária dos estudantes do Ensino Médio e dos pais no EJA, seus colegas do 8º e 9º ano atuam como monitores no Projeto Sou Digital, recebendo crianças da Associação Gotas de Flor com Amor para aulas de informática. “São exercícios de convivência e uma oportunidade de desenvolver a solidariedade, o respeito e a colaboração”, diz Antônio de Freitas da Corte, lembrando que também os alunos do Móbile aprendem algumas práticas com a Associação, como a reciclagem de materiais. Esses projetos integram a Ação Comunitária do Móbile, que possui outras frentes de trabalho e “vem de encontro à proposta pedagógica da escola”.
Um formato um pouco diferenciado é proposto pelo Colégio Madre Paula Montalt, que hoje envolve 120 alunos do 9º ano e do Ensino Médio em três frentes de trabalho: o Cantinho Que Encontrei, um abrigo para crianças abandonadas; o “Sopão”, realizado em conjunto com a paróquia do bairro e moradoras voluntárias e que oferece um jantar diário à população carente da região; e o Nossa Turma, programa sócio-educativo com crianças carentes bancado pela Ceagesp. Escolhendo um dos locais para atuarem, sempre acompanhados por professores, os estudantes têm que cumprir 12 horas por trimestre, recebendo, ao final, três pontos extras na média.
“Isso é insignificante em uma escala de zero a 100”, pondera Gonzalo, que acredita, no entanto, que a recompensa possa ser extinta em breve. Segundo ele, a estratégia vinha sendo adotada como um atrativo para os estudantes, uma espécie de impulso inicial “para vencer barreiras e preconceitos”, uma vez que se convive hoje com “a geração aquário, que olha tudo através do vidro, da tevê, da janela do carro, sem contato direto com a realidade”. “Nesse contexto, ela não tem noção da gratuidade e olha o diferente como agressor”. Ao final do trabalho, acrescenta Gonzalo, “eles percebem que o ganho é muito maior que os três pontos”. “É uma janela de experiência de vida que se abre para eles.”
Sua colega e professora de Ensino Religioso, Anunziata Izabel Marques Lopes, precursora do trabalho social na escola, defende o voluntariado pleno. Anunziata começou voluntariamente no Cantinho há 18 anos, com o tempo atraiu o interesse de alunos do Ensino Médio para o local, ajudou a desencadear outras ações entre professores e estudantes, até que de três anos para cá viu isso se tornar parte de uma ação institucionalizada da mantenedora. Atualmente, o colégio oferece suporte e remuneração para que os professores realizem os trabalhos. Os demais estudantes são envolvidos por meio de campanhas de arrecadação, muitas delas organizadas pelo grêmio, e todo o processo é avaliado nas reuniões do Conselho, diz Gonzalo.
O ponto de vista do marketing
Portanto, o enfoque é o da aprendizagem, ou, como observa Antônio de Freitas da Corte, do Móbile, o propósito é “formar sujeitos que tenham consciência de sua responsabilidade social”. De alguma forma, no entanto, os projetos acabam agregando valor à imagem das escolas, afirma o vice-diretor. No Colégio Magister, o coordenador Carlos Enrique destaca que “não queremos fazer disso um marketing externo”, mas que há “benefícios para a imagem da instituição”. “Esse não é o ponto, tampouco nossa finalidade, apenas uma conseqüência”, avalia.
Segundo um dos principais nomes do marketing brasileiro, Marcos Cobra, consultor, professor da Fundação Getúlio Vargas e autor, entre outros, de “Marketing Educacional” (pela Cobra Editora & Marketing), em co-autoria com Ryon Braga, a ação social faz parte da índole de muitas instituições. “Elas fazem porque acreditam e nem se preocupam com o aspecto mercadológico. Mas podem transformar isso numa ação de marketing saudável, que não constitua nenhum tipo de mal-estar à comunidade. Basta fazer sempre, de forma que não pareça oportunista, a apagar incêndio”, diz.
Marcos Cobra, que atuou durante 30 anos como executivo de vendas e marketing de grandes empresas, lembra que a noção de responsabilidade social foi construída gradativamente desde os anos 70. “Durante muito tempo as empresas mantiveram a idéia de que as coisas se acomodavam naturalmente. Quando São Paulo começou a se tornar inabitável do ponto de vista da poluição e surgiram os primeiros sintomas sobre a saúde, iniciou-se a formação de uma consciência. Não era mais possível lidar com a degradação ambiental sem essa responsabilidade”, comenta Marcos Cobra.
Nesse momento, foi preciso desenvolver ações de marketing para melhorar a imagem junto à comunidade em que as empresas poluidoras estavam implantadas, já que eram olhadas como “vilãs”. Eram “ações reparadoras”, mas hoje a responsabilidade social teve o conceito ampliado e faz parte do arcabouço da missão das organizações, observa o consultor. “É questão de sobrevivência funcional”, uma intervenção preventiva, necessária para evitar a degradação ambiental e social. “Depois fica difícil reconquistar esse espaço”, pondera. O consultor defende a “ação preventiva de salvaguarda da qualidade de vida”, tanto para as empresas, quanto para as instituições de ensino.
Saiba mais:
Colégio Magister
Carlos Enrique Garcia
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Colégio Madre Paula Montalt
Anunziata Izabel Marques Lopes
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Gonzalo Vergara Barba
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Marilda Contrucci
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Colégio Móbile
Antônio de Freitas da Corte
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Marco Antônio Pratta
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Marcos Cobra
www.ilam.com.br
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