Globalização e o currículo escolar
*Por André Lázaro
Recentemente, chegou ao Brasil o livro “Empoderar crianças e jovens para a cidadania global”, do professor Fernando Reimers, da Universidade de Harvard. O livro, de acesso gratuito, procura responder ao desafio: qual educação para os tempos de globalização?
O geógrafo Milton Santos argumentava que a Globalização deve ser considerada em três dimensões: a globalização como fábula – descrita como avanço de um progresso infinito e benfazejo; a globalização de fato – a concentração de poder e riqueza associada à ampla difusão de tecnologias – e a globalização como possibilidade de uma sociedade fraterna e integrada ao meio ambiente.
A educação tem sido impactada pela Globalização. Cresce nas redes sociais e nos aplicativos a oferta de cursos gratuitos, aulas, dicas, orientações para interessados e curiosos de todo mundo. Teremos chegado, enfim, à Torre de Babel criativa? Crescemos como humanidade que se reconhece em cada ser humano? Estará a educação impactando a globalização?
Os tempos atuais não confirmam essa esperança. A intolerância com justificativas religiosas, étnicas e culturais prossegue seu curso insano e parece amparada no silêncio e omissão de líderes mundiais e locais diante de fatos aterradores, que lembram aqueles fatos que motivaram a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Apesar disso, a educação permanece como possibilidade de criar e fortalecer laços de compreensão e paz entre os povos e nações. O professor Fernando Reimers atendeu à demanda de um grupo escolar privado americano – Avenues – que desenvolve um projeto para formar líderes mundiais. A escola Avenues tem sede em Nova York e projeta sua expansão para diversas cidades do mundo, inclusive São Paulo. Trata-se de uma escola para muito ricos.
O currículo proposto – World Course – compreende da educação infantil ao ensino médio. O trabalho foi realizado com a condição de ser tornado público, para que outros educadores, escolas e redes de ensino possam inspirar-se em sua proposta e adaptá-la às condições locais. O objetivo geral é “desenvolver a cidadania global, entendida como o resultado de competências sobre como compreender, se preocupar e influenciar questões globais e promover os direitos humanos”. Para tanto, as competências incluem “conhecimentos, afeto e habilidades”. E estimula a agir: “a ação transformadora é o principal foco do World Course”.
A tradução da obra para o português chega em boa hora, quando o país vive o debate sobre a oportunidade, pertinência e relevância da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). A Base não é currículo, alerta o Conselho Nacional de Educação, mas a partir da Base surgirão currículos. Sem pretender que o World Course seja um modelo, ele traz informações, fontes e métodos que podem contribuir para um bom debate de nossos currículos. Entre muitas qualidades, a proposta oferece ao menos duas lições relevantes. A primeira, o movimento pedagógico que do particular alcança o mundo e promove o conhecimento, a sensibilidade e estimula a ação cooperativa internacional. O local e o global dialogam em favor do reconhecimento do que é o bem comum. Além disso, para a sociedade brasileira, o livro também traz uma lição: há farta indicação de fontes de informação, mapas, dados, entrevistas, livros, músicas, filmes, e amplo material de apoio escolar gratuito, acessível e de excelente qualidade. Parece uma sociedade de fato interessada em apoiar a educação oferecendo recursos abertos para livre acesso. Um modelo que precisamos conhecer e integrar.
*André Lázaro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, diretor da Fundação Santillana.