Inclusão escolar sem laudo é direito da criança
Colunas e Opiniões
A apuração de evidências sobre as razões da prática de bullying em escolas públicas e privadas e sua versão digital – o cyberbullying – permitiu a constatação de inúmeros pontos de atenção sobre comportamentos das famílias, dos profissionais de educação e das instituições responsáveis pela supervisão do funcionamento do sistema educacional. Do ponto de vista em que atuamos concluímos haver, de fato, de modo geral e com raras exceções, uma forte desconexão entre as determinações legais e a prática dentro das escolas. Uma das mais pungentes é a discriminação contra crianças portadoras de necessidades especiais. Outra, a incapacidade de atenção diante daqueles possuidores de capacidade de absorção de conhecimento muito acima da média.
A Constituição Federal traz como um dos seus objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º, inciso IV) e no art. 208, o direito ao “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência”. Em 2006, a ONU publicou a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência que apresenta a seguinte definição: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.”
Ao longo dos anos vem-se adotando a prática de laudos sobre a capacidade das crianças em relação ao aprendizado. Enquanto negócio e do ponto de vista legal, o laudo trata-se de um registro emitido por especialista ou uma equipe multidisciplinar (formada por médicos, fonoaudiólogos, psiquiatras, psicólogos e psicopedagogos) que descreve o método de diagnóstico, as alterações observadas no paciente e a conclusão – geralmente, algum transtorno ou deficiência da pessoa examinada. Entretanto, o que deveria ser ponto de partida para dar suporte à integração da criança para o convívio escolar, virou arma para discrimina-la. E isso acontece mesmo com o pais possuindo legislação explícita contra isso.
A Lei nº 7.853/89 estipula a obrigatoriedade de todas as escolas aceitarem matrículas de alunos com deficiência – e transforma em crime a recusa a esse direito. O Art. 8 dispõe que é crime punível com reclusão de 2 a 5 anos e multa recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência.
Aprovada em 1989 e regulamentada em 1999 (com o Decreto 3.298) e 2015, a lei é clara: todas as crianças têm o mesmo direito à educação. Os gestores escolares devem organizar sistemas de ensino que sejam voltados à diversidade, conforme previsto na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, no artigo 59, dispõe que as escolas devem assegurar aos estudantes currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades; assegura a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências; e assegura a aceleração de estudos aos superdotados para conclusão do programa escolar.
A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956/2001, afirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo como discriminação toda forma diferenciação que possa impedir ou anular o exercício dos direitos humanos, como a educação, por exemplo. A NOTA TÉCNICA Nº 04 / 2014 / MEC / SECADI / DPEE afirma que a exigência de diagnóstico clínico dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação configuraria discriminação e cerceamento de direito.
A implementação da educação inclusiva exige a reformulação dos princípios e das práticas pedagógicas que regem as atividades escolares. É necessário que o administrador escolar compreenda a deficiência como responsabilidade social, que implica na conscientização da comunidade para identificar e superar as barreiras para a plena participação e aprendizagem de qualquer estudante de modo que ninguém fique isolado ou excluído. Os gestores devem saber o que diz a Constituição, mas principalmente conhecer o Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece a obrigatoriedade de pessoas com deficiência e com qualquer necessidade especial de frequentar ambientes educacionais inclusivos.
Assim, entende-se isso ou muitos continuarão respondendo por seus atos perante a Justiça. Esta pode ainda continuar lenta, mas a persecução nunca para.