Especial Educação — violência na escola & bullying
Matéria publicada na edição 68 | Maio 2011 – ver na edição online
O papel da escola começa a ser repensado de forma muito mais contundente depois da tragédia do Rio de Janeiro. Mas o noticiário posterior ao dia 7 de abril, quando Wellington Menezes de Oliveira entrou fortemente armado na escola municipal do Realengo sem ser barrado, continuou a ser alimentado com acontecimentos trágicos relacionados a atos de violência nas escolas, contra as instituições e/ou os próprios alunos, vindos de regiões distantes geográfica e socialmente, como o interior do Piauí ou o interior de São Paulo. Em geral atribuídos ao fenômeno do bullying, esses fatos têm feito a sociedade, e notadamente os educadores, a questionarem por que as escolas parecem não representar mais para um grande número de jovens e adolescentes um lugar de prazer, convivência, alegria e até mesmo de fonte principal de aquisição do conhecimento.
“A escola parece não ser vista como lugar de prazer, de convivência. Não é mais vista nem como o lugar do conhecimento, pois as informações que temos sobre o mundo não são advindas da escola e sim dos meios de comunicação social, que a cada dia evoluem mais, tanto em competência como em velocidade da informação (haja vista que até o verbo twittar foi incorporado recentemente ao nosso dicionário). O que a violência ensina hoje para cada um de nós é que é preciso que a escola olhe tanto para o conhecimento científico, como para o humano que está a sua frente. Do ponto de vista do conhecimento, que a escola possa ter como objetivo não mais a transmissão das informações, mas a possibilidade de que os alunos possam coordenar perspectivas, comparar informações, antecipar fontes, discutir sobre diferentes conhecimentos. Do ponto de vista do trabalho com as relações pessoais, tão ausentes neste cenário da escola, é preciso que esse menino e menina tenham em seus professores uma figura em quem possam confiar, que encontrem espaços para dizer o que sentem num conflito entre pares, tomar decisões para os problemas que têm na convivência. É preciso, além da matemática e das ciências, se sensibilizar com o outro, podendo ouvir suas dores, podendo sentir suas mágoas”, reflete a psicóloga Luciene Regina Paulino Tognetta, juntamente com sua colaboradora, Thais Leite Bozza.
Luciene é doutora pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e coordenadora da linha de pesquisa “Afetividade e Virtudes” do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral, vinculado às universidades estaduais Unicamp e Unesp. Pós-doutoranda na Universidade do Minho, em Portugal, com estudos sobre bullying e autorregulação, Luciene é autora de livros sobre educação e formação ética na escola e recentemente ministrou uma palestra aos familiares dos alunos do Colégio Albert Sabin, localizado na zona Oeste de São Paulo. Já Thais Bozza é pós-graduanda no curso de Especialização em relações interpessoais e construção da autonomia moral pela Unifran (Universidade de Franca). Também participa do Grupo de Estudos da Unicamp e Unesp.
Luciene e Thais analisam que as crianças precisam de “uma escola que acolha, que brinque mais do que trabalhe e seja ouvida nas suas muitas perguntas que têm a fazer. Que seja ouvida no seu silêncio, nas suas dores.” O ponto chave é o desenvolvimento do convívio com os colegas, aprendendo a resolver entre eles seus próprios problemas e encontrando, nas escolas e nas famílias, orientação e apoio. Analisando especificamente a questão do bullying, Luciene e Thais aconselham aos pais que trabalhem abertamente a questão, “encorajando o filho a se indignar com as agressões do outro”. Por outro lado, eles devem buscar a parceria das escolas, que são “responsáveis pela formação ética de seus alunos”. “Infelizmente, a escola ainda não reconheceu o valor de uma assembleia ou de uma avaliação ao final do dia em que os alunos sejam convidados a falar dos problemas de convivência que têm e buscar soluções conjuntas.”
No caso do bullying, o fenômeno se caracteriza quando há “intencionalidade do agressor em causar um sofrimento à vítima”. “As agressões se repetem com o mesmo alvo, acontecem por um longo período de tempo e há um desequilíbrio de poder, tornando possível a intimidação da vítima”, observam as especialistas. Também o contexto entra aí como uma característica importante, pois o agressor do bullying demanda um público que o assista e testemunhe a sua força, segundo aponta, por sua vez, a coordenadora do Ensino Fundamental II do Colégio Albert Sabin, Suely Nercessian Corradini.
A partir de episódios como o do Rio de Janeiro, Suely teme, porém, que o tema do bullying seja banalizado. Segundo ela, é preciso saber identificar bem a sua patologia, desenvolver um trabalho preventivo de conscientização e “procurar abordar as questões de convivência e de comportamento nos grupos heterogêneos, para que o aluno aprenda a lidar com o conflito”, diz. De outra forma, torna-se importante também observar como anda a educação e a formação ética das crianças, jovens e adolescentes na sociedade. Para a coordenadora, o bullying acontece ainda em outros ambientes, sob outras denominações (como o assédio moral nas empresas) e pode, sim, estar aumentando em função de dois fenômenos interligados: pela perda gradual dos espaços de relações e aprendizagem de convívio entre as pessoas, cada vez mais restritos ao horário escolar, e à expansão, por outro lado, das redes sociais da internet, as quais facilitam a disseminação de uma série de agressões.
PREVENÇÃO, AÇÃO SOCIAL E INTERVENÇÕES LOCALIZADAS
Um trabalho interessante com a questão vem sendo realizado pelo Colégio Magister, instituição que atua há 40 anos na zona Sul de São Paulo. São dois pilares fundamentais. De um lado, uma ação mais ampla, social, abrindo-se espaços para que os estudantes atuem com projetos voluntários junto de crianças carentes da região de Parelheiros, extremo Sul de São Paulo. E neste ano ainda, agora em maio, seus estudantes do 3º ano do Ensino Médio farão um estudo do meio em Picos, interior do Piauí. “Queremos que eles tenham contato com a diversidade, ampliem a visão e agreguem o respeito pelo outro”, afirma Carlos Enrique Garcia, professor de Teatro e coordenador das ações sociais na instituição.
Por outro lado, o Magister vem ampliando a participação das famílias em seus eventos. Desde 2010, substituiu o Dia das Mães e dos Pais pelo da Família. “Observamos cada vez mais a importância educacional das escolas, na medida em que as famílias têm menos tempo para cuidar e olhar as crianças. A sua formação deveria estar mais centrada na figura da família, mas, infelizmente, a escola acaba tendo que abraçar dois papéis, o de educar e o da escolarização”, analisa Carlos Enrique.
Na outra ponta, existem ações pontuais relacionadas aos casos de bullying, um trabalho que o Magister sistematizou no final de 2009 e foi incorporado ao seu projeto pedagógico. Ele prevê etapas de abordagem do problema, afirma a coordenadora Ângela Borges, do Fundamental II. Em geral, inicia-se por uma conversa com a criança e a família, o que é suficiente para solucionar eventuais situações, pois “uma ação organizada, clara e contínua do adulto orienta, ajusta e forma uma mudança do comportamento da criança, torna-se suficiente para coibir o bullying”, observa Ângela.
SAIBA MAIS
Ângela Borges
Carlos Enrique Garcia
Luciene Regina Paulino Tognetta
Suely Nercessian Corradini