Férias a vista
Você já planejou suas férias e acha que não será estressante?
A primeira vez que fui à Índia, há vinte anos, foi uma catástrofe anunciada, mas não percebida. Não pela Índia em si, mas pelas minhas expectativas, pela minha ignorância do que iria de fato encontrar naquele país maravilhoso. A Índia dos livros e filmes, dos mantras e cânticos, dos contos e oferendas à Krishna e Ganesha, é bem diferente de estar lá, em carne e osso. Ainda mais despreparado e sozinho, sem ter com quem dividir as dificuldades e alegrias. Era o meu caso.
No aeroporto de Bombaim com destino à Madras, cerca de 2.000 km ao sul, recebi o conselho mais valioso que já tinha tido até a data: se você quer tirar umas férias livre de stress, não venha à Índia.
Como eu tinha desembarcado havia poucos dias na Índia, não entendi bem o recado daquele “sábio” inglês que encontrei tentando pegar o mesmo voo. Até então era tudo inebriante, inacreditável. Achava que seriam as férias das mil e uma noites, regado a Taj Mahal, cores, música e especiarias. Não contava com o trânsito mais caótico e barulhento do que o de São Paulo. Ver vacas andando livremente ou deitadas no centro e ao longo de grandes avenidas não me era muito costumeiro. Você estranharia encontrar alguns bovinos deitados no cruzamento das Avenidas São João e Ipiranga? E estavam tão confortáveis que parecia uma reunião social. Alegres e sorridentes não se importavam com o caos do trânsito. E, como não podia ser diferente, havia muita bosta de vaca emanado vapores mal cheirosos aos quatro ventos. Literalmente.
No embarque, tudo aconteceu. O horário do voo era… a partir das 12 horas. Podia ser qualquer horário depois do meio dia. E foi o que aconteceu. Ainda bem que a companhia aérea forneceu transporte, almoço e um pouco de conforto. E isso era só o começo de uma longa aventura.
Eu havia planejado aquela viagem por anos a fio, estudando os pontos turísticos, as filosofias da Índia, a música, a dança, o yoga. E tudo me fascinava, na minha mente era uma guirlanda de delícias. Mas não contava com um inimigo oculto: o stress. Silencioso, rastejante e sempre presente, sutil como o aroma de sândalo.
Na realidade o stress foi meu único companheiro naqueles meses de experiências inesquecíveis; algumas eu gostaria de esquecer. O problema é quando estamos recebendo doses adicionais de adrenalina, a emoção fica a flor da pele e ocorre um mecanismo fisiológico que favorece a formação e o fortalecimento de memórias, facilitando as lembranças. E não podemos nos livrar desse mecanismo, pois é controlado pelo sistema nervoso de forma reflexa, automática e involuntária.
Qualquer planejamento requer tempo de maturação, foco e dedicação, incluindo o das férias. O corre-corre para fazer as reservas, escolher os hotéis, os voos, o itinerário, a bagagem. Com quem deixarei meu pet? Quem pagará minhas contas? Escolhi bem os hotéis? Foi a melhor opção? Quanto dinheiro devo levar? Todas essas e outras questões excitam o viajante, para o bem e para o mal. Muitas vezes não vemos a hora de sair para o passeio, muitas vezes de voltar para casa, nosso porto seguro. Essa excitação, se continuada, pode desenvolver uma série de problemas fisiológicos e emocionais, desde problemas gastrointestinais, insônia, nervosismo, insegurança.
E atrás de todo stress e ansiedade, está um centro neural chamado amígdala do hipocampo que é responsável pela nossa sobrevivência. Tudo aquilo que possa nos ameaçar, seja realidade ou fantasia, ativa esse centro que, no final da linha, é responsável pela liberação de hormônios da glândula suprarrenal. E se esse estado de stress atua por mais tempo, o hormônio liberado é o cortisol. Este, quando em excesso, é responsável por uma série de danos em nossas emoções e no físico. Hipertensão, problemas cardíacos, dor crônica, elevação do colesterol ruim, acúmulo da gordurinha indesejada na cintura, osteopenia, redução da massa muscular, queda da imunidade são alguns dos exemplos.
Portanto, quando for sair de férias, tenha a máxima atenção em si mesmo; não se descuide. Descanse, não tente ser perfeccionista na organização da viajem, leve somente o necessário na bagagem, assuma que algum contratempo irá ocorrer. E sempre ocorre.
Acima de tudo, relaxe. E… boas férias, com menos stress.
Ah! E quanto à Índia, voltei lá mais quatro vezes.
Marco Fabio Coghi, diretor geral, é pesquisador, químico (CRQ-4 nº 04203774), conferencista, fisioterapeuta pós-graduado (CREFITO-3 nº 125813-F). Professor convidado da pós-graduação da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), do Curso de Especialização em Medicina Comportamental (UNIFESP – Coordenação do Prof. Dr. José Roberto Leite), do Curso de Gerenciamento de Stress, do International Stress Management Association (ISMA), do Curso de Neuropsicologia Aplicada a Reabilitação (coordenação Dra. Livia Stocco Sanches Valentin).