Felicidade e Emoções positivas nos contextos educacionais
Para adentrar no tema da educação precisamos deixar claro, antes de tudo, se estamos fazendo referência às ações educativas que se estabelecem entre as pessoas nas interações sociais, familiares ou escolares.
Tanto no âmbito social, quanto no familiar ou escolar, inúmeras são as dificuldades enfrentadas neste momento atual das sociedades contemporâneas, lembrando que muitas das nossas crianças e adolescentes não têm limites, demonstram agressividade, não aceitam as frustrações, questionam os deveres e responsabilidades e não vivenciam relações harmoniosas pautadas por valores como a tolerância, cooperação, solidariedade e o respeito.
Mais especificamente sobre o contexto escolar, muitas são as pesquisas enfatizando a necessidade de que a escola se transforme, sabendo que a área educacional não tem incorporado os crescentes avanços do mundo. Além disso, algumas das recentes publicações ainda mostram que o sistema educacional, a escola, o professor, e o ensino conservam ares conservadores e tradicionalistas de épocas anteriores. Sabemos, também, que há a necessidade de que a relação educador e educando e entre os próprios educandos seja melhor e gratificante e, em função disto, os documentos legais como a Lei de Diretrizes e Bases – LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais, e os Temas Transversais têm proposto o cultivo da ética, a construção de valores como a solidariedade, o respeito, a amizade, e o valor e reconhecimento das diferenças.
Muitos são os estudos que enfocam as causas pelas quais o contexto escolar não é pautado por ambientes acolhedores e relações gratificantes, harmoniosas e cooperativas. Cury (2003, p. 139) explicita que somente os professores podem formar os alunos estimulando a criatividade, a superação de conflitos, o encanto pela existência, a educação para a paz, para a saúde, para o trânsito, para o exercício dos direitos humanos. Mas, será que tudo isto se explica por mudanças e transformações unicamente dos professores? Não devemos esquecer que os familiares das crianças e adolescentes de nossas escolas também têm tido muitas dificuldades na construção de valores positivos e elevados.
Acabamos de entrar no Século XXI, mas o século anterior é considerado pelos historiadores como uma era extremada, pois aconteceram progressos das ciências naturais e impressionantes avanços de tudo o que se refere às tecnologias No entanto, não podemos dizer o mesmo quando refletimos sobre os relacionamentos humanos e a sobrevivência do homem como espécie.
Abraham Harold Maslow (1908 – 1970) psicólogo humanista que mais tarde se denominou de orientação transpessoal anunciou tais considerações no final dos anos quarenta. Segundo ele, noventa e cinco por cento dos artigos de periódicos científicos ou citados em palestras sobre o mundo no ano 2000 se ocupariam dos avanços no plano material, tais como a industrialização, modernização e capacidade bélica, e com poucos questionamentos sobre o aumento da capacidade de destruição em massa (in Saldanha, 1999, 2008).
Ainda de acordo com a citada autora, Maslow viveu após duas Guerras Mundiais e se perguntava quem era este homem capaz de criar fatos notáveis, de se sensibilizar diante de uma criança e, ao mesmo tempo, tornar-se frio diante do sofrimento daqueles que estiveram nos campos de concentração. Para ele, eram dois os grandes problemas mundiais, ou seja, precisava-se de uma sociedade boa que promovesse seres humanos saudáveis e precisava-se de seres humanos saudáveis para gerar uma sociedade boa.
Com relação às questões educacionais, Maslow explicitou que as escolas precisam trabalhar a educação extrínseca, ou seja, o conteúdo acadêmico ou didático-pedagógico, mas também a educação intrínseca, ou seja, o autoconhecimento e a emergência de valores positivos. De acordo com Saldanha (2008), Maslow dizia que o educando deve ser ajudado a descobrir que tipo de pessoa é, suas aptidões, estilo, limites, e todo o seu potencial, pois assim promove-se a aceitação e a melhora dele mesmo e dos outros. Para ele, a educação intrínseca propicia que o indivíduo faça boas escolhas, as quais seriam mais éticas.
Maslow dizia “a meta da educação é conduzir a pessoa à auto-realização, ou seja, a ser plenamente humana, a ser o melhor de que se é capaz” (in Saldanha, 2008, p. 119).
O ser humano é multidimensional e, por isto, as dimensões racionais, intuitivas, emocionais, corporais, energéticas e espirituais devem ser trabalhadas de forma relacional em qualquer contexto educativo. Silva (2004) explicita que no encontro com o eu interior há a necessidade de educar o físico estabelecendo a conexão com o corpo; educar as emoções para estabelecer a conexão com a mente; e educar o sagrado estabelecendo a conexão com o espírito.
Moraes e Torre (2004) propõem ”… refazer a aliança entre o racional e o intuitivo, o contemplativo e o empírico favorecendo a evolução do pensamento, da consciência e do espírito. É educar em valores sociais, em convicções, em atitude crítica-construtiva e em espírito criativo. É educar o outro na justiça e na solidariedade. É formar na ética e na integridade. É educar não somente para o desenvolvimento da inteligência e da personalidade, mas, sobretudo, para a ‘escuta dos sentimentos’ e ‘abertura do coração’. É educar para que o ser humano atinja um estado de plenitude…” (p. 69).
Para Maturana, os seres humanos ficam enfermos em um ambiente de desconfiança, manipulação e instrumentalização das relações. O autor propõe que as crianças precisam crescer na confiança, na aceitação corporal sem exigências, no prazer de estar juntos, isto é, na cooperação para se tornarem indivíduos bem integrados e seres sociais (MATURANA e REZEPKA, 2000).
Abraham Maslow acreditava que emoções negativas, tensão e conflito consomem energia e inibem o funcionamento efetivo e, ainda nas décadas de 50 e 60, enfatizou a importância das emoções positivas e encorajou outros psicólogos a iniciar pesquisas sobre felicidade, e alegria e a investigar brincadeiras, jogos e divertimentos (in FADIMAN, 1986).
Mas, de que forma as interações educativas em qualquer um dos contextos, sociais, familiares ou escolares, podem ser pautadas pelas emoções positivas, como a alegria, espontaneidade, sensibilidade, amorosidade, criatividade e outras? Como as pessoas podem transformar relações competitivas em cooperativas e colaborativas?
Para tentar responder a estas questões, vamos retomar as considerações de Abraham Maslow de que a educação pode conduzir a pessoa à auto-realização, a ser plenamente humana e que as emoções positivas são auto-realizadoras. Saldanha (2008) acrescenta que as pessoas auto-realizadas usam seus talentos, capacidades e potencialidades para o seu próprio bem e para o bem de todos do seu entorno.
As pessoas auto-realizadas têm uma percepção mais clara da realidade, maior aceitação de si, relações mais satisfatórias, espontaneidade, senso de humor, e outras características. Elas são, portanto, pessoas felizes. Pessoa feliz se volta para o bem, o melhor, o saudável e o construtivo, independente de onde, quando e com quem estão.
Saldanha propõe que a felicidade pode ser classificada em três tipos, ou seja, a felicidade irreal, a felicidade real ou autêntica e a felicidade transcendente.
A felicidade irreal é falsa, pois advém de uma satisfação momentânea como a aquisição de um bem material, a ascensão a um cargo ou posto hierárquico importante, ou até o prazer que se tem com o uso de drogas.
A felicidade real ou autêntica foi descrita por Maslow como a possibilidade de incluir a adversidade com consciência. Seria aceitar as dificuldades que a vida muitas vezes trás com boa capacidade de enfrentamento e sabendo valorizar as pequenas coisas do dia a dia. Não seria negar as emoções negativas, mas aceitá-las de forma consciente, e compreender que felicidade não é a conquista final, mas todo o processo que nos leva a lutar por algo.
Para se ter a felicidade autêntica ou real, torna-se necessário compreender que a vida tem que trazer sentido. Tendo vivido muitos anos nos campos de concentração na Alemanha nazista, Victor Frankl psiquiatra austríaco, elaborou seus estudos observando as pessoas que não ficavam doentes naquela situação sofrida e adversa. Para ele, as pessoas que sobreviveram tinham fé, acreditavam que iriam sair daquele lugar e tinham o sonho de concretizar algo no futuro.
Assim, lutar por um sonho, acreditar que si mesmo, ter boa auto-estima, ter fé, assumir responsabilidades, superar mágoas, ter relacionamentos gratificantes, buscar o autoconhecimento são condições importantes para que a pessoa seja feliz
E a felicidade transcendente refere-se aqueles momentos especialmente felizes, de êxtase e com ampliação da consciência. Neste tipo de felicidade, a pessoa sente-se integrada, plena e não desperdiça seus esforços, usando, então, todo o seu potencial
Concluindo, precisamos ter a consciência de que para uma sociedade boa e melhor, precisamos que o ser humano seja saudável, seja voltado para o construtivo, para o bom, e que as emoções positivas possam nortear sua vida, tal como a amorosidade, espontaneidade, criatividade, colaboração, cooperação, e o respeito pelas diferenças. Seja, acima de tudo, uma pessoa feliz e realizada como um ser biológico, psicológico, social e espiritual.
Por Célia Maria Lameiro Rodrigues
Célia Lameiro é Psicóloga de Orientação Transpessoal ( [email protected] ), da Alubrat – Associação Luso Brasileira de Psicologia Transpessoal.